Relatores divergem sobre possibilidade de Legislativo estadual derrubar ordem judicial
Para Fachin, o poder das Assembleias deve ser limitado quando se trata de revogação de decisões judiciais. Para Marco Aurélio, CF é clara ao conferir imunidade.
Da Redação
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Atualizado às 19:25
O plenário do STF iniciou, nesta quarta-feira, 6, o julgamento conjunto de três ADIns que discutem a possibilidade de Assembleias Legislativas revogarem decisões judiciais. As ações questionam dispositivos das Constituições estaduais do RN, MT e RJ, que estendem aos deputados estaduais imunidades previstas na CF para deputados Federais e senadores.
Estavam em julgamento medidas cautelares das ADIn 5.823, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, e ADIns 5.824 e 5.825, do ministro Edson Fachin. Para Marco Aurélio, a CF é clara ao conferir a imunidade aos parlamentares, e não faz diferenciação entre estaduais e Federais, de forma que deve ser conferida a eles a imunidade prevista na CF. Fachin, no entanto, acredita que o Legislativo usurpou competência atribuída pela CF ao Judiciário quando derrubou decisão, violando o princípio da separação de Poderes.
A discussão veio à baila depois de a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro autorizar, por meio da resolução 577/2017, a soltura dos deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, do PMDB, que haviam sido presos por decisão do TRF da 2ª região. Medida veio após a decisão do STF na ADIn 5.526, na qual a Corte decidiu, por apertada maioria, que o afastamento de parlamentar pelo Judiciário deveria ser analisado pelo Congresso.
Alcance da imunidade
Autora das três ações, a AMB pede a suspensão de dispositivos de constituições estaduais e, por arrastamento, de resoluções das assembleias legislativas, os quais conferem ao Legislativo a possibilidade de revogar ordens judiciais.
A ação 5.823 visa à inconstitucionalidade dos arts. 33, § 3º e 38 §º 1, 2, e 3 da Constituição do RN. Os preceitos versam, o 33, sobre a inviolabilidade dos deputados estaduais, e o 38, sobre o impedimento de afastamento por prisão preventiva, porque versa apenas sobre prisão em flagrante de crime inafiançável, e a necessidade de o Judiciário, uma vez recebida a denúncia, comunicar à casa legislativa o recebimento, com possibilidade de sustação do andamento da ação.
As duas outras ADIns, 5.824 e 5.825, também tratam da matéria. Na primeira, a requerente pede a declaração de inconstitucionalidade do §2º e §5º do art. 102 da Constituição do RJ e, por arrastamento, da resolução 495/17 da assembleia legislativa daquele Estado. A segunda pede a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º a 5º do art. 29 do Estado do MT e, por arrastamento, nulidade da resolução 5221/17, também da Assembleia Legislativa daquele Estado.
Aduz a AMB que, em decisão anterior sobre o tema (ADIn 5.526), o Supremo fez expressa referência à restrição do alcance das regras e imunidades da CF apenas para parlamentares Federais, e, portanto, a imunidade se faz necessária para deputados Federais e senadores, e somente para eles.
Após a leitura dos relatórios, foram feitas as sustentações orais e prununciou-se a procuradora-Geral Raquel Dodge pela procedência das ADIns.
Garantias institucionais
Inicialmente, Marco Aurélio pronunciou-se pela inadmissão da ADIn devido à ilegitimidade ativa da AMB. Para o ministro, entidades de classe não têm abrangência universal, sendo cabível apenas defender os interesses da categoria profissional. No entanto, o ministro ficou vencido neste ponto, por voto contrário de todos os demais ministros presentes. Desta forma, proferiu seu voto na medida cautelar.
Para Marco Aurélio, "a regra é clara e não deixa margem para dúvidas: os deputados estaduais têm a inviolabilidade conferida aos membros do Congresso Nacional". O ministro destacou que o dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas em torno de quais imunidades são abrangidas pela norma extensora. "A referência, no plural, de cunho genérico, evidencia haver-se conferido a parlamentares estaduais proteção sob os ângulos material e formal. Quisesse o constituinte estabelecer estatuto com menor amplitude para deputados estaduais, tê-lo ia feito expressamente."
O ministro afirmou que o constituinte definiu amplo suporte de garantias institucionais ao parlamentar, viabilizando o livre exercício da atividade, "seja ele estadual, seja federal". "A imunidade conferida pela Constituição não inviabiliza a persecução criminal, tampouco impede a prisão, mas sim estabelece limites rígidos a serem observados visando à plena atividade parlamentar", afirmou.
Assim, votou pelo indeferimento da medida cautelar.
Contra a imunidade
Logo no início de seu voto, Fachin já indicou que votaria em sentido diverso de Marco Aurélio. "Ao revogar a prisão preventiva decretada pelo TRF da 2ª região em desfavor de parlamentares estaduais, a pretexto de exercer a competência prevista no art. 53, § 2º, da CF, entendo que a Assembleia Legislativa do Estado usurpou competência atribuída pela Constituição exclusivamente ao Poder Judiciário, violando o princípio da separação de poderes", destacou.
Para Fachin, a regra imunizante da CF não tem a amplitude que lhe foi conferida pelas Assembleias Legislativas, ao editarem resoluções que revogaram prisões preventivas decretadas pelo Judiciário.
"O STF já reafirmou que a imunidade não é absoluta. O parlamentar pode proferir quaisquer palavras no exercício do mandato. Mas quando não está no exercício de suas funções, ele não está protegido pela 'ratio' da imunidade parlamentar."
Assim como em julgamento anterior da Corte sobre o tema, Fachin afirmou que a Constituição não confere ao Legislativo atribuição para revisar juízo técnico-jurídico feito pelo Judiciário, salientando sua opinião no sentido da possibilidade da aplicação de medidas cautelares penais em desfavor de parlamentar estadual. "Interpretação que tenho sobre regra imunizante não comporta proibição de prisão preventiva."
Lembrando que o julgamento se dá em sede de medidas cautelares, votou pelo deferimento das mesmas tal como pleiteado pela AMB, por entender presentes os requisitos da cautelaridade, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris, independentemente do caminho que adote o STF: seja pelo majoritário, formado na ADIn 5.526, seja pelo minoritário, opinião da qual faz parte o ministro. "Se, ao final, a pretensão vem ou não a ser acolhida, entendo que é tema a ser futuramente esgrimido."
Apresentados os votos dos ministros relatores, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado na quinta-feira, 7.
Confira o voto do ministro Marco Aurélio.