Justiça suspende dívida de leasing de carro roubado
Consta na sentença que a decisão produz efeitos em todo o território nacional.
Da Redação
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Atualizado às 09:35
A juíza de Direito Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho, titular da 2ª vara Empresarial do RJ, decidiu que os consumidores que tiverem seus automóveis roubados, furtados ou devolvidos amigavelmente e possuírem contratos de financiamento na forma de leasing não precisarão mais continuar pagando suas prestações. A ação foi ajuizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj.
Consta na sentença: "Tratando-se de contrato de arrendamento mercantil, o arrendante permanece dono da coisa arrendada até o final do contrato, somente sendo transferido o domínio se houver essa opção feita pelo consumidor. Desse modo, se a coisa perece por ausência de dolo ou culpa do arrendatário, não pode ser este quem irá sofrer o prejuízo, de acordo com a regra res perit domino (arts. 233 a 236 do CCB). Portanto, em caso de roubo ou furto do bem (...) não pode ser cobrado do consumidor o prejuízo do arrendante pela perda da coisa."
A sentença prolatada produz efeitos em todo território nacional segundo a magistrada.
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Processo : 0186728-64.2011.8.19.0001
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Processo: 0186728-64.2011.8.19.0001
Classe/Assunto: Ação Civil Coletiva - Cobrança de Quantia Indevida E/ou Repetição de Indébito - Cdc
Autor: COMISSÃO DE FEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA-RJ
Réu: BV FINANCEIRA S A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO GRUPO VOTORANTIN
Réu: ABN AMRO REAL FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS AYMORE FINANCIAMENTO E ARRENDAMENTO MERCANTIL LEASING DE VEICULOS
Réu: SANTANDER LEASING S A ARRENDAMENTO MERCANTIL
Réu: BANCO PANAMERICANO S A
Réu: ITAU UNIBANCO S A
Réu: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S A FINASA BMC
Réu: HSBC BANK BRASIL S A
Réu: BANCO VOLKSWAGEN S A
Réu: BANCO FIAT S A
Réu: BANCO FORD S A
Réu: BANCO GMAC S A
Réu: BANCO SOFISA S A___________________________________________________________
Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz Marcia Cunha Silva Araujo de Carvalho
Em 15/05/2013
Sentença
JUÍZO DE DIREITO DA SEGUNDA VARA EMPRESARIAL
COMARCA DA CAPITAL
Autos nº 0186728-64.2011.8.19.0001
AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO
Autor: COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Réus: 1. BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO FINANCIAMENTOE INVESTIMENTO (GRUPO VOTORANTIN); 2. ABN AMRO REAL FUNDO DE INVESTIMENTO EM DI-REITOS CREDITÓRIOS AYMORE FINANCIAMENTO E ARRENDAMENTO MERCAN-TIL (LEASING) DE VEÍCULOS; 3. SANTANDER LEASING S.A. ARRENDAMENTO MERCANTIL; 4. BANCO PANAMERICANO S.A.; 5. ITAU UNIBANCO S.A.; 6. BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. - FINASA BMC; 7. HSBC BANK BRASIL S.A.; 8. BANCO VOLKSWAGEN S.A.; 9. BANCO FIAT S.A.; 10. BANCO FORD S.A.; 11. BANCO GMAC S.A.; 12. BANCO SOFISA S.A.
SENTENÇA
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, qualificada na inicial de fls. 2/34, aditada a fls. 176, ajuizou AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO, com pedido de antecipação de tutela, em face de 1. BV FINANCEIRA S.A. CRÉDITO FINANCIAMENTOE INVESTI-MENTO (GRUPO VOTORANTIN); 2. ABN AMRO REAL FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS AYMORE FINANCIAMENTO E ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING) DE VEÍCULOS; 3. SANTANDER LEASING S.A. ARRENDA-MENTO MERCANTIL; 4. BANCO PANAMERICANO S.A.; 5. ITAU UNIBANCO S.A.; 6. BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. - FINASA BMC; 7. HSBC BANK BRA-SIL S.A.; 8. BANCO VOLKSWAGEN S.A.; 9. BANCO FIAT S.A.; 10. BANCO FORD S.A.; 11. BANCO GMAC S.A. e 12. BANCO SOFISA S.A., igualmente ali qualifica-dos, alegando, em síntese:
(a) atuarem os réus no ramo do mercado de arrendamento mercantil de veículos automotores (leasing);
(b) haver recebido, nos últimos anos, várias reclamações de consumidores quanto a irregularidades cometidas pelos réus quando da rescisão e liquidação dos contratos de adesão;
(c) segundo ficou apurado, na hipótese do consumidor não concorrer para a perda do bem arrendado, como nos casos de roubos e furtos, serem eles obrigados a adimplir com o pagamento de todas as parcelas, vencidas e vincendas, como fariam se não houvesse sua "liquidação antecipada", fato que beneficia o réu, permitindo-lhes o enriquecimento sem causa;
(d) outrossim, na hipótese de rescisão antecipada do contrato, por desistência, inadimplemento e outras, mesmo decorrendo o prazo mínimo para os contratos de leasing - 3 anos, os réus "tra-tam o contrato de arrendamento mercantil financeiro como se de alienação fidu-ciária fosse", sendo que, na hipótese de rescisão a pedido dos consumidores, estes são obrigados a arcar com o pagamento de todas as prestações vincen-das, deduzindo-se apenas "eventual valor apurado na operação de venda do veículo a terceiros (leilão)";
(e) como já decidiu o E. STF, no contrato de arrenda-mento mercantil "prepondera o caráter de financiamento", surgindo a arrendado-ra "como intermediária entre o fornecedor e o arrendante", numa espécie de "um misto de contrato de locação com financiamento (mútuo)", eis que, a final, sem-pre poder-se-á optar pela aquisição do bem;
(f) em assim agindo, haverem os réus negado aos consumidores, através dos contratos com eles assinados, a própria natureza jurídica do instituto do arrendamento mercantil;
(g) serem nulas as cláusulas contratuais que impõem a cobrança de parcelas vincendas dos con-tratos de arrendamento mercantil, após a restituição do bem arrendado, na forma do art. 51, § 1º, inciso II do CDC, por restringirem direitos e obrigações funda-mentais inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio e, em algumas hipóteses, subtraindo do consumidor a possibilidade de reembolso das quantias pagas a título de custo do bem arrendado);
(h) notificados, os réus confessaram as circunstâncias acima descritas;
(i) encontram-se presentes os pressupostos necessários para a concessão da tutela antecipada.
Requer:
(a) seja determinada a suspensão das cláusulas contratuais que permitem a cobran-ça de quaisquer valores, a título de parcelas vincendas dos contratos de arrendamento mercantil de automóveis, sempre que, com o pagamento da verba indenizatória proveniente de contrato de seguro celebrado em benefício dos réus, estes integralizem e recuperem o montante correspondente ao valor integral do custo de aquisição do veículo arrendado;
(b) seja determinada a suspensão das cláusulas contratuais que permitem a cobrança de quaisquer valor a título de parcelas vincendas, dos referidos contratos de arrendamento, sempre que, com a venda ou em leilão do veículo devolvido amigavelmente pelo arrendante os réus integralizem e recuperem o montante correspondente ao valor integral do custo de aquisição do veículo arrendado;
(c) sejam declaradas nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que impõem a cobrança de parcelas vincendas dos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre as partes, nas hipóte-ses acima descritas;
(d) a condenação dos réus, na hipótese de liquidação ante-cipada do contrato por perda do bem sem culpa do consumidor, ou nos casos de rescisão antecipada com devolução do bem, a devolver ao consumidor quaisquer valores excedentes ao valor integral do custo de aquisição do veículo arrendado, quando, do somatório dos valores mensais cobrados a este título, acrescido do valor apurado com o pagamento da verba indenizatória de seguro, ou do valor de alienação do veículo a terceiros, apurar-se quantia superior à investida na com-pra do bem;
(e) a condenação dos réus a incluir em seus contratos de arrenda-mento mercantil, cláusulas que permitam, em caso de perda do bem sem culpa do consumidor, a substituição do veículo por outro que atenda a conveniência dos arrendatários;
(f) a condenação dos réus a restituírem, em dobro, todos os valores cobrados indevidamente;
(g) a condenação dos réus a apresentar regis-tro individualizado que permita verificar o tempo efetivo de duração dos contratos de arrendamento celebrados nos últimos 10 anos, para efeito de habilitação e levando-se em conta o interesse público das medidas visando coibir o enriquecimento sem causa;
(h) a inversão do ônus da prova e
(i) a intimação do BACEN para apresentar subsídios que permitam identificar todos os contratos de arren-damento mercantil celebrados pelos réus nos últimos 10 anos.
Inicial acompanhada dos documentos de fls. 35/175.
Decisão de fls. 177/178v., deferindo a liminar.
Contestação do 7º réu a fls. 581/593, aduzindo, quanto ao mérito, em síntese:
(a) não poder ser confundida a opção de compra (VR) e a garantia de retorno do investimento (VRG), havendo um valor residual, com duas funções distintas;
(b) inexistir qualquer abusividade, sendo dada ao arrendatário a opção de contratar seguro do bem arrendado, havendo previsão contratual de forma de liquidação, para ambos os casos, ou seja, com ou sem seguro contratado;
(c) ao contrário do afirmado na inicial, há possibilidade de manutenção do contrato com a substituição do bem por outro equivalente e, no caso de recebimento de indenização securitária, o consumidor não é obrigado a pagar as parcelas vincendas, como se o contrato estivesse em vigor, pois os valores recebidos da seguradora são empregados na amortização da dívida, recebendo o consumidor eventual saldo (cláusula 10ª do contrato de arrendamento);
(d) nos casos de inexistência de seguro, caberá ao consumidor substituir o bem por outro equiva-lente, ou, ainda, ressarcir o arrendante do prejuízo equivalente ao valor do VRG;
(e) dever a arrendante sempre recuperar o valor investido, como reconhecido na própria inicial;
(f) no caso de inadimplência do contrato, o bem é reintegrado à posse do arrendante, que deverá vendê-lo em leilão, e, após a transformação do bem recuperado em dinheiro, faz-se com o arrendatário uma prestação de contas, visando averiguar a existência ou não de crédito ou débito.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 595/617.
Contestação do 4º réu a fls. 732/758, pleiteando, preliminarmente:
(a) ile-gitimidade ativa e falta de interesse jurídico da autora;
(b) impossibilidade jurídi-ca do pedido, diante da inutilidade da tutela coletiva para os supostos beneficiários do provimento jurisdicional perseguido;
(c) carência do direito de ação, em faze da inocorrência de tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos;
(d) existência de litisconsórcio passivo necessário, com a inclusão de todas as instituições financeiras que concedem leasing financeiro de veículos.
No mérito, aduz, em síntese:
(a) não ser o leasing locação nem a parcela mensal aluguel;
(b) já haver o E. STJ se pronunciado no sentido de ser o arrendatário (consumidor) quem responde pelos riscos de perecimento da coisa no contrato de leasing, "razão pela qual o seguro o beneficia ao invés de prejudicar";
(c) ser o leasing contrato de execução diferida, surgindo a obrigação do arrendatário no momento da assinatura do instrumento;
(d) subsidiariamente, dever a eventual sentença serem concedidos efeitos prospectivos, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica;
(e) também subsidiariamente, dever ter eventual sentença eficácia territorial apenas à presente Comarca.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 760/773.
Contestação do 12º réu a fls. 774/803 pleiteando, preliminarmente:
(a) ile-gitimidade ativa da autora;
(b) falta de interesse jurídico, por ausência de relação de consumo;
(c) impossibilidade jurídica do pedido, diante da inadequação de rito processual;
(d) dever ser limitada a abrangência de eventual provimento da demanda aos limites territoriais do Órgão prolator.
No mérito, aduz, em síntese:
(a) inexistência de nulidade das cláusulas contratuais;
(b) inexistência de enriquecimento ilícito;
(c) a não existência de requisitos para a concessão de tutela antecipada;
(d) a improcedência do pedido de apresentação de registro individualizado e de intimação do BACEN;
(e) idem quanto ao pedido de substituição do bem sinistrado por outro;
(f) a licitude da cláusula que prevê obrigações ao arrendatário quanto à devolução antecipada do bem arrendado;
(g) idem quanto à sua perda.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 818/820.
Contestação do 11º réu a fls. 821/850, pleiteando, preliminarmente:
(a) i-legitimidade ativa e falta de interesse jurídico da autora;
(b) prescrição quinque-nária.
No mérito, aduz, em síntese:
(a) serem as cláusulas impugnadas próprias da natureza do contrato assinado;
(b) inexistir qualquer ilicitude a justificar a de-volução em dobro dos valores pagos;
(c) ser improcedente o pedido de registro individualizado dos contatos celebrados;
(d) não se acharem presentes os requisitos essenciais para a concessão de tutela antecipada.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 852/873.
Contestação do 8º réu a fls. 874/899, pleiteando, preliminarmente:
(a) ile-gitimidade ativa;
(b) prescrição.
No mérito, aduz, em síntese:
(a) não serem ilegais as cláusulas contratuais impugnadas;
(b) acharem-se ausentes as alegadas abusividades dos valores dobrados nas operações mencionadas, atendo-se às características próprias do contrato de arrendamento;
(c) subsidiariamente, dever ser o valor devolvido de forma simples.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 900/933.
Contestação do 6º réu a fls. 934/1.007, pleiteando, preliminarmente:
(a) ausência de citação de litisconsortes necessários, no caso, o Conselho Monetá-rio Nacional e o BACEN;
(b) incompetência absoluta da Justiça Estadual;
(c) ilegitimidade ativa;
(d) falta de interesse de agir.No mérito, aduz, em síntese: (a) não serem ilegais as cláusulas contratuais impugnadas; (b) acharem-se ausentes as alegadas abusividades dos valores dobrados nas operações mencionadas, atendo-se às características próprias do contrato de arrendamento; (c) subsidiariamente, dever ser o valor devolvido de forma simples.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1.008/1.103.
Contestação do 3º réu a fls. 1.104/1.142, pleiteando, preliminarmente: (a) ilegitimidade passiva. No mérito, aduz, em síntese: (a) não serem ilegais as cláusulas contratuais impugnadas; (b) acharem-se ausentes as alegadas abusividades dos valores dobrados nas operações mencionadas, atendo-se às características próprias do contrato de arrendamento; (c) já haver decidido o E. TJRJ quanto à impossibilidade do deferimento de tutela antecipada no caso dos autos.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1.143/1.160.
Contestação do 1º réu a fls. 1.161/1.213, pleiteando, preliminarmente: (a) ilegitimidade ativa; (b) ilegitimidade passiva; (c) impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, aduz, em síntese: (a) não serem ilegais as cláusulas contratuais impugnadas; (b) acharem-se ausentes as alegadas abusividades dos valores dobrados nas operações mencionadas, atendo-se às características próprias do contrato de arrendamento.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1.214/1.240.
Contestação do 5º e 9º réus a fls. 1.242/1.294, pleiteando, preliminarmente: (a) ilegitimidade ativa; (b) impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, aduzem, em síntese: (a) não serem ilegais as cláusulas contratuais impugnadas; (b) acharem-se ausentes as alegadas abusividades dos valores dobrados nas operações mencionadas, atendo-se às características próprias do contrato de arrendamento.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1.295/1.415.
Contestação do 10º réu a fls. 1.416/1.439, pleiteando, preliminarmente: (a) ilegitimidade ativa; (b) ilegitimidade passiva; (c) ausência de interesses individuais homogêneos. No mérito, aduzem, em síntese: (a) não serem ilegais as cláusulas contratuais impugnadas; (b) acharem-se ausentes as alegadas abusividades dos valores dobrados nas operações mencionadas, atendo-se às características próprias do contrato de arrendamento.
Acompanham a contestação os documentos de fls. 1.440/1.470.
Decisão de fls. 1.472, declarando a revelia do 2º réu.
Réplica a fls. 1.479/, requerendo a rejeição das preliminares e, no mérito, reportando-se à inicial.
Acompanham a réplica os documentos de fls. 1.553/1.564.
Manifestação do Ministério Público a fls. 1.572/1.588, opinando, em sínte-se: (a) pela rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa, com fulcro no disposto no art. 82, inciso III do CDC, sendo que o fato da atividade da autora estar rela-cionada primordialmente à elaboração de leis, não lhe retira a legitimidade para a propositura da ação, existindo a Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ exatamente para promover a defesa do consumidor; (b) idem quanto ao interesse de agir, encontrando-se nos autos o trinômio necessidade, utilidade e adequação da demanda para veicular a pretensão autoral; (c) idem quanto à preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, visando a presente ação questionar cláusulas contratuais que prevêm a cobrança de parcelas vincendas nas hipóteses de rescisão ou liquidação dos contratos de arrendamento mercantil (leasing) oferecidos pelos réus; (d) idem quanto ao pedido de ilegitimidade passiva, por se confundir com o próprio mérito, salvo quanto ao 2º réu, por não mais existir, conforme comprovante de inscrição e de situação cadastral de fls. 1.155); (e) idem quanto à existência ou não de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, por tratar-se inequivocamente de interesses transindividuais e indivisíveis, de um lado procurando proteger todos os consumidores expostos a eventual estipulação abusiva, bem assim como aqueles que, já tendo celebrado contrato de arrendamento com os réus, acharem-se sujeitos à abusividade por eles cometidas; (f) idem quanto à prescrição, não prevendo o CDC qualquer prazo prescricional para as ações coletivas, salvo por fato causado por fato do produto ou do serviço.
Acompanham o parecer os documentos de fls. 1.589/1.591.
Manifestação do 10º réu a fls. 1.598/1.603, requerendo prova oral e do-cumental.
Manifestação do 4º réu a fls. 1.606, requerendo prova pericial econômico-financeira.
Manifestação do 8º réu a fls. 1.607/1.608, requerendo prova pericial e documental complementar.
Manifestação do 1º réu a fls. 1.609/1.610, requerendo prova oral, docu-mental e pericial.
Manifestação dos 5º e 9º réus a fls. 1.611/1.6123, requerendo prova oral, documental e pericial.
Manifestação do 11º réu a fls. 1.613, sem provas a produzir.
Manifestação do 7º réu a fls. 1.614, requerendo prova documental e peri-cial contábil.
Manifestação do 6º réu a fls. 1.615/1.625, requerendo prova oral, docu-mental e pericial.
Manifestação do 3º réu a fls. 1.626/1.649, requerendo prova documental complementar e pericial.
Manifestação do 12º réu a fls. 1.650/1.651, requerendo julgamento antecipado da lide.
Manifestação da autora a fls. 1.652/1.653, requerendo juntada da prova documental suplementar em anexo, e reiterando pedido constante da inicial de apresentação pelos réus de relação de contratos celebrados e de se oficiar ao BACEN.
Acompanham a manifestação acima os documentos de fls. 1.654/1.846.
Manifestação do Ministério Público a fls. 1.848, afirmando ratificando as provas requeridas.
Decisão de fls. 1.855, dando provimento parcial a recurso de embargos declaratórios apresentados pelo 3º réu, fundamentando a decisão que decretou a revelia do 2º réu.
A fls. 1.924/1.925, publicação do edital a que se refere o art. 94 do CDC.
A fls. 1.927/1.930, pedido da Associação Brasileira das Empresas de Leasing - ABEL, na qualidade de amicus curiae.
Decisão de fls. 1.948, indeferindo o pedido acima, por estarem os autos prontos para prolação de sentença, e declarando desnecessária a dilação proba-tória, por tratar-se unicamente de questões jurídicas.
Parecer final do Ministério Público a fls. 1.950/1.956, opinando pela proce-dência do pedido.
Memoriais do 12º réu a fls. 2.234/2.242, acompanhado dos documentos de fls. 2.243/2.252.
É o relatório. Decido.
Trata-se de ação coletiva de consumo ajuizada pela COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, visando questionar cláusulas contratuais que prevêm a cobrança de parcelas vincendas nas hipóteses de rescisão ou liquidação dos contratos de arrendamento mercantil (leasing) oferecidos pelos réus, bem como a devolução em dobro dos valores pagos em excesso.
Rejeito a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual, não repercutindo o pleito na esfera jurídica da CMN nem tampouco do BACEN, e por não achar-se presente o disposto no art. 109, inciso I da CF.
Outrossim, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa, com fulcro no disposto no art. 82, inciso III do CDC, sendo que o fato da atividade da autora estar relacionada primordialmente à elaboração de leis, não lhe retira a legitimi-dade para a propositura da ação, existindo a Comissão de Defesa do Consumidor da ALERJ exatamente para promover a defesa do consumidor.
Da mesma forma, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir, encontrando-se nos autos o trinômio necessidade, utilidade e adequação da demanda para veicular a pretensão autoral.
Rejeito, ainda, a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, eis que visa a presente ação questionar cláusulas contratuais que prevêm a cobrança de parcelas vincendas nas hipóteses de rescisão ou liquidação dos contratos de ar-rendamento mercantil (leasing) oferecidos pelos réus, inexistindo qualquer vedação legal que impeça seu ajuizamento.
Rejeito também as preliminares de ilegitimidade passiva, por se confundir com o próprio mérito, salvo quanto ao 2º réu, por não mais existir, conforme comprovante de inscrição e de situação cadastral de fls. 1.155.
Rejeito a preliminar de inexistência de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, por tratar-se inequivocamente de interesses transindividuais e indivisíveis, de um lado procurando proteger todos os consumidores expostos a eventual estipulação abusiva, bem assim como aqueles que, já tendo celebrado contrato de arrendamento com os réus, acharem-se sujeitos à abusividade por eles cometidas;
Finalmente, rejeito a preliminar de prescrição, não prevendo o CDC qualquer prazo prescricional para as ações coletivas, salvo por fato causado por fato do produto ou do serviço, o que não é o caso dos autos.
Quanto ao mérito, o cerne da questão é a legalidade ou não de cláusulas constantes de contratos de arrendamento mercantil para aquisição de veículos automotor (leasing), celebrados pelas partes.
Como é sabido, o instituto do arrendamento mercantil é definido pelo art. 1º da Lei nº 6.099/74, como "o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo es-pecificações da arrendatária e para uso desta".
Ao término do prazo contratado, o arrendatário (consumidor) terá três opções distintas: (1) renovar o contrato por igual período; (2) devolver o bem arrendado à arrendadora ou, por último, (3) dela adquirir o bem, pelo valor de mercado ou por um valor residual garantido previamente no contrato (VRG). Este poderá ser pago antecipadamente, diluído nas parcelas pagas à arrendadora, referentes à locação do bem arrendado. Assim, ao final do contrato, na hipótese da aquisição do bem pelo arrendatário, este não terá que desembolsar qualquer valor, por já havê-lo feito durante o contrato.
Examinando-se a prova produzida nos autos, de natureza exclusivamente documental, verifico que, consoante contrato de adesão de arrendamento mercantil celebrado entre as partes, de natureza padrão, ao contrário do afirmado pela autora: (1) é dada ao arrendatário a opção de contratar seguro do bem arrendado; (2) há previsão contratual quanto à forma de liquidação, para ambos os casos, ou seja, com ou sem seguro contratado; (3) existe a possibilidade de manutenção do contrato com a substituição do bem por outro equivalente; (4) no caso de recebimento de indenização securitária, o consumidor não é obrigado a pagar as parcelas vincendas, como se o contrato estivesse em vigor, pois os valores recebidos da seguradora são empregados na amortização da dívida, recebendo o consumidor eventual saldo e (5) nos casos de inexistência de seguro contratado pelo arrendatário, caberá a este substituir o bem por outro equivalente, ou, ainda, ressarcir o arrendante do prejuízo equivalente ao valor do VRG, dentro do princípio de dever o arrendante sempre recuperar o valor investido, como, aliás, é reconhecido pela autora na própria inicial (cláusulas 10ª, 11ª e 12ª - fls. 602/607).
Assim, na hipótese da não celebração de contrato de seguro pelo arrendatário-consumidor, este deverá substituir o bem por outro equivalente, ou, ainda, ressarcir o arrendante do prejuízo equivalente ao valor do VRG.
Contudo, entendo que, tratando-se de contrato de arrendamento mercantil, o arrendante permanece dono da coisa arrendada até o final do contrato, somente sendo transferido o domínio se houver essa opção feita pelo consumidor. Desse modo, se a coias perece por ausência de dolo ou culpa do arrendatário, não pode ser este quem irá sofrer o prejuízo, de acordo com a regra res perit domino (arts. 233 a 236 do CCB). Portanto, em caso de roubo ou furto do bem arrendado, sem que o arrendatário tenha contribuído com culpa ou dolo, ainda que não tenha sido efetuado contrato de seguro, não pode ser cobrado do consumidor o prejuízo do arrendante pela perda da coisa.
Por outro lado, conforme recentemente decidido pelo E. STJ, no Recurso Especial Repetitivo nº 1.099.212, para os efeitos do art. 543-C do CPC, ficou pacificada a seguinte tese:
"Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais".
Outrossim, está pacificado junto àquela E. Corte o entendimento de que, retomada a posse direta do bem pelo arrendante, através de ação de reintegra-ção de posse, extinta está a possibilidade do arrendatário (consumidor) adquirir referido bem, quando deverá ser-lhe devolvido o valor residual pago antecipadamente, sob pena de enriquecimento ilícito da arrendante.
Desse modo, o E. STJ já fixou jurisprudência no sentido de, na hipótese de inadimplemento do contrato de arrendamento mercantil, com ou sem culpa do arrendatário, sendo o produto da soma do VRG pago antecipadamente com o valor da venda do bem, maior que o valor total contratado como VRG, ser devida a devolução ao arrendatário da diferença apurada, e, se também estipulado previamente, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais.
Ou-trossim, reconheceu igualmente que, após a retomada do bem em ação de rein-tegração de posse, o arrendatário não mais poderá exercer o direito de compra, devendo-lhe apenas ser devolvido o VRG, sob pena de enriquecimento ilícito.
Havendo manifesto abuso de direito, nos casos de inexistência de seguro contratado pelo arrendatário, exigindo deste substituir o bem por outro equivalente, ou, ainda, ressarcir o arrendante do prejuízo equivalente ao valor do VRG, quando o perecimento do bem não decorrer de culpa ou dolo do arrendatário, é devida a devolução em dobro dos valores pagos, na forma do disposto no art. 92 do CDC.
Quanto à extensão territorial da presente decisão, tenho que o art. 16 da Lei 9.494/97 criou perplexidade técnica. Contudo, não se pode olvidar que a coisa julgada é um dos fenômenos mais difíceis de compreender e mais polêmi-cos do Direito.
Deixando de lado as polêmicas sobre as diferenças entre efeitos e eficá-cias da sentença, autoridade e eficácia da sentença, mutabilidade e imutabilida-de dos efeitos que a sentença produz e teoria processual e teoria material sobre a coisa julgada, esta (a coisa julgada material) pode ser definida como a quali-dade que se adiciona, em dadas circunstâncias, ao efeito declaratório da sentença, tornando-a imutável. Assim, sob seu efeito negativo, a coisa julgada impede novo julgamento daquilo que já fora decidido na demanda anterior e, sob seu efeito positivo, vincula o juiz do segundo processo, que não pode deixar de levar em conta a sentença com coisa julgada, no processo que se lhe apresenta para julgamento.
Portanto, a qualidade da coisa julgada que adere à sentença não guarda qualquer vinculação com a competência do juízo que prolatou a decisão. E a ra-zão é muito simples: a coisa julgada adere à sentença trazendo-lhe a imutabili-dade a seu efeito declaratório porque a sentença é ato de poder, poder jurisdicional. Ou seja, por ser a sentença produto da jurisdição, pode alcançar a autoridade da coisa julgada.
A fim de prestar a jurisdição com a maior eficiência possível, o Estado distribuí entre seus diversos órgãos investidos de poder jurisdicional, a tarefa de dizer sobre o direito. Para tal utilizasse de critérios variados para atribuir aos ór-gãos jurisdicionais a chamada competência, limite, dentro do qual, cada órgão exerce a mesma jurisdição de que todos estão investidos.
A norma contida no art. 16 da Lei 9.494/97 parece confundir jurisdição com competência. O fato de um órgão jurisdicional ter sua competência territorial limitada, não limita seu poder jurisdicional àquela comarca. A jurisdição como poder soberano do Estado, se estende até onde o país exerça sua soberania, diante do princípio da territorialidade. A coisa julgada que qualifica decisão do órgão jurisdicional da menor e mais longínqua comarca se estende por todo território nacional. Em ação individual, ninguém duvida que sentença transitada em julgado, proferida em juízo de determinada comarca, não pode ser modificada por outro juízo de comarca diversa, ainda que de outra unidade da Federação, sob pena de se macular o princípio federativo, pois a jurisdição é uma função de Poder da República. Nas ações coletivas não há razão técnica para se agir de forma diversa, considerando que a coisa julgada é fenômeno decorrente de ato de jurisdição, e os problemas sobre limites subjetivos foram bem solucionados pelo disposto no art. 103 do CDC.
Portanto, o disposto no art. 16 da lei 9.494/97 é inconstitucional e a sentença aqui prolatada produz efeitos em todo território nacional.
ISSO POSTO:
(a) julgo o processo extinto, sem resolução de mérito, quanto ao 2º réu, diante de sua ilegitimidade passiva, o que faço com fulcro no art. 267, inciso VI do CPC;
(b) julgo parcialmente procedente o pedido de declaração de nulidade da cláusula contratual referida do contrato de arrendamento mercantil celebrado entre as partes, que impõe a cobrança de parcelas vincendas dos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre elas, na hipótese de liquidação antecipada do contrato por perda do bem sem cul-pa do consumidor, ainda que este não celebre contrato de seguro;
(c) condeno os réus a restituírem, em dobro, todos os valores cobrados indevidamente, no caso de liquidação do contrato por perda do bem sem culpa do arrendatário, ainda que não tenha celebrado contrato de seguro;
(d) condeno, os réus, para fins do item anterior, na obrigação de fazer consistente em apresentar, no prazo de sete dias, registro individualizado que permita verificar o tempo efetivo de duração dos contratos de arrendamento celebrados nos últimos 10 anos, para efeito de habilitação e levando-se em conta o interesse público das medidas visando coibir o enriquecimento sem causa, sob pena de multa diária de R$ 1.000 mil reais;
(e) determino a intimação do BACEN para apresentar subsídios que permitam identificar todos os contratos de arrendamento mercantil celebrados pelos réus nos últimos 10 anos.
Condeno os réus ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado, que fixo em 10% sobre o valor da causa.
Rio de Janeiro, 15 de maio de 2013.
Marcia C.S.A.de Carvalho
Juiz de Direito