OMC decide esta semana disputa entre Brasil e UE sobre a questão da importação de pneus usados e remodelados
X
Da Redação
quarta-feira, 5 de julho de 2006
Atualizado às 08:48
Comércio internacional e acordos
OMC decide esta semana disputa entre Brasil e UE sobre a questão da importação de pneus usados e remodelados
Começou ontem, em Genebra, na Suíça, a reunião da OMC que pretende colocar um ponto final no contencioso entre Brasil e UE acerca da importação de pneus usados e remodelados. O Brasil é alvo das queixas dos países europeus por proibir a importação dos pneus por causa dos riscos que esses produtos, depois de descartados, trazem à saúde humana e ao meio ambiente. A UE também reconhece o perigo que representam esses resíduos, considerados extremamente tóxicos e poluentes. Tanto que, a partir do dia 16 de julho, estará proibida a existência de aterros para armazenar pneus usados em todos os seus países membros.
Curiosamente, a UE quer que a OMC constranja o governo brasileiro a aceitar ser o destinatário dos pneus usados descartados pelos consumidores europeus. Depois de remodelados, esses pneus encontrariam mercado no Brasil, dono da maior frota de automóveis entre os países
A "guerra dos pneus", no entanto, tem defensores da importação dos remodelados na própria sociedade brasileira, o que fortalece a posição da UE na OMC. A vinda desses pneus para o país interessa ao setor automobilístico, sobretudo às empresas importadoras, que, à custa de liminares obtidas na Justiça, jamais deixam de operar e têm grandes lucros com a venda dos remodelados. O lobby empresarial, como sempre, se fez sentir no Congresso, onde a aprovação do substitutivo do projeto de lei para definir a Política Nacional de Resíduos _ que regularia a questão dos pneus, entre outras _ transformou-se numa batalha entre a oposição e a bancada governista. O governo acabou conseguindo anular a votação que aprovou o substitutivo na comissão especial criada para tratar o assunto na Câmara, mas a briga promete render.
Na reunião da OMC, o governo brasileiro estará representado pela Casa Civil e pelo Itamaraty, além dos ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e do Desenvolvimento. Tanto na disputa bilateral quanto no debate político interno, o governo vem contando com o apoio das organizações dos movimentos sociais e socioambientalistas à manutenção da proibição à importação de pneus remodelados. Representantes de ONGs brasileiras prometem promover um ato público esta semana em frente à OMC e já divulgaram um documento, intitulado "Não queremos que o Brasil se torne o lixão da União Européia", onde defendem a manutenção da posição adotada pelo governo brasileiro.
Distribuído com cópias em português, espanhol, inglês, francês e alemão, o documento afirma que as preocupações da UE estão "centradas meramente em questões comerciais" e cita as convenções da Basiléia e de Estocolmo sobre resíduos indesejados e poluentes orgânicos persistentes antes de criticar os europeus: "Pneus reformados não podem ser reformados novamente, portanto, sua vida útil é menor do que um pneu novo. Assim, entendemos como maquiagem a reforma e exportação destes produtos. Os países da União Européia aproveitam brechas na legislação brasileira e descartam pneus inservíveis ou com meia-vida no Brasil, bem como em outros países em desenvolvimento".
As ONGs também criticam a postura da UE de querer empurrar um problema seu para outra parte do mundo: "Considerando as restrições de limites de emissão no processo de incineração de resíduos sólidos , fica evidente que a UE considera a exportação de pneus usados e reformados como a forma adequada de disposição e/ou tratamento. Não podemos aceitar este comportamento de um conjunto de países que há décadas vêm adotando uma retórica favorável à proteção do meio ambiente, saúde pública e defesa dos direitos humanos", diz o documento, assinado pela CUT, pelo MST, pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), pelo Centro de Estudos Ambientais (CEA) e pelo Núcleo Amigos da Terra Brasil.
A nota pede que os europeus assumam sua responsabilidade: "Os países da UE devem assumir responsabilidades e destinar recursos e tecnologias adequadas para o tratamento e destinação final de seus resíduos, produzidos por uma sociedade de consumo e um modelo de produção insustentável. Hoje, os consumidores europeus pagam um valor adicional na aquisição do produto, correspondente à destinação adequada que este produto requer, porém estão sendo enganados, já que os pneus ,como outros bens usados, estão simplesmente sendo exportados para os países em desenvolvimento".
Votação anulada
No Congresso, após intensa pressão do governo, a Mesa Diretora da Câmara anulou a votação da Comissão Especial da Política Nacional dos Resíduos que aprovou o substitutivo do Projeto de Lei 203/91, que tem como objetivo criar a Lei Nacional de Resíduos. Relatado pelo deputado Feu Rosa, o substitutivo liberava a entrada de resíduos usados, inclusive pneus, no país, o que provocou a mobilização das tropas governistas para reverter sua aprovação. O argumento encontrado para justificar a anulação da votação é que Rosa já havia apresentado proposta sobre o mesmo assunto na Câmara. Segundo o regimento interno da Casa, isso não é permitido: "Agora teremos um novo relator. Há pouquíssimas chances desse assunto voltar à pauta essa semana" festejou o deputado Luciano Zica, autor do pedido de anulação da votação.
O curioso é que a "guerra dos pneus" proporcionou até mesmo uma batalha interna no PT. Inicialmente indicado pelo partido para ser o relator do substitutivo na comissão especial, o deputado Ivo José teve que ser destituído do cargo e afastado da comissão pelo líder do PT na Câmara, Henrique Fontana. O texto de José, para surpresa da bancada petista, era favorável à importação de resíduos: "Tentamos, sem sucesso, o diálogo com o deputado Ivo José, e então tivemos que adotar a atitude extrema de substituí-lo, pois o substitutivo não poderia ser mantido em nome da bancada do PT", disse Fontana, para explicar a substituição.
O novo relator, indicado pelo líder do PT com o apoio dos demais partidos da base, foi o deputado Fernando Ferro. O tiro governista, no entanto, saiu pela culatra, pois o presidente da comissão especial, deputado Benjamin Maranhão, vetou a substituição, classificando-a como "violência sem precedentes".
Valendo-se de suas prerrogativas, Maranhão designou como novo relator o deputado Feu Rosa, que decidiu manter o relatório de Ivo José, para desespero do governo. Após a aprovação, Henrique Fontana prometeu "atuar no limite da democracia" para anular a votação, o que acabou sendo conseguido graças a decisão da Mesa Diretora.
________________