STF analisa se prática de vaquejada no Ceará é constitucional
No pano de fundo da questão está o conflito entre duas normas constitucionais: a proteção ao meio ambiente e a livre manifestação cultural.
Da Redação
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
Atualizado às 17:38
O STF iniciou nesta quarta-feira, 12, o julgamento de ADIn na qual a PGR pede a declaração de inconstitucionalidade de lei estadual do CE que regulamenta a prática da vaquejada no Estado. Após voto do relator, ministro Marco Aurélio, pela procedência da ação, e dos ministros Fachin e Gilmar Mendes pela improcedência, a análise foi suspensa por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
A vaquejada consiste em uma competição onde uma dupla de vaqueiros, montados em cavalos distintos, busca derrubar um touro, puxando-o pelo rabo, de forma a dominar o animal em uma área demarcada. A prática da vaquejada é considerada atividade esportiva e cultural fundada no Nordeste brasileiro. Entretanto, para a PGR depois que foi profissionalizada, passou a oferecer riscos aos animais, uma vez que os bovinos ficam enclausurados antes de serem lançados à pista, "momento em que são açoitados e instigados para que entrem agitados na arena quando da abertura do portão".
A PGR lembrou ainda que, em situações específicas em que houve embate entre as manifestações culturais e o meio ambiente, como em julgamentos de grande repercussão - briga de galo no RJ (ADIn 1856) e farra do boi em Santa Catarina (RExt 153531) -, a Corte entendeu que "o conflito de normas constitucionais se resolve em favor da preservação do meio ambiente quando as práticas e os esportes condenam animais a situações degradantes".
Votos
O ministro Marco Aurélio, ressaltou que no pano de fundo da questão está o conflito de duas normas constitucionais: a proteção ao meio ambiente e as manifestações culturais, de um lado o artigo 225, parágrafo primeiro, inciso sete, e do outro o artigo 215, ambos da CF. "Cumpre ao Supremo, tendo em conta princípios constitucionais, harmonizar esses conflitos inevitáveis."
"Quanto a se fazer presente essa via de mão dupla, não existe nem pode existir controvérsia. O dever geral de favorecer o meio ambiente é indisputável. A problemática reside em saber o nível de sacrifício que os indivíduos e a própria coletividade podem e devem suportar para tornar efetivo o direito."
Para ele, no caso em exame, comprovou-se inequívoco o maltrato contra os bovinos e a intolerável crueldade desenvolvida contra os animais, não permitindo assim a prevalência da manifestação cultural.
"Os precedentes apontam a óptica adotada pela Corte considerado o conflito entre normas de direitos fundamentais - mesmo presente manifestação cultural, verificada situação a implicar inequívoca crueldade contra animais, há de se interpretar, no âmbito da ponderação de direitos, normas e fatos de forma mais favorável à proteção ao meio ambiente, demostrando-se preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura."
Em seu voto, o ministro ressaltou que a PGR apresentou laudos técnicos dos prejuízos que a prática causa aos bovinos, como por exemplo descolamentos da articulação do rabo, fraturas, comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, "e posso supor sofrimento mental", e lembrou ainda que os cavalos usados na atividade também sofrem lesões com danos irreparáveis. "A atividade de perseguir animal em alta velocidade, puxá-lo pelo rabo e derrubá-lo, sem os quais não receberia o rotulo de vaquejada, configura maus tratos".
"Inexiste a mínima possibilidade de um boi não sofrer violência física e mental quando submetido a este tratamento, a par de questões morais relacionadas ao entretenimento as custas do sofrimento dos animais bem mais sérias se compradas as que envolvem experiências cientificas e médicas, a crueldade intrínseca, a vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988."
Próximo a votar, o ministro Edson Fachin abriu a divergência. Para ele, o caso precisa ser analisado sobre um olhar que alcance a advinda população rural, despindo-se de eventual visão unilateral de uma sociedade urbana. "Tal atividade constitui-se modo de criar, fazer e viver da população sertaneja."
"É preciso despir-se de eventual visão unilateral de uma sociedade eminentemente urbana com produção e acesso a outras manifestações culturais, para se alargar o olhar e alcançar essa outra realidade. Sendo a vaquejada manifestação cultural, encontra proteção expressa na Constituição. E não há razão para se proibir o evento e a competição, que reproduzem e avaliam tecnicamente atividade de captura própria de trabalho de vaqueiros e peões desenvolvidos na zona rural desse país. Ao contrário, tal atividade constitui-se modo de criar, fazer e viver da população sertaneja."
O ministro Gilmar Mendes, antecipando voto, também acompanhou a divergência.
Sustentações orais
Sustentando oralmente pela Associação Brasileira de Vaquejada - ABVAQ, amicus curiae, o advogado Kakay pontuou que a norma impugnada visa justamente regulamentar a vaquejada, impedir que haja abuso, objetivando a proteção aos animais. Segundo ele, a norma pretende evitar a vaquejada clandestina. "Se tirarmos essa lei do mundo jurídico, as vaquejadas continuarão e ai sim sem nenhuma regulamentação."
Também representando o amicus curiae, o advogado Vicente Martins Prata Braga ressaltou que o MPF não apontou qual dispositivo da lei violaria a CF.
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Processo relacionado: ADIn 4983
Veja a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio.