Polêmica de tradução de obras literárias levanta discussão sobre direitos autorais
Projeto pretende trocar palavras consideradas "difíceis" ou "estranhas" nos textos.
Da Redação
quarta-feira, 14 de maio de 2014
Atualizado em 13 de maio de 2014 16:43
A polêmica acerca da "tradução" das obras de Machado de Assis e José de Alencar levadas à cabo pela escritora Patricia Engel Secco com o apoio do MinC promete discussão acalorada.
A escritora pretende trocar palavras consideradas "difíceis" ou "estranhas" aos jovens leitores por sinônimos para tornar as obras mais palatáveis. Outra tática para simplificar os clássicos da literatura é trocar a ordem indireta dos textos pela ordem direta. O projeto foi aprovado pelo Minc e, ao todo, 600 mil exemplares dos dois livros serão distribuídos.
Há, contudo, uma petição on-line pedindo ao Ministério que "impeça a alteração das palavras originais nas obras da língua portuguesa".
Autoria e integralidade
O polêmico projeto, além das questões culturais inevitáveis, suscita também discussão acerca dos direitos de autor e o papel do Estado no assunto.
A lei 9.610/98 é clara ao dispor que são obras protegidas as "criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro".
Entre essas criações, destaca-se:
"XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;"
Um dos argumentos levantados por Patricia é que o projeto é uma adaptação das obras, que se tornaria mais acessível aos jovens e/ou pessoas que não tiveram educação formal suficiente para compreender tais autores.
Porém, a mesma lei garante, no capítulo que trata dos direitos morais do autor, no art. 24, parágrafo IV, a integridade da obra, "opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra".
Acerca do tema, o Prof. Newton Silveira (Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados) afirma que "sem dúvida nenhuma, alterar o texto sob o pretexto de facilitá-lo desvirtua a integridade da obra, chegando a alterar o seu significado".
Ainda mais: cabe ao Estado garantir tal integridade se a obra está em domínio público ("§ 2º da mesma lei).
Nesse sentido, Newton Silveira ressalta:
"Compete ao MP a defesa da integridade da obra, promovendo a sua retirada de circulação de acordo com o inc. VI do art. 24 da lei de direitos autorais."
Conforme elucida o advogado, a intervenção do Estado só não seria cabível "se se tratasse de um resumo que desse destaque ao fato de que o texto não é de Machado de Assis" - o que não é o caso do projeto financiado pelo MinC.
A advogada Eliane Y. Abrão, autora de "Direitos de Autor e Direitos Conexos", trata no livro do tema, como lembrado pelos colunistas Ygor Valerio e Gabriela Muniz Pinto Valerio, ao citar que a integridade da obra fica restrita à forma original da publicação.
De acordo com a advogada especializada em Propriedade Imaterial, a adaptação corresponde a uma nova linguagem conferida à obra.
"Adaptar uma obra, na linguagem autoral, é transformá-la em outra, de gênero diferente. Por exemplo, a utilização de texto literário para a linguagem cinematográfica é a adaptação da linguagem escrita para a linguagem falada, dialogada, encenada, necessária à realização do filme."1
Ressalta Eliane que a adaptação mantém todos os traços originais da obra primígena, incluindo as mesmas frases (grifos nossos).
Logo, a substituição de expressões pretendida pela escritora nas obras de Machado de Assis e José de Alencar não podem ser consideradas adaptações.
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1 Abrão, Eliane Y. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Editora Migalhas, 2014. Página 155.