Alienação fiduciária de veículo não precisa ser registrada em cartório
Decisão do STF se deu durante julgamento conjunto do RExt 611.639 e das ADIns 4.227 e 4.333
Da Redação
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
Atualizado às 18:21
O plenário do STF reconheceu não ser obrigatória a realização de registro público dos contratos de alienação fiduciária em garantia de veículos automotores pelas serventias extrajudiciais de registro de títulos e documentos
A decisão se deu durante julgamento conjunto do RExt 611.639 e das ADIns 4.227 e 4.333. Após quase duas horas e meia de sustentações orais, 10 ao todo, os ministros decidiram, por unanimidade, acompanhar o relator dos processos, ministro Marco Aurélio. O ministro Roberto Barroso não votou por estar impedido nos três processos. O ministro Dias Toffoli estava impedido na ADIn 4227 e o ministro Fux na ADIn 4333.
RExt 611639
Interposto pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento e pelo Detran/RJ, o RExt 611639, com repercussão geral, discute a constitucionalidade da parte final do parágrafo 1º do artigo 1.361 do CC/02. Essa parte do dispositivo determina que, em se tratando de veículos, a propriedade fiduciária constitui-se com o registro do contrato na repartição competente para o licenciamento, devendo-se fazer a anotação no certificado de registro de veículos.
ADIn 4227
O Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil ajuizou a ADIn 4227 contra parte da lei Federal 11.882/08. A lei é resultado de conversão da Medida Provisória 442, editada com o objetivo de autorizar o Banco Central a socorrer pequenos e médios bancos. Durante o trâmite no Congresso, foi incluído, no artigo 6º, parágrafos 1º e 2º, proibição aos Detrans de delegarem serviços de licenciamento de veículos, por convênio, aos oficiais dos cartórios de registros de títulos de documentos.
ADIn 4333
O Partido da República ajuizou a ADIn 4333 contra os artigos 1.361, parágrafo 1º, do CC, artigo 14, parágrafo 7º, da lei 11.795/08, e artigo 6º da lei 11.882/08. Para o partido, há violação à CF, uma vez que tais dispositivos estabelecem que leis ordinárias podem dispensar ou proibir a realização do registro público dos contratos de alienação fiduciária em garantia de veículos automotores pelas serventias extrajudiciais de registro de títulos e documentos.
Julgamento
O ministro Marco Aurélio não admitiu o pedido contido na ADIn 4227, em razão de deficiência na petição inicial, uma vez que não houve impugnação de todos os dispositivos relativos à matéria.
O relator deferiu parcialmente os pedidos formulados na ADIn 4333, assentando que os parágrafos 1º e 2º do artigo 6º da lei 11.882/08 não se aplicam aos convênios celebrados antes da publicação da norma, declarando a constitucionalidade do artigo 1.361, parágrafo 1º, segunda parte, do Código Civil, e do artigo 14, parágrafo 7º, da lei 11.795/08.
Por fim, o ministro Marco Aurélio deu provimento ao RExt 611639 para assentar a constitucionalidade do artigo 1.361, parágrafo 1º, segunda parte, do CC, reformando o acórdão recorrido quanto à desnecessidade do registro em cartório do contrato de alienação fiduciária de veículos.
Durante seu voto, Marco Aurélio ressaltou que, no caso, o simples pacto entre as partes "é perfeitamente existente, válido e eficaz" sem que seja necessário qualquer registro, "o qual constitui mera exigência de eficácia do título contra terceiros". Segundo ele, embora o exercício em caráter privado da atividade notarial e de registro esteja previsto no artigo 236, da CF, não há conceito constitucional fixo e estático de registro público. "Ao inverso, compete à lei ordinária a regulação das atividades registrais."
De acordo com o ministro, o legislador pode definir os atos jurídicos sujeitos a registro nas serventias extrajudiciais, em especial quando, após analisar o custo benefício, verifica-se que a transcrição do título não apresenta "segurança adicional suficiente ao ato para compensar a burocracia e os ônus impostos às partes sujeitas ao cumprimento da obrigação". Para ele, é evidente a necessidade de conferir publicidade ao contrato de alienação fiduciária em garantia de automóveis para que o ato tenha eficácia contra terceiros.
"Como no pacto a tradição é ficta e a posse do bem continua com o devedor, uma política pública adequada recomenda a criação de meios conducentes a alertar eventuais compradores sobre o real proprietário do bem, evitando fraudes, de um lado, e assegurando o direito de oposição da garantia contra todos, de outro."
Porém, o ministro afirmou que, de acordo com o legislador, a exigência de registro em serventia extrajudicial acarreta ônus e custos desnecessários ao consumidor, além de não conferir ao ato a publicidade adequada.
"Para o leigo, é mais fácil, intuitivo e célere verificar a existência de gravame no próprio certificado do veículo em vez de peregrinar por diferentes cartórios de títulos e documentos ou ir ao cartório de distribuição nos estados que contam com serviço integrado em busca de informações."
O ministro Marco Aurélio entendeu que o Congresso não age de maneira inconstitucional quando extingue o procedimento registral, "mesmo porque inerente à ideia de serviço público exercido em âmbito público ou privado está o oferecimento de alguma garantia ou comodidade material à coletividade".
O relator frisou que a transcrição do negócio nas serventias extrajudiciais não é a única forma autorizada pelas normas para conferir publicidade a atos jurídicos. Conforme ele, há diversas atividades análogas realizadas pelo poder público, a despeito do disposto no artigo 236 da Carta Federal, como é o caso do registro da propriedade industrial no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (lei 9.279/96), o registro centralizado de aeronaves (Código Brasileiro de Aeronáutica), entre outros.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio observou que nos processos se pretendeu retirar do legislador ordinário "qualquer liberdade para delimitação da atividade", fato que colocaria todos os cadastros de informações em banco de dados com acesso geral, sujeitos à disciplina do artigo 236 da CF, o que atingiria atividade realizada por outros entes privados, tais como o serviço de proteção ao crédito.
"Os limites da atividade registral das serventias extrajudiciais, exercida em caráter privado, não são previamente definidos na Constituição Federal", ressaltou o ministro.
De acordo com Marco Aurélio, "a imprecisão e o caráter indeterminado da atividade, que não decorre da natureza das coisas, conferem ao legislador maior liberdade para, obedecida a proporcionalidade e o conteúdo mínimo dos conceitos indeterminados, limitar-lhe a amplitude".
O relator considerou, ainda, que não houve ofensa ao princípio da separação dos poderes, "pois a atividade fiscalizatória desempenhada pelo Judiciário é restrita aos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais".