Contrária à moralidade administrativa, PEC dos Cartórios assombra a pauta da Câmara
Destinada a legitimar a situação de milhares de oficiais de serventias extrajudiciais em situação irregular Brasil afora, o breve texto da PEC merece a atenção.
Da Redação
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
Atualizado em 6 de dezembro de 2013 15:32
Sem grandes notícias na mídia, a PEC 471/05, a famigerada "PEC dos Cartórios", que se encontra na Câmara sob a rubrica "Pronta para a pauta do plenário", estava na pauta do plenário desta semana. Na quarta-feira última, 4, contudo, foi retirada da pauta e a votação adiada. Nesse jogo de aparece e desaparece, grandes interesses estão em jogo.
PEC 471/05
Composto de um só artigo, o texto da PEC 471/05 preleciona:
Art. 1.º. O parágrafo 3.º do artigo 236 da Constituição Federal passa a ter a seguinte redação:
"Art.236...................................................................§ 1.º.........................................................................
§ 2.º.........................................................................
§ 3.º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses, ressalvada a situação dos atuais responsáveis e substitutos, investidos na forma da Lei, aos quais será outorgada a delegação de que trata o caput deste artigo.
Como se vê, o §3° do art. 236 da CF receberia à sua redação atual o acréscimo marcado pelo nosso grifo, acima.
Embora breve, o texto traz alterações significativas.
Ao dispor em seu art. 236, §3° que "O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses", a CF tem alvo certo: pôr fim a delegações de serviços públicos altamente rentáveis feitas sem um critério objetivo, porta aberta a transações e benesses políticas prejudiciais à democracia e ao Estado de Direito.
A lei destinada a regulamentar o comando constitucional - 8.935 - veio em 1994, determinando que os concursos para provimento dos cargos fossem organizados pelo Poder Judiciário Estadual de cada unidade da Federação, com a participação da OAB, de um integrante do MP, de um notário e de um registrador.
Passados 19 anos do advento da lei e 25 da promulgação da CF, nove unidades da Federação seguiam, em agosto último, sem ter organizado sequer um concurso.
Estados que não realizaram concurso para os cartórios |
AL |
AM |
DF |
MS |
MT |
PA |
PB |
SE |
TO |
Fiscalização a cargo do CNJ
Após a EC 45/04, a fiscalização das serventias extrajudiciais passou a ser atribuição do CNJ (art. 103-B, §4°, III). Inspeções realizadas nos Estados com esse fim demonstraram que diversos oficiais haviam assumido a titularidade das serventias após 1988 sem prestar concurso público, em afronta ao comando constitucional. Como resultado, o CNJ editou as resoluções 80 e 81, ambas de junho de 2009, declarando vagas as serventias ocupadas indevidamente e determinando aos tribunais de justiça de cada unidade federativa a realização do concurso no prazo de 6 meses a contar daquela data, visando à outorga das delegações.
Muitos dos cartórios opuseram-se às determinações, contestando as decisões do Conselho. Após analisar os pleitos, um ano depois, em 12 de julho de 2010, a Corregedoria Nacional de Justiça publicou lista atualizada de todos os cartórios declarados vagos - mais de 5.500 permaneciam na condição. Na ocasião, o CNJ determinou ainda a observância do teto salarial do serviço público para os oficiais interinos (todo o resultado financeiro que ultrapassá-lo deve ser recolhido aos cofres públicos), determinação que motivou a interposição do MS 29.039 por parte da ANOREG.
Em um primeiro juízo sobre o tema, o relator para o MS, ministro Gilmar Mendes, deferiu liminarmente a pretensão da associação, para suspender até o julgamento do mérito a determinação do CNJ de observância do teto salarial do serviço público pelos oficiais interinos.
Em junho último, contudo, verificando o transcurso de quase três anos sem que nenhuma providência para a realização dos concursos havia sido tomada, Gilmar Mendes reviu sua posição, e foi categórico:
"(...) apesar do claro comando constitucional, as informações atualizadas oferecidas pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram o verdadeiro abuso na substituição sem concurso público de serventias extrajudiciais.
Com efeito, ainda estão vagas mais de 4.700 serventias extrajudiciais apesar dos esforços do próprio CNJ em declarar a vacância há mais de 4 anos. Em pelo menos 15 unidades da Federação não se realizou sequer um certame para preenchimento dessas vagas, em verdadeiro desprezo ao prazo constitucionalmente consignado e desprestígio da regra do concurso público."
No mesmo ano da apresentação da PEC, um PL também tentou tirar do Judiciário - e do CNJ, que começava a incomodar - a incumbência da fiscalização das serventias extrajudiciais, transferindo-a para o executivo estadual. À época, como resultado de movimentação contrária da imprensa e de órgãos do próprio judiciário - houve inclusive um comunicado oficial por parte de alguns magistrados -, a tentativa frustrou-se com a aposição do veto presidencial ao PL 7/05.