Ministro Marco Aurélio: "O papel do Direito nos desafios globais"
Veja a íntegra do discurso do ministro em evento em Portugal.
Da Redação
terça-feira, 5 de julho de 2016
Atualizado em 4 de julho de 2016 15:23
Acontece nesta terça-feira, 5, na Universidade de Coimbra, a 23ª edição do Seminário de Verão, que conta com a presença do ministro Marco Aurélio Mello, do STF. No evento, estão presentes também o jurista português J. J. Canotilho e o ministro do STF Teori Zavascki.
O ministro Marco Aurélio proferiu discurso intitulado "O papel do Direito nos desafios globais", que trata da evolução do Direito para atender à sociedade digital.
Relacionando os graves conflitos da contemporaneidade, das crises econômicas e políticas às crises humanitárias, passando, é claro, pelo paradoxo representado pelos ataques ao livre debate na Era Digital, Marco Aurélio propõe a reflexão:
"Em que o Direito pode contribuir para minimizar os impactos desses desafios globais, em especial os ataques aos direitos humanos decorrentes da intolerância étnico-religiosa de toda espécie ?".
Com a ciência e consciência que lhe são notórias, logo completa:
"Qualquer conclusão deve passar pela instrumentalidade do Direito, presentes os direitos humanos."
Confira um trecho do discurso do ministro Marco Aurélio:
Confira trecho do discurso do jurista português J. J. Canotilho:
Confira um trecho do discurso do ministro Teori Zavascki:
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Veja abaixo a íntegra do discurso do ministro Marco Aurélio.
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O papel do Direito nos desafios globais
Marco Aurélio Mello1
Devo expressar, em primeiro lugar, a honra de voltar à Universidade de Coimbra, uma das mais tradicionais do mundo e a mais antiga de Portugal, declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO. Com mais de sete séculos de existência, a Universidade formou alunos notáveis - posteriormente poetas, literários, políticos e presidentes da República, como Luís de Camões, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega, Bernardino Machado, António José de Almeida, Manuel Teixeira Gomes, Eça de Queiroz, António Luís Gomes, António de Oliveira Salazar. E brasileiros como José Bonifácio, Gregório de Matos, Gonçalves Dias, Cláudio Manuel da Costa.
É celeiro de grandes juristas: Manuel de Andrade, Luís Cabral de Moncada, António Castanheira Neves, Carlos Alberto da Mota Pinto, Jorge de Figueiredo Dias, António de Almeida Santos e o estimado doutor, de tantos outros doutores, José Joaquim Gomes Canotilho.
Em segundo lugar, devo prestar homenagem ao Professor Doutor Manuel Carlos Lopes Porto, Presidente da Associação de Estudos Europeus da Universidade de Coimbra, responsável, em Portugal, pela organização deste evento tradicional, o Seminário de Verão da Universidade de Coimbra, já na vigésima terceira edição, o que certifica o sucesso. Professor Catedrático e ex-Presidente do Conselho Diretivo da Faculdade de Direito, o Dr. Manuel Porto vem desenvolvendo estudos notáveis, no campo das políticas comunitárias.
A integração é disciplina com a qual o Professor Manuel Porto tem se preocupado, ajudando a compreender a relação entre Estados soberanos que decidem formar comunidades para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais interconectado, mas também cada vez mais problematizado, presente a tensão entre as necessidades de fortalecer um Estado mais global e a ideia tradicional de soberania estatal. O legado do Professor Manuel Porto e os Seminários de Verão versam essas dificuldades e nos oferecem oportunidade de avaliações e críticas produtivas.
As questões globais de nosso tempo são muitas. Como habitualmente lembro: vivemos tempos estranhos, e difíceis.
O constitucionalismo liberal, a democracia e a liberdade de mercado saíram vitoriosos no fim do século XX. Neste século, contudo, tem-se assistido a crises econômicas e financeiras em cadeia. Em boa parte do mundo, a alta da dívida pública e a incapacidade de autofinanciamento por empresas revelam período de baixo crescimento, quase a estagnação do sistema capitalista contemporâneo.
O aumento das desigualdades sociais e a impossibilidade de os Estados atenderem às demandas da população excluída de bens essenciais têm ocasionado crises sociais sérias. A capacidade de os governos manterem a ordem vem sendo desafiada. Eclodem distúrbios de larga escala, mesmo em democracias consolidadas.
Conflitos étnicos e religiosos locais podem produzir embates globais. Na África, no Oriente Médio, entre a Rússia e os antigos membros da República Soviética, entre as Coreias, o número cada vez maior de conflitos coloca em dúvida até mesmo a capacidade institucional de organismos como a Organização das Nações Unidas.
A superpopulação mundial mostra-se preocupação maior, na medida em que leva à escassez de alimentos e energia e faz crescer o risco de pandemias incontroláveis. A água, que geralmente supomos abundante, é um bem exíguo para parte significativa da população, e o problema tende a agravar-se. O planeta já não parece dar conta de todos os habitantes, e isso torna mais difícil a meta de crescimento sustentável. As consequências negativas manifestam-se em múltiplos planos: falência dos sistemas de previdência, gerando desamparo em fase difícil da vida; escalada do desemprego, envolvendo principalmente os jovens; aquecimento global, sendo as mudanças climáticas extremas sentidas por todos.
Ao lado dessas adversidades contemporâneas, surge aspecto bastante positivo - o acesso das pessoas às informações. Vivenciamos a Era da Informação, que é também a Era Digital. A quadra atual caracteriza-se pelo conhecimento dinâmico e tecnológico, por desafios próprios à modernidade, pelas alterações cada vez mais rápidas e profundas decorrentes do avanço da tecnologia. Convivemos com velocidade e transparência de informações nunca experimentadas. A publicidade dos fatos, sempre bem-vinda do ponto de vista normativo, tornou-se inevitável.
Com a chegada da internet às residências, revelaram-se novos cenários sociais, educacionais e comerciais. A proteção à liberdade de expressão, o acesso às informações e a promoção da cultura e da educação passaram por transformações significativas. A informática revolucionou os meios de ensino e de difusão da cultura e do pensamento. As pessoas nunca mais se comunicaram, buscaram conhecimento e informações ou realizaram transações comerciais como antes. Sob as ópticas quantitativa e qualitativa, tem havido, no século XXI, maior expansão desses fenômenos.
Como consequência direta, mudam a sociedade, os comportamentos humanos e as instituições. O Direito, nos mais variados ramos, é influenciado por essa realidade, à qual deve se ajustar e, a um só tempo, conformá-la. A relação é de reciprocidade, ainda que assimétrica, a depender da matéria e dos valores em jogo. Nesse sentido, impõe-se refletir sobre a evolução do Direito para atender à sociedade digital.
Toda essa revolução chegou à política. Os processos eleitorais sofrem forte impacto dos recentes paradigmas comunicacionais. As redes sociais são importante meio de interação entre os eleitores e entre estes e os candidatos, modificando, em boa medida, o perfil das eleições. As oportunidades de crítica aos governantes, elemento fundamental de qualquer democracia real, foram ampliadas com os blogues e as redes sociais digitais. Hoje a política deve dialogar com o que se convencionou chamar de "novas mídias".
Fala-se em "democracia digital". Sem dúvida, a inovação nesse campo tornou a comunicação mais democrática, ou seja, mais pessoas passaram a ter voz e a ser ouvidas. A internet é uma nova Ágora Ateniense. O jornalismo foi transformado, e, correlatamente, o consumo das informações nunca antes se mostrou tão intenso, abrangente e veloz. Entre os artigos de maior circulação comunicacional, encontram-se os fatos políticos. Com a "sociedade digital", a classe política está sob grande vigília e nem sempre reage bem.
A transparência digital envolve dois aspectos: o da gestão de governo e o atinente aos meios digitais de transmissão de informações e de comunicação. No que se refere ao controle social dos atos de gestão como forma de participação cidadã, importa o quanto a tecnologia favorece a maior transparência. Relevante é analisar como os governos têm usado as novas ferramentas tecnológicas, sobretudo a internet, para tornar mais transparentes e acessíveis as informações sobre a coisa pública, de forma a aumentar a participação, a pressão e o controle popular, contribuindo para o desenvolvimento do país.
As novas tecnologias proporcionam facilidades que reduzem custos naturais do engajamento político das pessoas. Esses mecanismos possuem vantagens de tempo e espaço, derrubando limitações no tocante à comunicação e ao acesso às informações. Permitem a transmissão de quantidade maior de dados. Oferecem comodidade e interatividade aos destinatários. Com isso, são reduzidas as barreiras para que os cidadãos envolvam-se no debate público, que é a essência da democracia.
Para um democrata convicto, a revolução digital é algo a comemorar: acredito na força epistêmica da democracia, na certeza de que decisões melhores são tomadas na medida em que todos possam se informar e tenham participação, ainda que de forma indireta. Uma sociedade bem informada, que convive com a publicidade dos fatos, é mais democrática e, consequentemente, mais livre.
Ao lado da Era Digital, o mundo globalizado enfrenta outra característica contemporânea que representa o maior desafio atual à democracia: vive-se a Era da Intolerância, com ataques crescentes ao livre debate. O paradoxo é evidente e inadmissível. Como apontou recente reportagem do Jornal The Economist, entidades de monitoramento noticiam "que é cada vez mais perigoso emitir opiniões em público". Apesar de a Era Digital ampliar as oportunidades para as pessoas dizerem o que pensam, aumentam as limitações para que possam fazê-lo.
Ameaças crescentes ao livre debate vêm de radicais. Há pouco, por exemplo, parlamentar britânica foi assassinada, ao que tudo indica, por ser favorável à permanência do Reino Unido na União Europeia. Grupos armados religiosos se disseminam. Os mais destacados são os jihadistas. Têm sido comuns assassinatos de escritores, artistas e jornalistas laicos que se manifestam em sentido contrário ou ofensivo ao islã. O caso mais conhecido é o do ataque, na França, aos cartunistas do Jornal Charlie Hebdo.
Um dos agentes de restrições é o próprio Estado. Na Rússia, o controle estatal sobre os meios de comunicação é intenso; na China, o partido comunista exerce forte censura sobre as redes sociais; no Oriente Médio, apesar da Primavera Árabe, em países como Síria, Líbia e Egito, impera a intransigência com opiniões antagônicas aos interesses dos governos. Em alguns países, caminha-se para a institucionalização da intolerância, mediante a edição de norma jurídica que criminaliza "insultos" contra religiões e políticas de Estado.
Críticas aos governos e discursos de liberdade e independência são, não raramente, punidos com prisão.
Postura contrária à liberdade irrestrita de manifestação é adotada até por aqueles de esquerda em defesa de políticas de reconhecimento, opondo-se a discursos que podem parecer discriminatórios em relação a grupos minoritários. O ataque a discursos agressivos e por vezes infames é também afronta à liberdade de expressão, ainda que embasada em razões bem diversas em comparação à intolerância religiosa de grupos extremistas.
A revolução digital transformou a informação no bem mais precioso das relações sociais, mas renovou e acirrou a tradicional tentação de monitorar o que as pessoas sabem e podem saber. Os motivos alegados para a censura são os mais variados, da proteção à privacidade de indivíduos que se dizem ofendidos à preservação de supostos interesses públicos. Mas a pergunta é a mesma de sempre: quem controlará os controladores?
Cercear a livre circulação de ideias é o primeiro passo para se eternizar regimes autoritários. Há de se apostar na capacidade da democracia: a troca de ideias constante, sem dogmas e limitações pré-determinadas, produz melhores resultados. Isso passa por uma imprensa livre e uma sociedade consciente de que democracia não se harmoniza com "velhas opiniões formadas sobre tudo", como dizia Raul Seixas, que, como os brasileiros sabem, é um compositor-cantor.
Democracia e liberdade não combinam com tabus: a liberdade de expressão há de alcançar o direito de falar, até mesmo, coisas estúpidas e com as quais a maioria não concorda, inclusive o governo. É preciso respeitar pensamentos diferentes dos nossos. Intolerância à opinião alheia e discordante vinda do Estado, de extremistas ou mesmo dos que se intitulam progressistas é sempre intolerância: a diferença é de espécie, e pode ser de grau, mas não de gênero.
Não se está a pregar a tolerância com os intolerantes, que abandonaram as balizas da disputa institucional, ou seja, com aqueles que defendem o emprego da violência contra os que demonstram opiniões e posições contrárias no campo religioso, econômico, político ou cultural. Os intolerantes pretendem valer-se da tolerância justamente para eliminá-la, o que é inadmissível.
A Era acarreta outro desafio: a violência contra a identidade e a cultura dos povos.
Organizações criminosas fundamentalistas como o Talibã, a Al-Qaeda e o Estado Islâmico impõem o terror e ameaçam a liberdade. Em nome de Maomé e das palavras do Alcorão, segundo interpretação própria, esses grupos voltam-se contra todos e quaisquer costumes e crenças que lhes pareçam ofensivas. Promovem violência religiosa e a mais absoluta aversão aos que não partilham das crenças fundamentalistas.
As ações representam a negação dos direitos humanos. Assassinatos e execuções de militares e civis, tortura para conversão das pessoas ao islamismo, sequestro, violência sexual contra mulheres e doutrinação de crianças são exemplos de crimes praticados. Ataques terroristas contra o Ocidente e países do Oriente fazem parte do arsenal de crimes de guerra. Não apenas a comunidade cristã ocidental é alvo dos radicais fundamentalistas, mas também muçulmanos xiitas e assírios são perseguidos e mortos no âmbito de verdadeira limpeza étnica.
Mais recentemente, o mundo tem assistido, atônito, ao Estado Islâmico destruir o patrimônio cultural de países do Oriente Médio, especialmente o Iraque, vindo a batizar essas medidas de "limpeza cultural". O objetivo dos fundamentalistas é apagar a identidade dos povos, da cultura dessas nações. É algo que vai além da intolerância religiosa, alcançando a própria memória cultural dos acusados de "infidelidade". Segundo afirmam os líderes do grupo, as estátuas destruídas representavam insulto ao islamismo. Não obstante, as ações incluem o contrabando desses artefatos na Europa, para financiamento das práticas terroristas, o que requer maior fiscalização sobre a aquisição das obras.
A intolerância dirige-se contra o Patrimônio da Humanidade.
Edifícios e sítios arqueológicos foram alcançados, negando-se ao homem o direito de conhecer as origens. Manuscritos são destruídos, a lembrar a queima, pelos nazistas, de livros de autores que se apresentavam contrários aos ideais nacionalistas de Hitler ou que, por qualquer razão, eram considerados inconvenientes. Ruínas e cidades antigas têm sido apagadas da memória, a exigir providências imediatas contra a escalada de "limpeza cultural".
Ataques violentos promovem a perda da identidade cultural dos povos de outra forma também: os contextos de violência obrigam as pessoas a saírem dos territórios de origem, a abandonar práticas e culturas próprias, provocando uma das maiores crises humanitárias de todos os tempos.
De acordo com o relatório "Tendências Globais" da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), divulgado em 20 de junho de 2016, o deslocamento forçado alcançou recorde global, atingindo 65,3 milhões de pessoas. Ou seja, 1 em cada 113 pessoas no mundo é solicitante de refúgio, deslocado interno ou refugiado. Isso significa que, a cada minuto, 24 pessoas veem-se forçadas a abandonar seus lares. O número dos que são compelidos a se deslocar em razão de conflitos supera a população do Reino Unido, da França ou da Itália. Se indivíduos tentando fugir de guerras e perseguições étnico-religiosas compusessem um Estado, ocupariam, em termos de população mundial, a 21a posição.
Desse total de pessoas, 40,8 milhões deixaram suas casas, mas continuam dentro das fronteiras do respectivo país, 21,3 milhões são refugiados ao redor do mundo e 3,2 milhões aguardam resposta à solicitação de refúgio.
No decorrer de 2015, o país com o maior número de deslocados internos foi o Iêmen - 2,5 milhões de indivíduos em apenas um ano, o que corresponde a quase 10% da população, sendo muitos deles crianças. Considerado o total de deslocamentos internos, a Colômbia é o país com o triste recorde - são 6,9 milhões de deslocados, sendo que 113.700 no ano de 2015. As pessoas migram dentro do território, obrigadas a abandonar lares e atividades econômicas, porque as ações violentas de grupos como as FARC ameaçam suas vidas, a integridade física das famílias, não havendo segurança ou liberdade.
Ante a circunstância de a sociedade civil e as autoridades públicas colombianas terem, por muitos anos, ignorado as condições às quais se submetiam esses cidadãos durante e depois dos deslocamentos, a Corte Constitucional daquele país assentou a vigência de um Estado de Coisas Inconstitucional e determinou medidas não só em favor dos que pleitearam tutelas, mas também daqueles que se encontravam em idêntica situação. Consistiram em determinar fossem desenvolvidas novas políticas públicas, leis e um marco regulatório eficiente para proteger os direitos dessas pessoas.
Preocupada com a eficácia da decisão, a Corte monitorou as providências adotadas pelo Governo: em dez anos, realizou vinte audiências públicas com a presença das autoridades envolvidas e dos setores interessados da sociedade civil, nas quais deliberou sobre a adequação, o andamento e o aperfeiçoamento das políticas públicas formuladas. Com isso, proferiu cerca de 290 decisões. Eis o Direito em ação!
As medidas, aliadas ao esforço das autoridades locais e de organismos internacionais, conduziram ao êxito esperado. Em 2015, cogitou-se da superação do Estado de Coisas Inconstitucional. Ao que tudo indica, caminha-se para o fim dos conflitos, com a assinatura recente, em Havana, de acordo de paz.
O deslocamento para além das fronteiras também possui cores fortes. É um dos maiores desafios sociais que a Europa enfrenta nos dias de hoje. Sem dúvida, está-se diante da maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial. Chegam aos países da Europa Ocidental centenas de milhares de refugiados, vindos, principalmente, da África e do Oriente Médio, com destaque aos oriundos da Guerra da Síria, onde o deslocamento interno é também intenso.
Essas pessoas fogem das guerras e dos conflitos gerados, notadamente, pela intolerância étnico-religiosa, buscando, de forma desesperada, a sobrevivência. Mostram-se absolutamente vulneráveis, tendo se tornado constantes os naufrágios de barcos superlotados de refugiados, principalmente no Mar Mediterrâneo, produzindo cenas de crianças afogadas a chocarem todo o mundo. A recepção dos imigrantes por parte da população local relaciona-se à economia. Se a economia prospera, com a geração de emprego, os imigrantes inserem-se no mercado de trabalho e conseguem mais facilmente superar as dificuldades, inclusive culturais. Se o crescimento econômico não vai bem, são vistos como concorrentes, como ameaças em potencial, exacerbando-se os pontos de atrito provenientes das diferenças culturais. Os desafios migratórios, da inclusão, do controle de fronteiras conectam-se, assim, aos desafios econômicos, climáticos, laborais, da segurança e da democracia fiscal.
E em que o Direito pode contribuir para minimizar os impactos desses desafios globais, em especial os ataques aos direitos humanos decorrentes da intolerância étnico-religiosa de toda espécie?
Respostas, tenho certeza, serão oferecidas pelos ilustres conferencistas e palestrantes deste 23º Seminário de Verão da Universidade de Coimbra. Estou certo de que a excelência das exposições provocará reflexões acerca dos impasses e as iniciativas que os Estados, sem perderem os traços essenciais de soberania, poderão adotar na solução dos grandes problemas humanitários e ameaças às liberdades de nosso tempo.
Qualquer conclusão deve passar pela instrumentalidade do Direito, presentes os direitos humanos. No campo do reforço das garantias e da sempre afirmação da fundamentalidade de posições, normas jurídicas internas e internacionais devem servir como meios flexíveis e eficientes para que Estados dialoguem e cooperem entre si, sobre base solidária, em torno dos interesses comuns de liberdade democrática, bem-estar e paz social. Que as melhores soluções sejam encontradas por meio de amplo debate e tendo como fim os direitos humanos.
Congratulo todos os presentes, os organizadores e painelistas na pessoa do incansável Professor Manuel Carlos Lopes Porto, as entidades coordenadoras e patrocinadoras, em especial o Instituto de Pesquisa e Estudos Jurídicos Avançados - IPEJA e a Fundação Getúlio Vargas, responsáveis, também, pela organização do Seminário de Verão da Universidade de Coimbra, que tanto contribui para pensarmos e construirmos um mundo melhor, mais livre, justo e solidário. Que, oxalá, assim o seja. Que cada qual, em vez de simplesmente criticar, faça a sua parte. Amém e muito obrigado pela atenção que tiveram em me ouvir.
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1 Ministro do STF - Presidente (maio de 2001 a maio de 2003) e do TSE (junho de 1996 a junho de 1997, maio de 2006 a maio de 2008, novembro de 2013 a maio de 2014). Exerceu o cargo de Presidente da República do Brasil, em substituição do titular, de maio a setembro de 2002, em cinco períodos intercalados, sancionando a lei de criação da TV Justiça.