Rogério Pires da Silva: abruptas modificações normativas dificultam planejamento nos negócios
Advogado cita caso das "Notícias Siscomex", que sequer chegam a ser publicadas no DOU.
Da Redação
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Atualizado em 10 de julho de 2014 13:22
Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. A frase que finaliza grande parte das leis brasileiras, embora aparentemente simples, têm o poder de acarretar uma série de consequências, especialmente na área empresarial.
O advogado Rogério Pires da Silva, do escritório Boccuzzi Advogados Associados, ressalta alguns desses problemas, destacando caso específico das "Notícias Siscomex", que sequer chegam a ser publicadas no DOU.
Veja na íntegra com exclusividade.
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1 - Quais os prejuízos das leis entrarem em vigor no Brasil já na data de sua publicação?
Os destinatários são os principais prejudicados com a norma que entra em vigor imediatamente. No meio empresarial - onde as novas regras costumam apresentar maior complexidade - a modificação com vigência imediata traz custos mais elevados de adaptação, e os riscos decorrentes dos equívocos de interpretação conduzem a passivos de diversos tipos (tributários, trabalhistas, regulatórios etc.).
Por outro lado, a regra nessas condições geralmente é elaborada às pressas, sem planejamento, de modo que o improviso do legislador acaba trazendo insegurança aos operadores do direito. Depois de publicada, a norma sofre várias alterações para a correção de equívocos do legislador - seja para a contemplação de exceções, seja para a colmatação de lacunas - e com frequência a regra original acaba se transformando numa colcha de retalhos de difícil interpretação.
Um dos grandes prejuízos decorrentes do improviso legislativo parece estar relacionado à imagem do Brasil no mundo dos negócios, e particularmente no comércio exterior, porque o excesso de burocracia aliado às abruptas modificações normativas dificultam qualquer planejamento que se pretenda fazer em operações de importação e de exportação.
2 - No que se refere às normas aduaneiras, o que pode ser dito acerca do tema considerando-se que certos atos normativos entram em vigor mesmo sem publicação no DOU?
As assim chamadas "Notícias Siscomex" - atos normativos do Departamento de Comércio Exterior da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio - são divulgadas exclusivamente no portal Siscomex, na internet (portal.siscomex.gov.br), e na grande maioria das vezes estipulam novo tratamento administrativo para importações: exigência de licenciamento (automático ou não-automático), exigência de comprovação de que o preço pago no exterior corresponde ao valor de mercado etc.
Vale dizer, esses atos normativos, porque modificam as regras aplicáveis a operações no comércio exterior - a ponto de ensejar penalidades para aqueles que descumprem a exigência - deveriam ser publicados no Diário Oficial da União, por força do decreto-lei 4.657/42 e do decreto 4.520/02 (já que não são atos de caráter meramente interno). A vigência quase sempre imediata desses atos, aliada à gravidade de suas determinações e à falta de publicação no Diário Oficial, conduzem a uma enorme insegurança na área aduaneira.
3 - Em que medida tais atos ferem a segurança jurídica dos negócios?
As operações de importação demandam certo tempo para sua conclusão, pois além da negociação entre as partes há que se planejar a logística de transporte, onde é particularmente comum o uso de navios - de modo que geralmente passam-se meses desde o embarque da mercadoria no exterior até sua chegada ao Brasil e as providências de desembaraço. Se no curso do transporte (após o embarque, portanto) vem a ser divulgada uma Notícia Siscomex estipulando novo tratamento administrativo para a importação, o importador pode não ter como se adaptar para dar cumprimento à exigência, especialmente quando se trata de licenciamento não-automático (exigência de licença antes do embarque da mercadoria no exterior).
É espantoso que a Notícia Siscomex, frequentemente com vigência imediata, não seja sequer publicada no Diário Oficial, atingindo importações que já se encontram em curso para impor a obrigação de obter licença antes do embarque - circunstância que traz grande insegurança para qualquer importador, pois não há previsibilidade quanto às regras aplicáveis aos negócios já iniciados, e tudo pode mudar até o momento da apresentação da declaração de importação no desembaraço aduaneiro.
Não é demais lembrar que o importador fica sujeito à multa de 30% do valor da mercadoria se tiver promovido o seu embarque no exterior sem a obtenção de licença prévia, quando exigida (art. 706 do Regulamento Aduaneiro - decreto 6.759/09).
4 - Há previsão de discussão, seja no âmbito legislativo ou judiciário, da necessidade de publicação das "Notícias Siscomex" no DOU?
As "Notícias Siscomex" ainda não foram examinadas pelo Poder Judiciário sob a ótica da falta de publicação no DOU, e de fato há poucas decisões que se limitaram a dispensar, em situações especiais, a exigência formulada na norma - mas somente porque a importação já havia sido embarcada no momento da divulgação da nova regra, de modo que foi reputada retroativa.
Espera-se que em algum caso concreto o Poder Judiciário seja chamado a se pronunciar sobre a necessidade de publicação das "Notícias Siscomex" no Diário Oficial, mas por enquanto - até onde tenho notícia - esse vício normativo ainda não foi expressamente debatido em Juízo.
5 - Quais cuidados o importador deve ter para precaver-se de casos de mudanças nas normas aduaneiras?
Os órgãos aduaneiros federais pressupõem, da parte do importador, a providência de consultar previamente o tratamento administrativo a ser adotado nas importações (exigência de licença e outros requerimentos), o que é feito eletronicamente mediante acesso às telas do SISCOMEX, inclusive no momento da apresentação da declaração de importação para registro.
Mas na própria página da Receita Federal na internet o importador pode constatar que nem sempre o procedimento eletrônico é o meio mais seguro para identificar o tratamento administrativo das importações - o que se depreende a partir da leitura da seguinte advertência fazendária: "O contribuinte deverá consultar o Tratamento Administrativo do Siscomex para se informar sobre os produtos sujeitos a Licenciamento Automático e Não Automático (art. 13 da Portaria Secex 23/11). É importante enfatizar que a ausência de alerta do Siscomex no momento da elaboração da Declaração de Importação não prevalece sobre o Tratamento Administrativo".
Eu diria, então, que não há o que fazer porque mesmo depois do embarque da mercadoria pode vir a ser baixada uma regra nova, com vigência imediata, exigindo licença não-automática (a ser obtida antes do embarque). Sendo inevitável a possibilidade de surpresa, em cada caso concreto deve ser estudada a possibilidade de discutir o problema judicialmente.
Acredito que o Poder Judiciário deve levar em conta, numa eventual apreciação de demanda sobre a matéria, que não se pode abrir uma exceção à regra de publicação de normas no Diário Oficial, ainda que haja divulgação da norma na internet. Isso porque a segurança jurídica seria gravemente comprometida se cada órgão público decidisse, por conta própria, divulgar suas normas em seus respectivos portais na internet, ao invés de publicá-las no Diário Oficial.
Com efeito, a consulta às normas passaria a ser feita em inúmeras páginas da internet, em portais esparsos - e isso certamente seria copiado pelos governos estaduais e municipais, multiplicando as fontes de consulta normativa. Uma das razões para que as normas sejam publicadas no Diário Oficial reside em que a vigência depende da veiculação no órgão próprio para esse fim, que é sempre um só, onde o destinatário da norma já sabe de antemão que serve para a publicação de toda e qualquer norma.
Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, portanto, divulgar as normas exclusivamente em portais na internet não é necessariamente um ato de transparência governamental, porque a multiplicidade de portais e a consequente pulverização dos veículos de mídia conduzem, ao fim e ao cabo, a um prejuízo do próprio postulado da publicidade que deve reger a administração (art. 37 da Constituição).
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