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Lei 13.129/15

Administração Pública tende a buscar arbitragem para questões complexas

Entra em vigor previsão expressa e genérica de uso do instituto pela Administração Pública direta e indireta.

Da Redação

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Atualizado às 08:40

A lei 13.129/15, que reforma a lei da arbitragem, está oficialmente em vigor. A proposta de reforma teve origem em texto de comissão de juristas presidida pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão.

Das alterações promovidas, ganha destaque a previsão expressa de utilização da arbitragem pela Administração Pública direta e indireta para dirimir conflitos patrimoniais. Ainda que o uso do instituto por entes públicos já seja uma realidade, a reforma da lei impõe novos desafios e demandas a todos que trabalham com o tema.

Acerca dessas questões, confira na íntegra os comentários de Carlos S. Forbes (presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá); Gustavo Justino de Oliveira (advogado da banca Justino de Oliveira Advogados); Joaquim de Paiva Muniz (advogado da banca Trench, Rossi e Watanabe Advogados); e

Marçal Justen Filho (advogado da banca Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados)

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Carlos S. Forbes (Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá)

Qual a possibilidade de redução considerável dos processos judiciais diante da previsão legal de utilização do instituto envolvendo entes públicos ?

Não obstante a bem-vinda revisão da lei de arbitragem, para expressamente incluir a possibilidade de arbitragem com a Administração Pública, o CAM/CCBC, haja vista ausência de qualquer impedimento, entendia como efetiva tal possibilidade. Tanto assim que editou a resolução 3, de 20/10/14, onde se estabeleceu enunciados para interpretação do respectivo regulamento quando da participação da Administração Pública em procedimento arbitral.

Importante dizer que a existência de arbitragens envolvendo entes públicos é uma realidade. Porém, é necessário entender que arbitragem não se presta a todo e qualquer litígio, mesmo aqueles envolvendo direito patrimonial disponível.

Como é de conhecimento de todos, o Poder Público é o maior usuário da Justiça. E, não só por questões fiscais, previdenciárias, etc., mas também pelo enorme papel desempenhado pelo Estado brasileiro nos mais variados setores da economia.

Questões menores (fornecimento de materiais, de serviços, locações, etc.) não deveriam buscar o procedimento arbitral para uma solução. O aparelhamento da Justiça, as alterações do Novo Código de Processo Civil e, principalmente, a coerência na administração de tais contratos deveriam ser suficientes para a diminuição de tais processos.

A arbitragem, por sua vez, está destinada a questões mais complexas, quando então se retirará do dia a dia do Judiciário litígios que levam uma enormidade de tempo para serem decididos e, nem sempre, com a melhor solução. Faltam ao juiz brasileiro tempo e especialização para conhecer e conseguir julgar as questões que o mundo globalizado e a necessidade de investimento em infraestrutura impõem.

Apesar da certeza do conhecimento jurídico do juiz brasileiro, testada e retestada em exaustivos concursos públicos, como imaginar tempo para examinar, por exemplo, um contrato de construção de milhares de páginas. Ou uma questão regulatória envolvendo concessão pública, onde há necessidade de revisão de todo um arcabouço jurídico, especialmente criado para aquela relação jurídica.

Assim sendo, não imagino uma redução considerável dos processos judiciais com a utilização da arbitragem. Acredito, sim, que as questões complexas e estratégicas na área de investimentos em infraestrutura serão enormemente beneficiadas pela, agora explícita, possibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública.

É possível supormos quais entidades públicas tendem a buscar mais a arbitragem ?

O setor de infraestrutura certamente será aquele que mais se beneficiará da arbitragem. Não só pela especialização dos árbitros nas questões submetidas, mas principalmente pela certeza que o particular verá eventual litígio examinado de forma mais rápida e definitiva.

Veja, por exemplo, um investidor internacional que deseje contratar com o Poder Púbico a construção e a exploração de uma usina hidrelétrica. O fato de se usar a arbitragem para dirimir eventual conflito, significará para tal investidor uma enorme redução no componente do preço que diz respeito ao risco de litígio, pois saberá, de antemão, existir um menor tempo e uma maior especialização para solução final da problemática. A possibilidade de usar árbitros especializados, que conhecem as questões de construção e de engenharia e as regras aplicáveis à questão, sempre influenciará positivamente.

O investidor não quer o litígio, mas sabe que, mais das vezes, será necessário enfrentá-lo. Para tanto, entre os diversos componentes que formam o preço a ser oferecido, inclui-se a possibilidade de sua ocorrência, o tempo e a chance de sucesso em sua solução rápida e eficaz. Com a arbitragem, tal componente é efetivamente reduzido.

A publicidade total prevista na reforma da lei vai de encontro ao princípio de confidencialidade e sigilo da arbitragem ?

O sigilo da arbitragem não está estampado na lei. Decorre da vontade das partes que, por aderir a um determinado regulamento de arbitragem ou assim estipular em contrato, usa dessa possibilidade para preservar seu melhor interesse.

Assim, a publicidade, que é inerente às coisas do Poder Público, não deverá acarretar qualquer problema na utilização da arbitragem. O particular sabe, desde o primeiro momento, que a publicidade é a regra do contrato e, por conseguinte, da eventual arbitragem.

O sigilo e a confidencialidade de uma relação jurídica estão intimamente ligados à necessidade de proteção de um segredo ou de uma estratégica comercial, da boa reputação das partes ou da preservação do interesse discutido. Aquele que não pode dispor de tal proteção não deve se aventurar em um contrato com a Administração Pública, onde a regra, como de conhecimento geral, é a publicidade.

Quais as particularidades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado ?

Como se pode ver da resolução 3 do CAM/CCBC, as peculiaridades são:

 Respeito ao regulamento da instituição, sem prejuízo da legislação específica sobre a arbitragem ou sobre a relação jurídica a ser discutida.

 Respeito a princípio constitucional da publicidade, salvo as informações sigilosas nos termos da legislação aplicável.

 A sede deverá ser sempre no Brasil e a língua portuguesa o idioma oficial.

 Possibilidade de estipular o particular como o responsável pelo pagamento inicial das custas e encargos da arbitragem, inclusive os relacionados aos honorários do árbitros.

 Permissão, desde que autorizado pelo Tribunal Arbitral, da participação de amicus curiae para prestar assistência aos árbitros para melhor solução da questão discutida na arbitragem.

 O Tribunal Arbitral deve ter atenção redobrada ao disciplinar o procedimento arbitral, sempre atento às especificidades de um litígio envolvendo a Administração Pública.

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Gustavo Justino de Oliveira (Justino de Oliveira Advogados)

Qual a possibilidade de redução considerável dos processos judiciais diante da previsão legal de utilização do instituto envolvendo entes públicos ?

A reforma da lei de arbitragem traz, no parágrafo 1º do artigo 1º, expressa previsão legal autorizando a sujeição da Administração Pública à arbitragem. Se antes havia certa oscilação na compreensão de que os entes públicos poderiam se valer da arbitragem como meio alterativo de solução de controvérsias, a partir de agora, sem dúvidas, esse cenário tende a ficar mais claro e favorável.

A previsão de uma cláusula arbitral, portanto, normalmente em edital e em contrato administrativo causa um impacto pontual dentro do universo de demandas envolvendo a Administração Pública. Parece-me, assim, que haverá uma clara seleção desses conflitos, os quais surgem no âmbito do contrato administrativo, envolvendo uma parcela muito específica da atuação do Estado, que é feita nas áreas de regulação e infraestrutura, as quais são o grande foco das arbitragens público-privadas.

É possível supormos quais entidades públicas tendem a buscar mais a arbitragem ?

Conforme dito anteriormente, os setores regulados mostram-se muito propícios à arbitragem, tendo em vista alguns fatores como modelagens financeiras complexas, investimentos de elevada monta, alta especialidade dos contratos administrativos presentes nas áreas de rodovias, ferrovias, aeroportos, energia elétrica, etc., de modo que, geralmente, esses conflitos são polarizados pelos particulares e o poder concedente.

Um bom exemplo disso é o decreto 8.465/2015, que regulamenta a arbitragem para dirimir conflitos no setor portuário e cujas peculiaridades dão conta de como poderá, no futuro, se desenhar a arbitragem perante outros setores regulados. Desse modo, a reforma da lei de arbitragem pode ser vista como um ponto de confluência para consolidar a arbitragem público-privada, em que normalmente figuram como partes entes da Administração Pública direta e indireta e o particular relacionado ao contrato administrativo.

A publicidade total prevista na reforma da lei vai de encontro ao princípio de confidencialidade e sigilo da arbitragem ?

Esse é um ponto que sempre esteve presente quando se pensa na arbitragem público-privada. É inegável que a Constituição Federal estabelece no artigo 37, caput, o princípio da publicidade dentre aqueles que orientam a Administração Pública. Por outro lado a confidencialidade é um traço típico da arbitragem, da qual surgem inúmeras vantagens, cuja principal fonte de previsão é conferida aos regulamentos das câmaras arbitrais.

Particularmente, não vejo problema algum em tentar compatibilizar o princípio da publicidade nesse tipo de arbitragem, até porque as principais vantagens decorrentes dessa forma de solução alternativa de conflitos com a Administração Pública geralmente são outros, como a celeridade na prestação jurisdicional e a especialidade técnica dos árbitros. Essa mesma harmonia de princípios deve ser aplicada igualmente a algumas outras modificações feitas em matéria de arbitragem, como com o novo Código de Processo Civil que prevê a tramitação em segredo de justiça daqueles processos que tenham por objeto a arbitragem. Nesse caso, sendo arbitragem público-privada, não vejo razão para que se estenda isso à Administração Pública.

Nesse sentido, embora a arbitragem tenha como característica a confidencialidade, tal qualidade não é absoluta. O princípio da publicidade pode ser respeitado por meio de adaptações aos procedimentos, como, por exemplo, com a disponibilização ao público das decisões no cartório da instituição arbitral ou com a realização de procedimentos abertos. Internacionalmente, alguns centros de arbitragem enfrentam a questão disponibilizando a opção de transmissão dos julgamentos via internet - como, por exemplo, o ICSID (International Centre for Settlement of Investment Disputes).

Quais as particularidades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado ?

Algumas delas já foram aqui mencionadas. Por conta da elevada complexidade dos contratos administrativos celebrados nas áreas de infraestrutura e regulação e dos diversos tipos de modelagem jurídica que podem ser apresentados para que o particular celebre esse contrato, a especialidade técnica dos árbitros surge como um ponto de destaque. Muitas vezes, os litígios surgidos durante e após a execução desses contratos administrativos ingressam em questões muito técnicas e que requerem o domínio da matéria. Quando isso é possível de ser feito pela escolha de um corpo de árbitros com reconhecido conhecimento técnico, a tendência de haver uma decisão de melhor qualidade existe.

Além disso, outros fatores são igualmente importantes, como o interesse do particular em se dispor a investir nas áreas de regulação e infraestrutura, a partir das vantagens econômicas advindas da possibilidade de utilização da arbitragem. Essas vantagens econômicas, a bem da verdade, não surgem somente para o particular, mas também para a Administração Pública, já que com uma maior segurança repassada àquele interessado em celebrar um contrato administrativo, toda a estruturação econômica dos investimentos pode ser repensada e riscos reestruturados, de modo que para ambas as partes se torne mais atrativo o vínculo contratual.

Essas são apenas algumas das vantagens, mas certamente das mais importantes.

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Joaquim de Paiva Muniz (Trench, Rossi e Watanabe Advogados)

Qual a possibilidade de redução considerável dos processos judiciais diante da previsão legal de utilização do instituto envolvendo entes públicos ?

Não acredito que haja uma redução grande da quantidade de processos com a maior adoção de arbitragem por entes públicos, pois o procedimento arbitral destina-se a questões mais sofisticadas, que envolvam montante mais elevado, de sorte a valer o custo-benefício de um processo mais caro tal como a via arbitral. A maior vantagem é qualitativa, não quantitativa: esses contratos mais sofisticados, especialmente aqueles de área econômica muito específica, estarão sujeitos a juízo extremamente especializado naquela área. Vejo que o maior ganhador desse processo é a própria sociedade, que terá decisões de maior qualidade.

É possível supormos quais entidades públicas tendem a buscar mais a arbitragem ?

A arbitragem envolvendo entes públicos já estava expressamente autorizada por diversas legislações específicas para áreas muito relevantes como petróleo e gás natural, telecomunicações, energia elétrica, portos e PPP's. A grande vantagem da autorização genérica que agora se inseriu reside na possibilidade de realizar arbitragem em toda e qualquer área.

Por um lado, vejo uma janela para se inserir cláusula arbitral em contratos de construção entre empreiteiras e a Administração Pública direta. Quase todos os contratos privados de construção contém cláusula compromissória e a tendência é que o fenômeno se repita em avenças com entes públicos.

Por outro lado, contratos de menor importância e valores mais baixos não deverão ser submetidos a arbitragem, diante da questão custo-benefício.

A publicidade total prevista na reforma da lei vai de encontro ao princípio de confidencialidade e sigilo da arbitragem ?

Há grande discussão se a confidencialidade seria um elemento intrínseco à arbitragem. De qualquer forma, a arbitragem se apresenta como um procedimento privado, em oposição ao processo judicial, em regra público. Entendo que o princípio da publicidade não deve ter o mesmo alcance na arbitragem que possui no processo privado. Nem tudo o que acontece na arbitragem deveria ser objeto de ampla divulgação. Por exemplo, deveria haver a possibilidade de informações sensíveis disponibilizadas pelas partes na arbitragem serem mantidas em sigilo, até mesmo para a proteção do Estado. E tenho minhas dúvidas se uma audiência de arbitragem poderia ser aberta para qualquer pessoa comparecer, sob o risco de haver uma "claque" política perturbando o bom andamento dos trabalhos.

Quais as particularidades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado ?

Além da questão da confidencialidade, há outras peculiaridades, tais como as custas (o Estado muitas vezes não tem dotação orçamentária para pagar) e a necessidade de prazos mais longos, pois a máquina estatal tem tempo de resposta muito mais lento do que entes privados.

Com relação às custas, fiquei preocupado com o péssimo precedente do decreto que regulamentou a arbitragem no setor portuário, que determina que a parte privada antecipa até mesmo o custo de perícia. Considero que haveria uma violação ao princípio da igualdade das partes se o ente privado for obrigado a arcar com custo de perícia solicitada somente pelo ente público.

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Marçal Justen Filho (Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados)

Qual a possibilidade de redução considerável dos processos judiciais diante da previsão legal de utilização do instituto envolvendo entes públicos ?

Sou razoavelmente cético quanto a isso. Por três razões. A primeira é a de que os problemas estruturais de uma sociedade não se resolvem simplesmente pela alteração legislativa: pode-se mudar a lei, não se muda a vivência real do mundo. A segunda é a de que o problema da saturação do Poder Judiciário não se refere apenas à disciplina da atividade jurisdicional. O problema é o direito material. É no âmbito do direito material que surgem os conflitos. Por mais racional e eficiente que seja a disciplina processual, isso não conduz à superação dos problemas gerados no âmbito do direito material. Ao invés de tentar resolver os problemas do Poder Judiciário mediante a alteração das normas processuais, o Brasil melhor faria se tentasse superar os impasses no âmbito do direito material. Em terceiro lugar, as relações de direito administrativo refletem uma concepção não-democrática, que se traduz no posicionamento tanto do agente administrativo como do próprio sujeito privado. O Poder Judiciário é muito mais sensível ao argumento da "supremacia do interesse público" do que um árbitro privado. Ou, para ser mais preciso ainda: o Poder Judiciário tende a admitir uma concepção muito simplista de "supremacia do interesse público", naquele sentido de superar direitos e garantias assegurados aos sujeitos privados. Portanto, a arbitragem refletirá, na maior parte dos casos, uma solução mais equilibrada para os litígios. Logo, antecipo que a Administração Pública apenas adotará a arbitragem quando não dispuser de alternativa. Isso envolverá, essencialmente, relações contratuais que exijam investimentos privados de grande porte, especialmente no âmbito da infraestrutura. Anote-se que, sob esse ângulo, já havia previsão legislativa autorizando a adoção da arbitragem na grande maioria dos casos. Em suma, não vislumbro que, num período imediato, a alteração legislativa conduza a uma redunção substancial dos processos judiciais envolvendo a Administração Pública.

É possível supormos quais entidades públicas tendem a buscar mais a arbitragem ?

Antes de definir a conveniência da arbitragem, é relevante apontar o âmbito de seu cabimento. De modo genérico, não caberá arbitragem nas hipóteses em que a atividade administrativa refletir o exercício de competências estatais típicas. Tal se passa, por exemplo, no âmbito da regulação propriamente dita. Não existem, em tais hipóteses, direitos disponíveis que comportem arbitragem. Aliás e de passagem, não reputo arbitrável inclusive o litígio entre particulares que envolvam efeitos indiretos de cunho regulatório - ou, quando menos, esses temas não podem ser examinados no âmbito da arbitragem.

Nas hipóteses em que é cabível a arbitragem, é muito provável que adquira maior difusão no âmbito da Administração indireta com personalidade jurídica de direito privado, que envolva contratações com a iniciativa privada, especialmente sob regime de direito privado. Também me parece evidente que a arbitragem será muito mais praticada na órbita Federal e no âmbito dos Estados mais afeitos a contar com o investimento privado. Seria muito desejável que a arbitragem fosse difundida genericamente no bojo das questões contratuais administrativas em geral. No entanto, parece-me que essa orientação demorará a ser admitida.

A publicidade total prevista na reforma da lei vai de encontro ao princípio de confidencialidade e sigilo da arbitragem ?

Não vejo problema na publicidade da arbitragem. A preservação do sigilo é uma tradição no âmbito da arbitragem, mas não envolve princípio jurídico essencial. Especialmente no âmbito do direito brasileiro. Não deixa de ser intrigante que um dos princípios fundamentais, norteadores da função jurisdicional estatal, seja a publicidade. Estabelecer sigilo no tocante à arbitragem poderia apresentar alguma razoabilidade relativamente a litígios entre privados. Mas, em se tratando de sujeitos integrantes da Administração Pública, o sigilo apenas poderia ser justificado em virtude de circunstâncias específicas e diferenciadas. Tais circunstâncias podem ocorrer seja na via judicial estatal, seja no tocante à arbitragem.

Quais as particularidades do procedimento arbitral quando uma das partes é o Estado ?

Não seria despropositado afirmar que a arbitragem é sempre a mesma, seja o Estado parte ou não. Sob um certo ângulo, assim se passa. Mas é necessário reconhecer que há algumas dificuldades para enfrentar. O Estado não é uma parte comum porque, rigorosamente, o "Estado" não existe como um polo de interesses autônomo. O Estado é uma abstração, que se traduz numa pluralidade de órgãos compostos por agentes públicos. No âmbito privado, o interesse pessoal do titular dos direitos impõe um controle de regularidade muito intenso. Esses controles devem existir também no âmbito do Estado. Mas há riscos muito intensos de que, no mundo real, tal não se passe. Portanto, é imperioso que a arbitragem seja acompanhada pela estruturação diferenciada e específica do Estado para a defesa efetiva e eficiente dos seus direitos, que são, na verdade, reflexo do interesse comum de todos.

Formulo ainda duas ordens de considerações adicionais:

Um dos grandes riscos da arbitragem é a importação de um modelo processual e procedimental tipicamente da common law. A arbitragem floresceu especialmente nesse âmbito, que envolve - lembre-se - essencialmente ações de cunho indenizatório. Mais ainda, tomando em vista uma prática originária do mundo anglo-saxão. Não existe qualquer xenofobia de minha parte. Mas é muito despropositado praticar arbitragem no Brasil seguindo o modelo procedimental anglo-saxão. Veja-se a questão da produção de provas em audiência, inclusive nos casos em que a questão é apenas de direito. Anoto que a questão não é apenas teórica, mas reflete uma intensa disputa pelo "mercado de arbitragens". Grande parte dos clientes de arbitragens são empresas com sedes no estrangeiro. Essas empresas dispõem de atendimento por escritórios de advocacia tipicamente "anglo-saxões". A preservação do modelo de arbitragem anglo-saxão é indispensável para assegurar a participação dos grandes escritórios de advocacia estrangeiros nessa atividade. Portanto, todas as convenções, organizações e seminários internacionais são orientados a reforçar essa solução. De minha parte e pessoalmente, não há qualquer preconceito ou posicionamento contra escritórios de advocacia estrangeiros. Apenas me parece absurdo (para dizer o menos) submeter a atividade de arbitragem no Brasil a um modelo próprio do direito não brasileiro, simplesmente para assegurar a ampliação do mercado de trabalho para estrangeiros.

Há um outro fator, intimamente relacionado a esse. Não existe um direito administrativo autônomo, no mundo anglo-saxão. Logo, aplica-se o direito comum. A participação de advogados estrangeiros em arbitragens no Brasil, versando sobre direito administrativo, é problemática, em vista da ausência de compreensão jurídica da disciplina normativa.

Outro grande problema se relaciona, de algum modo, com essa problemática. A arbitragem tem sido examinada como uma questão essencialmente processual. Ocorre que a sentença a ser proferida, quando a Administração for parte, envolverá usualmente a aplicação do direito administrativo. O especialista em direito processual não disporá, em muitas oportunidades, de conhecimento para produzir uma solução satisfatória nos litígios de direito administrativo. Ou seja, a tendência é a fragmentação da atividade de arbitragem em diferentes especialidades. Até o presente isso não aparecia de modo mais intenso porque a arbitragem era relacionada essencialmente com questões empresariais, submetidas à disciplina do direito comercial (ou civil). É claro que essa questão já aparecia, mas não era tão intensa. Veja-se que, na estrutura do próprio Poder Judiciário, a especialização se faz presente. Há Varas da Fazenda Pública e Seções e Câmaras de Direito Público. Questiona-se a possibilidade de um "magistrado universal", expressão utilizada para indicar um sujeito dotado de conhecimento e de experiência jurídica absolutos e ilimitados. Não é cabível a figura do "árbitro universal". E me parece muito necessário que, por ocasião da composição do painel arbitral, seja comprovada não apenas a idoneidade subjetiva e o conhecimento jurídico genérico. É indispensável o domínio do direito a ser aplicado no caso concreto.

Um outro problema, que não pode ser afastado, relaciona-se com corrupção. É indispensável o estabelecimento de mecanismos muito severos de disciplina da atividade do árbitro e a imposição de prática de condutas transparentes, destinadas a reduzir riscos nesse setor. Ninguém é obrigado a ser árbitro. Quem desejar assumir essa posição deve abrir mão de certas prerrogativas, liberdades e autonomias. Por exemplo, um advogado pode beneficiar-se de presentes dos clientes. Isso é impensável para aquele que é ou será árbitro. Um árbitro está sujeito a todas as limitações inerentes à figura do julgador imparcial. Dito de outro modo: ser árbitro não é apenas mais uma manifestação do exercício da advocacia.

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