Denúncia de assédio contra ministro abala STJ
Paulo Geraldo Medina é acusado de assédio sexual.
Da Redação
segunda-feira, 18 de agosto de 2003
Atualizado em 15 de agosto de 2003 10:27
Denúncia de assédio contra ministro abala STJ
No informativo Migalhas de 22 de julho de 2003 (Migalhas n° 724) publicamos que haviam rumores de que um ministro vinha sofrendo represálias por ser acusado de assédio sexual. Por respeito e ética não divulgamos o nome.
Hoje, quase um mês depois, os rumores vieram à tona. O advogado José Gerardo Grossi ingressou ontem com uma queixa-crime no STF, representando Glória Maria Pádua Ribeiro Portella, filha do ministro do STJ Antônio de Pádua Ribeiro. Ela acusa outro ministro do tribunal, Paulo Geraldo Medina (foto), de 61 anos, de tê-la assediado pelo menos quatro vezes desde março deste ano. Na queixa-crime, Glória inclui como suas testemunhas três outros ministros do STJ: Eliana Calmon Alves, Nancy Andrighi e Francisco Falcão Neto. Os dois últimos já foram seus chefes.
Entenda o caso
"Eram olhares pouco usuais"
Glória, que é advogada e casada, começou a trabalhar como assistente de Medina em julho de 2001. De acordo com seu relato, que consta da queixa-crime, em fevereiro o ministro teria começado a ter "atitudes suspeitas".
"Eram olhares pouco usuais, palavras de duplo sentido, insinuações", diz a representação. No mês seguinte, Medina teria tentado segurar suas mãos e teria pedido que o abraçasse.
Em abril, o ministro teria lhe pedido um beijo depois de observá-la, segundo a queixa-crime, com um "olhar enlouquecido". Glória teria respondido, segundo a representação apresentada à Justiça: "Ministro Medina, o senhor por acaso está me confundindo com as vagabundas das Minas Gerais? Porque o senhor, com esse tipo de conduta, está afrontando não somente à minha pessoa, mas à sua mulher, ao meu marido, aos seus e aos meus filhos e, ainda, aos meus pais".
Desta vez, depois da reação, Medina teria se desculpado e Glória, evitado ficar a sós com o chefe. Um mês depois, em outra ocasião, a advogada afirma que o ministro teria dito, em voz baixa, "que havia ficado excitado com os tapinhas que ela lhe dera nos ombros".
Glória disse ao seu advogado que os tapinhas teriam sido de consolo porque Medina lhe dissera estar sofrendo porque sua filha estava se separando.
O último caso citado na representação teria ocorrido no dia 24 de junho, quando o ministro, mais uma vez, teria pedido a Glória que o abraçasse. Depois disso, a advogada pediu licença médica.
Medina pode ter que depor
De acordo com o advogado José Gerardo Grossi, a queixa-crime permitirá que, a partir da abertura de um inquérito, sejam produzidas provas sobre o caso. Medina terá que ser chamado para depor.
Desde junho o assunto circula nos corredores do STJ. Há, inclusive, a informação de que Glória teria uma fita gravada com as insinuações de Medina. O advogado Grossi prefere desconversar.
- Se houvesse eu não diria - disse Grossi.
Há dois dias, procurado pelo GLOBO para falar sobre a denúncia de assédio, o ministro disse, por intermédio da assessoria do STJ, que não comentaria por não ter conhecimento do caso.
Ontem, O GLOBO voltou a tentar contato com o ministro. Até o fechamento desta edição a assessoria não havia conseguido localizá-lo.
Preocupados com a repercussão que o assunto poderia ter, o presidente do tribunal, Nilson Naves, e o vice-presidente, Edison Vidigal, tentaram fazer com que as duas partes chegassem a um acordo.
Depois da licença médica, Glória não voltou ao trabalho. Segundo informações do tribunal, ela foi exonerada. O pai da advogada, ministro Pádua Ribeiro, não quis comentar o assunto.
Ele afirmou que o caso diz respeito a sua filha e que, por isso, não iria comentá-lo.
Insubordinação: outra versão
Há outras versões para o episódio. Uma delas é de que Glória estaria acusando Medina por ter sido exonerada do cargo por insubordinação. Como é funcionária pública concursada, ela voltou a trabalhar novamente, desta vez no gabinete do ministro Francisco Falcão.
O advogado Grossi explicou que a queixa-crime foi protocolada no STF por ser o foro privilegiado de ministros do STJ. Na queixa-crime, Glória afirma que o ministro Paulo Medina cometeu crime de assédio sexual, incluído no Código Penal em 2001. A pena prevista é detenção de um a dois anos.
Fonte: Jornal O Globo (15/08/2003)
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Leia abaixo a queixa crime:
Exmo. Sr. Ministro Mauricio Corrêa DD. Presidente do Supremo Tribunal Federal
Glória Maria Guimarães de Pádua Ribeiro Portella, adiante
assinada, que, doravante se designará, tão-só, querelante, brasileira, casada, bacharela em direito, residente e domiciliada em Brasília, Distrito Federal, por advogado (doc. 1), oferece queixa-crime (CP, 225) contra Paulo Geraldo de Oliveira Medina, brasileiro, casado, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, domiciliado em Brasília, doravante designado querelado, pela prática dos fatos a seguir narrados.
1. A querelante é servidora do Quadro de Pessoal Permanente do Superior Tribunal de Justiça, matriculada sob o nº S034/791. No mês de julho de 2001, assumiu Função Comissionada de Assessora de Ministro, exercendo-a no gabinete do Ministro Paulo Geraldo de Oliveira Medina.
2. Exerceu-a com proficiência, crê a querelante. Tanto que, em 23.10.2002, ao fazer a avaliação de desempenho da querelante, no estágio probatório, o querelado atribuiu-lhe, em todos os quesitos, o conceito AC - acima do esperado - (doc. 2). Tanto que, ainda, em 09.06.2003, dirigiu-lhe pequeno bilhete no qual pediu à querelante ". a sua crítica - sempre sincera e construtiva - (que) é motivo de orgulho para mim" (doc. 3).
3. A partir de fevereiro do corrente ano, o querelado passou a ter, para com a querelante, atitudes estranhas, suspeitas, mas que ela, um pouco perplexa, não conseguiu, imediatamente, interpretar. Enfim, tratava-se de um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, de um homem muito mais velho que a querelante, casado, "amigo" de seu pai, em cuja casa era recebido com deferência e carinho. Eram olhares pouco usuais, palavras de sentido duplo, insinuações.
4. No mês de março de 2003, sem que a querelante modificasse, minimamente, o tratamento respeitoso que sempre dispensou ao querelado, este tentou segurar-lhe as mãos e pediu-lhe que o abraçasse. Naturalmente, a querelante não permitiu que suas mãos fossem seguradas e nem que o Ministro Paulo Medina a abraçasse. Perplexa, assustada, chocada, conseguiu a querelante dizer ao Ministro - tentando minimizar o episódio - a seguinte e literal frase: "Ministro Medina, não temos aqui nem tempo e nem motivo para apertos de mãos ou abraços. Vamos ao trabalho que é efetivamente o que nos deve interessar e interessa".
5. A querelante, como disse, é casada. É mãe de dois filhos. Vive perfeitamente bem com o seu marido, a quem dedica amor e respeito. Acreditava estar trabalhando no gabinete de um Ministro amigo de seu pai, além de ser seu companheiro de Tribunal. Parece desnecessário dizer da angústia e do sofrimento que o episódio lhe causou.
6. Foi inútil, no entanto, a reação firme da querelante. No final do mês de março ou princípio do mês de abril, mais uma vez viu-se ela, a sós com o querelado, em recinto de seu gabinete. Levava ela ao Ministro, para despacho ou assinatura, processos que havia preparado.
7. O querelado, fitou a querelante com um olhar enlouquecido, anômalo, totalmente diferente do que ostentava normalmente e, de forma ousada, pediu à querelante que lhe desse um beijo.
8. Desta feita, a reação da querelante foi mais enérgica, já vencido o natural temor reverencial que uma jovem assessora tem para com o Ministro a quem presta assessoria. E a querelante disse ao Ministro Paulo Medina palavras que se podem traduzir na seguinte frase: "Ministro Medina, por acaso o senhor está me confundindo com as vagabundas das Minas Gerais? Porque o senhor, com este tipo de conduta, está afrontando não somente a minha pessoa, mas à sua mulher, ao meu marido, aos seus filhos e aos meus filhos, e, ainda, aos meus pais, que muito lutaram para que seu nome fosse incluído na lista tríplice do Tribunal para a nomeação ao cargo de Ministro".
9. Nesta oportunidade, o querelado se desculpou. A querelante - angustiada e sofrida - passou a evitar a companhia do Ministro Paulo Medina; principalmente, passou a evitar estar a sós com ele. Pareceu à querelante - que, até então, só falava de tais fatos com uma amiga, bem mais velha e experiente - que as relações entre ela e o Ministro Paulo Medina poderiam voltar a ser respeitosas e puramente funcionais.
10. No mês de maio, mais de uma vez, a querelante se viu a sós com o querelado, fato inevitável para quem presta assessoria a um ministro de tribunal. E, nesta oportunidade, em voz baixa, o querelado disse à querelante que havia ficado excitado com os "tapinhas" que esta lhe dera nos ombros. Referia-se, ele, a um episódio ocorrido poucos dias antes: o querelado recebera um telefonema e falara, longamente, com seu interlocutor. Terminado o telefonema, com os olhos cheios de lágrimas, o querelado disse à querelante que sua filha estava se separando e que isto lhe causava sofrimento. Foi quando a querelante deu-lhe, amigavelmente, dois ou três tapinhas no ombro, dizendo-lhe que as coisas haveriam de se acalmar.
11. A querelante, mais uma vez perplexa, preferiu fingir não ter ouvido o que ouvira do querelado. Dizendo a ele que o coral do tribunal, que ensaiava em sala próxima, não lhe permitira ouvir a frase dita, pediu ao querelado que a repetisse. Mas, o Ministro Paulo Medina não a repetiu.
12. Natural que a querelante, vivendo este verdadeiro inferno, tentando poupar seu marido e seus pais, sem saber, ao certo, se devia ou não tomar providências legais - enfim, era vítima de um crime (CP, art. 216-A) - acabasse por ter a saúde abalada. E a teve. Buscou amparo médico, que lhe foi dado com indicação de tratamento e recomendação de que se afastasse do trabalho pelo prazo de um mês. O atestado médico, indicando o afastamento, está datado de 24.06.2003 (doc. 4).
13. Neste mesmo dia - 24.06 - mais uma vez o Ministro Paulo Medina assediou a querelante. Vendo-se a sós com ela - o que é, repita-se, inevitável em um gabinete - pediu-lhe que o abraçasse. A querelante, desta feita, venceu, por inteiro, o temor reverencial e, com a rispidez recomendável, disse ao Ministro Paulo Medina: "O senhor tenha vergonha e coloque-se no seu lugar".
14. Os fatos narrados constituem o crime previsto no art. 216-A, do Código Penal, nele introduzido pela Lei nº 10.224, de 15.05.2001. Por isto, a querelante oferece contra o querelado a presente queixa-crime, pedindo que, autuada como inquérito, seja regularmente processada e, afinal, julgada procedente, citando antes o querelado.
15. Indica para serem ouvidas as seguintes testemunhas:
- Eliana Calmon Alves, brasileira, divorciada, Ministra do STJ, residente na xxx, bloco xx, apartamento xxx, Brasília, DF;
- Fátima Nancy Andrighi, brasileira, solteira, Ministra do STJ, residente na xxx xx, bloco xx, apartamento xx, Brasília, DF;
- Francisco Cândido de Melo Falcão Neto, brasileiro, separado, Ministro do STJ, residente na xxx, bloco xx, apartamento xx, Brasília, DF;
- Bonfim Abrahão Tobias, brasileiro, casado, médico, residente na xx QI xx, conjunto xx, casa xx, Brasília, DF;
- Maria Zita Leite de Souza, brasileira, casada, servidora pública federal, residente na xx, lote xx, apartamento xxx, Ed. xxx, Taguatinga, DF e;
- Ívis Glória Lopes Guimarães de Pádua Ribeiro, brasileira, casada, servidora pública federal, aposentada, residente na xxx Q xx, conjunto xx, casa xx, Brasília, DF.
P. Deferimento.
Brasília, 14 de agosto de 2003.
José Gerardo Grossi
OAB-DF N.º 586
Gloria Maria Guimarães De Pádua Ribeiro Portella
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