Promotora reitera quebra de sigilo do Palácio do Planalto
Pedido é para apurar a notícia dos jornais de que José Dirceu utilizou celular dentro da Papuda.
Da Redação
sexta-feira, 25 de abril de 2014
Atualizado às 09:08
O pedido da promotora Márcia Milhomens, do MP/DF, para quebrar o sigilo telefônico do Palácio do Planalto suscita importantes questionamentos acerca do assunto.
Tudo começou com notícias divulgadas na imprensa de que José Dirceu, preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, teria falado ao celular com um secretário de Estado da Bahia. A Vara de Execuções Penais do DF iniciou uma investigação administrativa e concluiu que não ocorreu a falta.
Após o encerramento da investigação administrativa, em 27/3, o juízo da Vara recebeu o pedido de quebra de sigilo telefônico feito pela promotora Márcia Milhomens. A promotora solicitou a quebra de todas as ligações por celular, efetuadas e recebidas, de 1º a 16/1, citando duas coordenadas geográficas do DF.
A surpresa surgiu quando a defesa de Dirceu constatou que os pontos geográficos constantes no pedido do parquet alcançavam a Praça dos Três Poderes.
De acordo com a promotora, a investigação se justifica devido a uma denúncia "informal" dando conta de que o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu telefonou para o Palácio do Planalto depois de preso.
De início, cabe verificar se a tal "denúncia informal", por si só, é suficiente para a ação de Márcia Milhomens. Vejamos o que diz a Constituição:
"TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996)" (grifos nossos)
O inciso XII, parte final, do art. 5° é regulado por lei específica, qual seja, a de número 9.296/96. Veja o que traz o dispositivo normativo:
"Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.
§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.
§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.
Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
(...)
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa."
Assim, de acordo com a norma específica, surge outro questionamento quanto ao pedido da promotora: se diz a lei que "Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados", pode a integrante do parquet pedir a quebra de sigilo de uma região genérica, sem especificar o investigado?
Repercussões
Depois que a notícia veio à tona, a AGU apresentou reclamação no CNMP contra a promotora do DF.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, criticou nesta quinta-feira, 24, a conduta da promotora Márcia Milhomens. "Quebra de sigilo exige o atendimento de pressupostos legais muito claros. As pessoas não podem pedir quebra de sigilo sem fatos que fundamentem isso. E portanto, eu acredito que situações de informalidades, de suposições nunca permitirão no Estado de direito quebra de sigilo. Então, essa é a razão pela qual a própria Advocacia-Geral da União já atuou neste caso e espero que efetivamente os órgãos responsáveis apurem e tomem as medidas cabíveis em decorrência dessa apuração".
Em entrevista à revista Carta Capital, o jurista Pedro Serrano asseverou que a quebra do sigilo telefônico da maior autoridade do país, no caso, a presidente Dilma, constitui fato gravíssimo. "Em qualquer país civilizado do mundo, para se quebrar o sigilo de um presidente da República é algo gravíssimo, porque isso implica você ingressar autoridades judiciárias, de primeiro grau, em assuntos de segurança nacional. É um absurdo essa ocorrência e incompatível com os valores republicanos do Estado Democrático de Direito."