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Lava Jato

Fachin e Celso de Mello: Doação eleitoral oficial pode esconder corrupção e lavagem

A 2ª turma julga AP contra o deputado Federal Nelson Meurer, réu da Lava Jato.

Da Redação

terça-feira, 22 de maio de 2018

Atualizado às 15:56

O ministro Edson Fachin, relator da ação penal que tem como réu o deputado Federal Nelson Meurer, votou na tarde desta terça-feira, 22, sobre a acusação do MPF de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito do esquema desvendado na Lava Jato. Também proferiu voto o revisor da ação, ministro Celso de Mello.

Para Fachin, as peculiaridades do presidencialismo de coalizão que vigora no Brasil permitem afastar a tese doutrinária segundo a qual o crime de corrupção passiva exige que a ação do funcionário corrupto seja inequívoca.

"Essa dinâmica em si não é, nem poderia ser, espúria. Todavia, quando o parlamentar usa de seu poder para indicar alguém a determinado cargo ou lhe dar sustentação política para nele permanecer e o exerce de forma desviada para percepção de vantagens indevidas há evidentemente um mercadejamento da função parlamentar. Um parlamentar, em tese, ao receber dinheiro em troca ou razão de apoio político a um diretor de empresa estatal, estará mercadejando uma de suas principais funções que é o exercício da fiscalização da lisura dos atos executivos."

O relator anotou no voto que a Constituição dotou o Congresso de poderes próprios de autoridade judicial, como por exemplo, na formação de CPMIs. Por isso, entende, a percepção de vantagens indevidas oriundas de desvios perpetrados no âmbito de entidade de Administração indireta implica um evidente ato omissivo no que diz respeito ao exercício dessas funções parlamentares.

"Por isso viável a configuração do crime de corrupção passiva quando a vantagem é em troca da manifestação da força política que o parlamentar detém para condução ou sustentação de determinado agente em cargo que demanda tal apoio."

Liderança

O ministro Fachin asseverou que o deputado Nelson Meurer tinha papel de liderança no PP, ao contrário do que arguido pela defesa, principalmente após o falecimento de José Janene, em 2010.

"Sendo certo que a indicação para a diretoria competia ao PP, que o fazia pelos seus líderes, constato a viabilidade concreta de evidenciar a sustentação política em favor de Paulo Roberto Costa e assim se caracteriza ato de ofício inerente às atividades parlamentares exercidas pelo acusado."

Segundo Fachin, não se trata de criminalizar a atividade político-partidária, mas sim de responsabilizar nos limites da lei os atos que transbordam esse exercício legítimo da representação popular.

"O mandato eletivo é exercido de forma concomitante à própria atividade partidária. É um meio necessário à investidura dos representantes do povo. O conjunto probatório revela que o caso concreto retrata, em parte dos fatos denunciados, uma atuação desviada do deputado Federal Nelson Meurer no exercício de sua atividade parlamentar-partidária."

Desvio de função

O ministro Fachin concluiu que dos 161 contratos da Petrobras e, portanto, 161 atos de corrupção passiva apontados, o MPF não produziu conjunto probatório suficiente para confirmar a adesão subjetiva do deputado em todos os contratos.

"A denúncia atribuiu hipertrofiadamente a participação de Meurer em todos os contratos no período em que Paulo Roberto Costa estaria à frente da diretoria de Abastecimento."

Apesar disso, entendeu que era "robusto o quadro probatório" no tocante à imputação de recebimento de valores ordinários e periódicos indevidos, em algumas oportunidades, com o auxílio de seus filhos, corréus na ação penal.

Edson Fachin citou a existência de dados de companhias aéreas, registros de hotéis, quebra de sigilo bancário e outros que corroboram as delações premiadas que apontaram o recebimento de vantagens oriundas de propina.

"O conjunto probatório é apto a corroborar as afirmações feitas pelos colaboradores no sentido de que as entregas ordinárias de dinheiro a Nelson Meurer ocorriam em Curitiba."

Doação eleitoral simulada

No que diz respeito à doação eleitoral da Queiroz Galvão em favor da campanha de Nelson Meurer em 2010, o ministro Fachin afirmou que no caso da corrupção passiva não se exige que a vantagem seja de cunho exclusivamente patrimonial, embora seja a forma mais comum de adimplemento. E afastou a assertiva defensiva no sentido de que doação eleitoral, porque declarada à Justiça especializada, não seria meio apto para configuração do delito de corrupção passiva.

"As normas que regulam as fiscalizações de campanha não cuidam dos motivos que ensejaram a doação de recurso a determinado candidato.

A doação eleitoral se não realizada com o propósito de apoiar os ideais propagados pelo candidato/partido, travestindo-se de vantagem indevida, passa a ser qualificada como liberalidade indevida, viciada por simulação que a nulifica."

Para Fachin, a doação eleitoral da Queiroz Galvão em favor da campanha de Nelson Meurer em 2010 foi um negócio jurídico simulado, para encobrir a finalidade de transferência de recurso, que não era outro senão adimplir a vantagem indevida para viabilizar a manutenção do cartel de empreiteiras no âmbito da Petrobras.

"A doação eleitoral foi utilizada como estratégia para camuflar a real intenção das partes, que não era outra senão pagar a vantagem indevida em decorrência da manutenção do esquema das empresas carteirizadas na Petrobras."

Lavagem de dinheiro

Apesar de ter afastado algumas imputações do MPF no que tange ao crime de lavagem de dinheiro, o relator da AP entendeu configurada a prática delituosa nos atos de recebimentos ordinários e fracionados pelo deputado Nelson Meurer.

"Dentre as mais variadas modalidades de ocultação, o depósito fracionado da quantia em conta corrente, em valores que não atingem limites estabelecidos pelas autoridades, é meio apto para configuração do crime."

Conforme o ministro Fachin, o denunciado nas declarações do IR em 2011 e 2012 informou ser proprietário de 103.500 cotas de sociedade empresária, ao passo que no ano seguinte declarou 848 mil cotas, atribuindo a cada uma o valor de R$ 1.

"O próprio denunciado confessa que tal sociedade empresaria já não se encontrava mais em atividade, circunstância que revela que sua liquidação foi utilizada para omitir recursos obtidos de forma espúria."

Para Fachin, a movimentação financeira de Nelson Meurer foi incompatível com sua renda, o que revela a "formação dolosa de patrimônio".

Assim, o ministro concluiu afirmando que, em sua avalição, o conjunto probatório confirma que em ao menos 30 oportunidades o deputado recebeu vantagem indevida para manter Paulo Roberto Costa na diretoria de Abastecimento da Petrobras; de forma extraordinária também recebeu como contraprestação da Queiroz Galvão doação eleitoral simulada; que parte dos recursos recebidos de forma ordinária foi submetida a procedimento de branqueamento consubstanciada em depósito fracionado; e que a doação eleitoral da empreiteira teve a aptidão de dissimular sua origem, o que tipifica a lavagem de capitais; de modo que julgou parcialmente procedente a denúncia.

Voto do revisor

O ministro Celso de Mello, revisor da ação penal, embora tenha ressaltado que fez um voto de 120 laudas, ainda sem versão final - já que fez acréscimos enquanto Fachin proferia o dele -, o decano discursou sobre a corrupção no país.

"Essas práticas delituosas enfraquecem as instituições. O que vejo são políticos que desconhecem a República, que ultrajaram as instituições, que atraídos por uma perversa vocação para o controle vilipendioso do Poder, desonraram a ideia que anima o espírito republicano pulsante no texto de nossa Constituição.

Não se está a incriminar a atividade política, mas a punir aqueles políticos que não se mostraram capazes de exerce-la com honestidade, integridade e elevado interesse público, preferindo ao contrario transgredir as leis penais de nosso país.

Estamos a julgar não atores políticos, mas sim protagonistas de sórdidas tramas criminosas. Processam-se não atores, não dirigentes políticos ou partidários, mas sim autores de crimes."

O decano concluiu que a "a densidade e a robustez das múltiplas fontes independentes de provas" conferem substância aos dados informativos produzidos pelo MPF e afastam o discurso defensivo.

"Os sólidos elementos de corroboração apresentados validam indiscutivelmente as declarações prestadas por inúmeros colaboradores. O réu [deputado Nelson Meurer] recebeu em pagamento pelo comércio indigno e criminoso de sua função pública verbas ilícitas oriundas do vergonhoso esquema instaurado na Petrobras em pelo menos 30 oportunidades."

Quanto ao tema da doação eleitoral oficial feita pela Queiroz Galvão ao parlamentar, Celso de Mello concordou com o relator de que esta foi "instrumento para dissimular a origem espúria e criminosa" da vantagem ilícita recebida para manter Costa na Petrobras e perpetuar o cartel das empreiteiras na estatal.

"O recebimento de vantagem indevida por meio de doação eleitoral pode configurar sim além do delito de corrupção passiva também o delito de lavagem de dinheiro. Esse comportamento mais do que ousado constitui gesto de indizível atrevimento e gravíssima ofensa à legislação penal da república, na medida em que os agentes valem-se do próprio aparelho do Estado, por meio da Justiça eleitoral, via prestação de contas, para conferir aparência de legitimidade a recursos manchados em sua origem pela nota da delituosidade."

O ministro Celso afirmou que, apesar da forma ser legal, seu conteúdo não o é: "Não se trata de doação, mas de propina disfarçada. O modo de recebimento da vantagem indevida pode, além de configurar o delito de corrupção passiva, configurar o crime de lavagem de capitais."

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