STJ decidirá se é possível penhorar único imóvel de família quando de alto padrão
Processo que trata do tema é relatado pelo ministro Salomão e está na 4ª turma.
Da Redação
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
Atualizado às 17:18
O STJ analisa processo que trata da penhora de um imóvel considerado de luxo, única residência da família, para pagamento de credor. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, propôs uma releitura da jurisprudência acerca da questão.
Até o momento, não há precedentes na Corte; ao contrário, a regra tem sido pela literalidade da lei 8.009/90, que prevê a impenhorabilidade do bem de família. "Nós vamos no automático", lembrou Salomão.
Em voto inédito, S. Exa. sugere que, em situações específicas, a partir da ponderação do juiz, ele poderá determinar a penhora, considerando que o percentual a ser retirado para pagar o credor não impede que a sobra leve à aquisição de outro imóvel de padrão semelhante. O relator ressaltou que não se trata de uma guinada na jurisprudência, mas uma adequação à realidade contemporânea.
No caso, tanto sentença quanto acórdão não acolheram o pedido da Associação credora para penhora do bem, um apartamento que, à época da propositura da ação, foi avaliado entre R$ 500 mil e R$ 1,2 mi.
Nova interpretação
"É chegado o momento de interpretação mais atualizada e consentânea com a sociedade brasileira." Assim o ministro Salomão começou a leitura do voto na tarde desta quinta-feira, 1º/9, na 4ª turma da Corte.
Fazendo um retrospecto da lei 8.009 e toda a legislação de regência da matéria, o relator ressaltou que no CPC/73, em seu artigo 649, ao prever a impenhorabilidade de alguns bens, fez clara opção à teoria do patrimônio mínimo (princípio do ministro do STF Edson Fachin - veja entrevista sobre o tema).
Salomão lembrou o fato do legislador não ter conseguido destacar da previsão casos de elevado valor, que sofreu veto presidencial. No veto, lembrou Salomão, a presidência disse que o debate sobre o dispositivo era interessante e razoável. "Apesar do reconhecimento da razoabilidade, sob o fundamento da tradição, retirou-se o parágrafo para manter a impenhorabilidade do bem de família."
Também no projeto do novo CPC foi apresentada emenda com proposta muito semelhante (nº 358), que limitava a impenhorabilidade a imóveis de até mil salários mínimos.
"Nas palavras de Fred Didier, tecnicamente não há impedimentos, o problema é político. De fato, a proteção dispensada ao devedor por meio da impenhorabilidade do bem de família, orienta-se pela garantia do mínimo existencial, de patrimônio suficiente para vida digna, e não para o excesso."
Dignidade do credor
Feitas tais ponderações, Salomão afirmou que, numa reflexão avançada da dignidade humana, seria impossível não se preocupar também com a dignidade do credor.
"Levando em conta os princípios constitucionais, para proteção do devedor, outros podem ser destacados, como a garantia à ordem jurídica justa e efetiva. É fácil perceber que a negativa de penhora de imóvel de alto valor com base na lei que prevê a impenhorabilidade de bem de família ofende o princípio da razoabilidade."
No entender do ministro, o patrimônio que excede o necessário à vida com dignidade, em detrimento do direito do credor, frustra o credor diante do inadimplemento, muitas vezes comprometido em sua dignidade pela falta de pagamento.
"O princípio da isonomia se vê afrontado por situação que privilegia determinado sujeito sem a corresponde razão que justifica esse privilégio. A questão exige muito mais que a simples interpretação literal da norma legal."
De acordo com o relator, a proposta do voto não pretende a mudança irresponsável do ordenamento, mas a reafirmação dos vetores e a convivência harmônica dos diferentes princípios.
"A proposta é de afastamento da absoluta impenhorabilidade, e da possibilidade de ser afastada diante do caso concreto e da ponderação dos direitos em jogo. Não a imposição de nova sistemática."
E, seguindo tal raciocínio, considerando-se que o valor do crédito representaria cerca de um quinto do valor do imóvel, Salomão considerou que na hipótese é certo que o padrão de vida do devedor muito provavelmente sequer será alterado, não se sustentando assim a impenhorabilidade do imóvel.
"Se o objetivo da lei é garantir a dignidade humana e direito à moradia, acaso deferida, os bens jurídicos manterão incólumes. Ela continua morando em local com dignidade, superior à média."
Dessa forma, votou pelo provimento ao recurso para autorizar a penhora, resguardado o percentual do imóvel, para satisfação da dívida, garantido o restante ao devedor.
Preocupações
Primeiro a se manifestar após o voto do relator, o ministro Raul Araújo sustentou que a legislação já traz em si todas as exceções que entendeu razoáveis à regra da impenhorabilidade do bem de família.
"O fato de um imóvel ser de maior valor muitas vezes abriga família de empresário malsucedido, que arriscou seus capitais, não logrou êxito, num país de economia tão instável quanto o nosso, e o que restou foi bem de valor significativo. É uma pecha e uma pena que fica para sempre na sua vida."
Ponderou Raul que ao relativizar a aplicação da lei de impenhorabilidade do bem de família, que condiz com a legislação posta, "vamos estar lançando enormes inseguranças sobre as famílias brasileiras". Preocupa o ministro o fato de que o devedor pode ter outros credores e, a cada vez, um deles levaria uma parte do imóvel, reduzindo o patrimônio consideravelmente.
"Penso que estaremos dando um passo muito perigoso em direção ao abismo. Estaremos incentivando inúmeros demandas em torno da impenhorabilidade do bem de família se tivermos caso a caso analisando o que é um bem suntuoso."
Após, falou o ministro Antonio Carlos Ferreira, que também levantou preocupações, inclusive com relação a dificuldades na aplicação do entendimento do ministro Salomão.
Por sua vez, a ministra Isabel Gallotti avaliou que uma eventual mitigação por parte da Corte da impenhorabilidade teria que ter a fixação, "não do valor da dívida em execução, e sim o valor mínimo necessário à garantia da subsistência da pessoa."
"Por exemplo, num imóvel que valesse 1.700 salários, mil salários reverteriam ao devedor com cláusula de impenhorabilidade".
O ministro Marco Buzzi pediu vista dos autos, prometendo que ponderaria sobre as preocupações dos ministros Raul e Antonio Carlos, bem como analisaria a proposta da ministra Gallotti.
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Processo relacionado: REsp 1.351.571