Para CNI, proibir aditivos em cigarros pode encerrar indústria do tabaco no país
Primeiro julgamento do ano no Supremo será de ADIn contra resolução da Anvisa.
Da Redação
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
Atualizado às 08:45
O primeiro processo a ser julgado pelo plenário do STF no ano judiciário de 2018 é um dos mais sensíveis em tramitação na Casa.
Trata-se da retomada de julgamento da ADIn na qual a CNI questiona a competência da Anvisa para editar a RDC 14/2012, que dispõe, entre outros, sobre a restrição no uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco.
O julgamento foi iniciado em sessão de novembro do ano passado, quando a ministra Rosa Weber leu o relatório da ação e foram ouvidas as sustentações orais das partes e dos amici curiae, abrangendo entidades ligadas à indústria tabagista e de combate ao uso do cigarro.
RDC 14/2012
A resolução proíbe a comercialização no país de produto fumígeno derivado do tabaco que contenha qualquer um dos seguintes aditivos:
- substâncias sintéticas e naturais, em qualquer forma de apresentação com propriedades flavorizantes ou aromatizantes;
- coadjuvantes de tecnologia (ou auxiliares de processo) para aromatizantes e flavorizantes;
- aditivos com propriedades nutricionais;
- aditivos associados com alegadas propriedades estimulantes ou revigorantes, incluindo taurina, guaraná, cafeína e glucuronolactona;
- pigmentos ou corantes;
- frutas, vegetais ou qualquer produto originado do processamento de frutas e vegetais, exceto carvão ativado e amido;
- adoçantes, edulcorantes, mel, melado ou qualquer outra substância que possa conferir aroma ou sabor doce, diferente de açúcares;
- temperos, ervas e especiarias ou qualquer substância que possa conferir aroma ou sabor de temperos, ervas e especiarias;
- ameliorantes; e
- amônia e todos os seus compostos e derivados.
Caráter genérico e abstrato
A CNI sustenta que a agência utilizou de sua atribuição regulamentar para atuar em caráter genérico e abstrato, na medida em que não teria apresentado argumentos técnicos que comprovem os riscos dos produtos proibidos - o que abrangeria "todos os agentes econômicos que atuam na cadeia produtiva do tabaco, desde os agricultores aos distribuidores".
A interpretação requisitada é de que essa atuação deve ser direcionada a sujeitos determinados, em situações concretas e em caso de risco à saúde excepcional e urgente. Com isso, pede a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento da RDC 14/12.
Fim da indústria
Na petição inicial, a CNI argumenta que os os aditivos banidos pela ANVISA - como melado e extratos vegetais - são insumos lícitos e inofensivos.
"Poder-se-ia até cogitar de uma medida cautelar da Agência para proibir o uso de insumos nocivos na fabricação do cigarro. Mas não é o caso. Isso reforça o viés exclusivamente político da medida."
Político na medida em que, para a CNI, ocorreu desvio de finalidade com a RDC, que "pretende banir o cigarro fabricado no Brasil sob o pretexto de realizar controle sanitário".
Isso porque, conforme a Confederação, na prática a resolução implicaria em banimento da produção e comercialização da quase totalidade dos cigarros vendidos licitamente no mercado brasileiro, já que os cigarros vendidos no Brasil, do tipo American Blend, são produto de uma mistura de aditivos e diferentes tipos de fumo (combinação de folhas de tabaco tipo Burley, Oriental e Virgínia).
"Trata-se de composição distinta daquela predominante nos cigarros vendidos, por exemplo, no Canadá, na Austrália e no Reino Unido (Straight Virginia), em que é utilizado apenas um único tipo de fumo, o qual prescinde do uso de ingredientes. (...)
Não se trata apenas dos ditos cigarros com sabor: estes representam menos de 2% do mercado brasileiro de cigarros. O banimento de aditivos atinge, na verdade, mais de 98% da produção nacional que apresenta sabor de tabaco, com efeitos sistêmicos sobre toda a cadeia produtiva - a qual abarca desde produtores rurais, fornecedores de insumos, fabricantes, distribuidores, até os comerciantes que atuam em pontos de vendas."
Segundo a autora da ação, com o banimento de aditivos, acabam sendo discriminados os fumantes que preferem determinados tipos de cigarros; as marcas comercializadas no Brasil; além dos fornecedores de insumos e produtores nacionais.
"Obrigar as empresas a alterarem a composição dos seus produtos e proibir que as indústrias fabriquem cigarros que se diferenciem uns dos outros por seu sabor, compromete a identidade da marca, construída ao longo de vários anos. Consumidores poderão passar a rejeitar o produto, ou migrar para outros (inclusive para ilegais), o que fará com que a marca perca o valor construído."
Por fim, a CNI especula que a proibição da Anvisa pode levar, inclusive, ao aumento do consumo:
"Pode-se falar em uma tendência de que os possíveis consumidores desses produtos (novos e antigos) migrem para o mercado ilegal, que manterá o produto da preferência dos consumidores, sem controle sanitário, a preços bem mais atrativos, os quais, aliás, fizeram com que os cigarros ilegais detenham 30% do mercado de fumígenos no Brasil."
Saúde pública
Uma série de amicus curiae ingressaram na ação nos últimos anos. Embora a maioria tenha sido a favor da tese defendida pela autora, aqueles que pugnam pela constitucionalidade da RDC elencam entre os argumentos o fato de que ao editar a RDC 14/2012, a Anvisa teria desempenhado sua função legal de regular o cigarro e proteger a saúde pública. A ACTbr - Aliança de Controle do Tabagismo sustentou:
"A proibição dos aditivos deve-se ao fato de que estes ingredientes são utilizados para mascarar a irritação e o sabor desagradável do tabaco. Os aditivos aumentam a palatabilidade do tabaco e a atratividade do produto, induzindo mais pessoas ao tabagismo, em sua maioria crianças e adolescentes."
A AGU, em manifestação assinada pelo então advogado-Geral da União Luís Inácio Adams, defendeu a validade do poder regulamentar exercido pela Anvisa na edição da norma. Destacando o papel da agência na promoção da saúde pública no país, Adams afirmou ser "incontestável" que praticamente todos os países do mundo reconhecem a utilização de aditivos para tornar os produtos de tabaco mais atrativos e assim, facilitar a iniciação ao tabagismo, especialmente por crianças e adolescentes.
"A edição da Resolução n° ]4/12, a qual impõe restrições ao uso de substâncias que potencializam os danos causados por produto que gera malefícios à saúde, não extrapola o âmbito de competência normativa das agências reguladoras. Ademais, os seus artigos 6° e 7°, ao contrário da pretensão da autora, não visam a regulamentar os produtos denominados pela indústria de tabaco de produtos de sabor característico, mas sim a disciplinar aditivos utilizados para aumentar a palatabilidade e a atratividade."
Informando que cerca de 600 aditivos são utilizados atualmente na fabricação de cigarros e de outros produtos derivados do tabaco, para a AGU, há risco no uso de aditivos na fabricação de cigarros e outros produtos derivados do tabaco. Citando uma série de estudos que envolveram diferentes aditivos e seus riscos para a saúde, como um que aponta que fumantes de cigarros mentolados estariam mais expostos às substâncias cancerígenas, ou que muitos aditivos potencializam o vício, a AGU afirmou:
"As alegações de que os aditivos utilizados na manufatura dos produtos derivados do tabaco seriam inócuos à saúde é absolutamente questionável."
- Processo: ADIn 4.874