Matheus Zuliani: É impossível que um Código de Processo Civil traga somente melhorias
O juiz de Direito no DF fala sobre qualidades e problemas do novo CPC.
Da Redação
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Atualizado em 27 de janeiro de 2015 15:59
Juiz de Direito no DF, Matheus Stamillo Santarelli Zuliani destaca em entrevista ao portal Migalhas as mudanças do novo CPC (PLS 166/10) que promoverão melhorias no Judiciário tupiniquim e aquelas que, ao contrário, não devem ser bem recebidas pelos juízes - como a obediência à ordem cronológica de conclusão para proferir decisão:
"Muito embora o projeto elenque quais os processos que não se submetem à regra da prevalência da conclusão, isso não retira o caráter intervencionista na livre condução administrativa da unidade jurisdicional."
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As mudanças que estão por vir no Processo Civil irão de fato auxiliar os juízes na questão da celeridade e redução do volume de processos ?
É incontroverso que a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do Código de Processo Civil moderno é preparada e atendeu aos anseios do Poder Judiciário, em sua grande maioria. Digo em sua grande maioria porque é impossível que um Código de Processo Civil traga somente melhorias, já que não se pode agradar a todas as classes que se valem cotidianamente do Processo Civil. Algumas mudanças certamente atenderão os magistrados, outras não. Em uma visão global enxergo um Processo Civil mais eficaz e célere para a Justiça, o que, em última análise, importa para um Poder Judiciário que constantemente vive assolado de demandas repetitivas.
Que dispositivos exemplificam a questão acima ?
Mudança salutar para a 1ª instância é a distribuição dinâmica do ônus prova. Deixa de existir regra previamente definida acerca do ônus probatório, possibilitando ao magistrado impor àquele que tiver maior proximidade e facilidade para produzir a prova. Não se trata de um instituto novo no ordenamento jurídico, existindo previsão no Direito Argentino. No país vizinho recebe o nome de Teoria das Cargas Processuais Dinâmicas. Nesse novo cenário probatório, a distribuição do ônus da prova perde seu caráter estático para ganhar contornos dinâmicos, aplicada caso a caso ante a facilidade na produção da prova, independentemente de condição de parte mais astuta ou mais vulnerável.
Cito como exemplo o art. 380 do anteprojeto do Novo CPC que assim dispõe:
"Art. 380. O ônus da prova incumbe:
I- ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1 º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído
§ 2 º A decisão prevista no § 1 º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3 º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
§ 4 º A convenção de que trata o § 3 º pode ser celebrada antes ou durante o processo".
Os juristas constantemente lembram que o Poder Público é o maior litigante do país. Há mudanças no novo CPC que afetam de alguma forma essa realidade ?
De um lado o Poder Público é o grande litigante do Poder Judiciário. Noutro giro, suas demandas são classificadas como repetitivas, uma vez que os assuntos litigiosos se repetem, mudando apenas uma das partes da relação processual. Uma das mudanças que se verifica para minimizar essa questão é o reforço que o novo CPC dispensa ao regime de julgamento de recursos repetitivos, prevendo a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais que estejam tramitando nos Tribunais Superiores, aguardando julgamento. Uma vez identificada, em sede de primeiro grau, controvérsia judicial capaz de deflagrar a multiplicação de demandas, com risco potencial de decisões conflitantes, o incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser instaurado.
Em qual esfera o sr. acredita que as alterações do novo CPC devem ter maior impacto : primeira instância ou Tribunais Superiores ?
As alterações promovidas no novo CPC atingem tanto a primeira instância quanto as instâncias superiores.
No que se refere aos Tribunais Superiores, é indiscutível que a tentativa de tornar a jurisprudência uniforme e estável, alinhando, assim, o Código à Constituição, reflete de forma direta na diminuição do número de recursos a ser apreciado pelos Tribunais. Isso porque o magistrado tem um norte pacífico e uníssono a ser seguido, e a parte inconformada pouco pode fazer, uma vez que além do magistrado, o Tribunal também tem o mesmo pensamento, evitando-se, desta forma, a interposição de recurso fadado ao insucesso antes mesmo de ser materializado na petição recursal.
Por quais melhorias dos institutos processuais há maior expectativa por parte dos juízes ?
Não se pode deixar de tecer críticas ao dispositivo que ordena aos órgãos jurisdicionais a obediência à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. Muito embora o projeto elenque quais os processos que não se submetem à regra da prevalência da conclusão, isso não retira o caráter intervencionista na livre condução administrativa da unidade jurisdicional.
Essa crítica não é nova. O magistrado bandeirante Fernando da Fonseca Gajardoni, Doutor e Mestre em Processo Civil, em excelente texto publicado no sítio do Migalhas, em agosto de 2013, já alertava acerca da aberração jurídica ora criticada. A administração de uma vara Judicial é tarefa árdua que foge da atividade jurisdicional do magistrado, e, para complicar, o legislador ainda dita a ordem que o Juiz deve julgar seus processos? Imagine o caso do magistrado que, após uma longa tarde repleta de audiências, resolve proferir sentença naquela uma hora restante que ele ainda dispõe. Olha para o armário de conclusão de sentença e o primeiro processo é uma Ação Cível Pública contra uma grande empresa de telefonia que supostamente teria ofendido direito de todos os consumidores do Brasil. Logo em seguida, estando em segundo lugar na conclusão, há uma ação indenizatória por inscrição indevida do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito. Não é factível que o magistrado tenha que iniciar o julgamento do processo complexo, ficando impedido de proferir sentença naquele caso de menor complexidade.