Luiz Flávio Gomes: É fundamental que Estado intervenha para segurança dos que manifestam pacificamente
Confira entrevista do professor.
Da Redação
terça-feira, 20 de maio de 2014
Atualizado em 19 de maio de 2014 17:21
A proximidade da Copa do Mundo aumenta o receio do governo de lidar com manifestações dos mais variados tipos, como as ocorridas na semana passada em diversas cidades do país.
Acerca do tema, o professor Luiz Flávio Gomes, da Rede de Ensino LFG, concedeu entrevista exclusiva.
"Para a própria segurança dos que manifestam pacificamente, é fundamental que o Estado intervenha, fazendo uso inclusive da força, porém, dentro do direito (o uso da força não significa uma carta em branco que poderia ser utilizada pelo agente público indiscriminadamente)."
Veja a entrevista.
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1 - Os protestos da semana passada desaguaram para episódios de violência em alguma medida, com tentativa de invasão de prédios públicos. Como fica o confronto direito à liberdade de manifestação x dever do Estado de garantir a ordem pública, ambos na CF ?
Nossa Constituição garante o direito de expressar o pensamento assim como o direito de reunião, inclusive em vias públicas. Por sua vez ao Estado compete garantir a ordem pública, fazendo com que as pessoas não participantes das manifestações tenham o menor transtorno possível. Trata-se de um direito fundamental e de um dever, ambos conciliáveis. Enquanto as manifestações são pacíficas, não se exige uma intervenção mais efetiva do Estado. O problema reside quando há violência (pessoal ou danos materiais, a bens públicos ou privados). Neste momento não há como impedir o Estado e seus agentes de restabelecer a ordem pública, impedindo atos de vandalismo ou de violência pessoal. Para a própria segurança dos que manifestam pacificamente, é fundamental que o Estado intervenha, fazendo uso inclusive da força, porém, dentro do direito (o uso da força não significa uma carta em branco que poderia ser utilizada pelo agente público indiscriminadamente). A força não é incompatível com o direito, quando utilizada de forma moderada e de acordo com o estritamente necessário. O que passa da necessidade é tirania (Montesquieu). O que está dentro da necessidade é força legítima. O desafio que se coloca ao agente público é este: agir dentro da legalidade. Pois, do contrário, perde legitimidade, dando ensejo a críticas (assim como à suspeita de que está atuando contra o direito constitucional de reunião e de manifestação).
2 - É possível ao MP atuar na prevenção dos excessos, como por exemplo, quando há notícias de possível depredação do patrimônio público ?
O Ministério Público é o agente estatal responsável por fiscalizar a legalidade e a constitucionalidade dos atos públicos. Também lhe incumbe preservar patrimônios históricos, ecológicos etc. Ele não se encarrega da proteção direta de todo patrimônio público (para isso conta o poder público com seus agentes e a guarda civil). A polícia militar em SP criou um grupo desarmado, mas treinado em artes marciais para fazer frente aos manifestantes violentos. Trata-se do grupo "Ninja". Do ponto de vista preventivo é o que tem produzido o melhor resultado na estratégia de eliminação dos excessos. Por força da velha ficção do "contrato social" (fundado na doutrina de John Locke, Hobbes e Rousseau), as pessoas abrirão mão de parte da sua liberdade e a entregaram ao Estado que, em troca, deve cuidar da segurança pública. O Estado, portanto, quando atua preventivamente para evitar excessos, o faz no cumprimento do seu dever "contratual" e "constitucional". E é isso que a população espera da sua atuação: prevenção, que está coligada à governança de riscos para a preservação dos bens públicos e privados.
3 - As torcidas organizadas Gaviões da Fiel e Camisa 12 acompanharam um protesto que tinha como destino o novo estádio do Corinthians. Torcedores montaram um "posto avançado" para "proteger" o estádio, afirmando a possibilidade inclusive de um confronto com os manifestantes. Em situações assim, a quem a lei protege/favorece ?
A lei e a Constituição protegem o direito de reunião e de manifestação. A proteção feita pela população de um patrimônio privado nada mais significa que uma momentânea atividade de milícia (que consiste numa organização paralela ao Estado, para cumprir, dentre outras, funções típicas estatais). O que não se pode esquecer é que toda atuação feita em defesa de alguém deve ter proporcionalidade. Não se pode, por exemplo, matar uma pessoa que não apresenta risco de ataque mortal, para a defesa de um patrimônio. O bem jurídico patrimônio pode ser defendido, não há dúvida. Mas em sua defesa ninguém está autorizado a praticar excessos, abusos. O direito é a medida do justo, logo, do ponto de vista jurídico nada pode ser desproporcional, desarrazoado, desequilibrado. Tudo pode ser feito, mas dentro da legalidade e da proporcionalidade. A Constituição garante o direito de manifestação. A lei penal assegura o direito de defesa do patrimônio. Está tudo previsto no ordenamento jurídico. Todo abuso de qualquer que seja o grupo não vai encontrar amparo na ordem jurídica. Para isso se sugere que esteja também presente um terceiro grupo: o constituído pelos agentes do Estado, que devem intervir para evitar abusos (nunca para impedir as manifestações). Tudo quanto acaba de ser dito se justifica desde a perspectiva de uma governança de riscos para a preservação, acima de tudo, de vidas (que é a política pública mais nobre, mas, ao mesmo tempo, mais difícil).