Especial do STJ aborda jurisprudência da Corte sobre cheques
STJ já tratou de questões como execução, prescrição e indenização por erros.
Da Redação
domingo, 7 de abril de 2013
Atualizado às 10:45
Reportagem publicada
no site do STJ aborda diferentes julgados da Corte acerca de questões como
execução, prescrição, indenização por erros ou mesmo delitos como fraude e
roubo de cheques.
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Ter um talão de
cheques não é difícil. Basta que a pessoa possua conta corrente em algum banco
e não tenha restrição de crédito. Durante décadas, antes que essa forma de
pagamento tivesse seu lugar no mercado ameaçado pelo cartão de crédito, a
manipulação de um talão de cheques dava ao correntista um ar de sofisticação e
status.
A popularização do uso
dos cheques, contudo, trouxe consigo a insegurança e a desconfiança, pois
aquele pequeno pedaço de papel não oferecia a garantia de que a conta teria
fundos suficientes para o pagamento do valor ali expresso.
Além da devolução por
falta de fundos, vieram outros problemas, como as fraudes e as confusões
geradas pelo cheque pós-datado. Muito demandado em relação ao assunto, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando jurisprudência sobre esse
título de crédito, em relação a questões como execução, prescrição, indenização
por erros ou mesmo delitos como fraude e roubo.
Insignificância
O Tribunal, por
exemplo, negou a aplicação do princípio da insignificância a um caso de furto
em que o réu se aproveitou da relação de amizade com a vítima para furtar
quatro folhas de cheque em branco. A Sexta Turma do STJ considerou que a
existência de maus antecedentes e a má conduta do réu, que abusou da confiança
do amigo, justificaram a sua condenação à pena de dois anos e 11 meses de
reclusão (HC 135.056).
Em outro caso, o mesmo
colegiado negou habeas corpus a um homem que cometeu o crime de estelionato ao
subtrair um talão de cheques e falsificar a assinatura do titular em duas
folhas, realizando em seguida compras de mercadorias no valor de R$ 43 e R$ 51.
O homem foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão, em regime
semiaberto.
O relator do caso,
ministro Og Fernandes, entendeu que a falta de exame grafotécnico nos cheques
fraudados pode ser suprida por outras provas.
"No caso, a materialidade
do delito teria sido demonstrada pelo boletim de ocorrência registrado pela
vítima, apreensão das microfilmagens dos cheques, auto de exibição e apreensão
de cópia de comprovante de abertura de conta corrente em nome da vítima, termo
de coleta de padrões gráficos do réu e confissão na fase do inquérito e em
juízo", afirmou o ministro (HC 124.908).
Prescrição
Como o cheque é ordem
de pagamento à vista, a sua eficácia para o saque inicia-se com a simples
entrega por parte do emitente ao beneficiário, podendo este dirigir-se
imediatamente à agência bancária para proceder ao saque ou depósito. O prazo de
apresentação serve como orientação para a contagem do prazo prescricional.
O STJ já consolidou o
entendimento de que o cheque deixa de ser título executivo no prazo de seis
meses, contados do término do prazo de apresentação fixado à data em que foi
emitido, e a regra persiste independentemente de o cheque ter sido emitido de
forma pós-datada.
Segundo o ministro
Luis Felipe Salomão, o uso do cheque pós-datado, embora disseminado
socialmente, traz riscos ao tomador do título, como o encurtamento do prazo
prescricional e a possibilidade de ser responsabilizado civilmente pela
apresentação do cheque antes do prazo estipulado (REsp 875.161).
Para a ministra Nancy
Andrighi, ainda que seja prática costumeira na sociedade moderna, a emissão de
cheques pós-datados não encontra previsão legal. "Admitir-se que do acordo
extracartular decorram os efeitos almejados pela parte recorrente importaria na
alteração da natureza do cheque como ordem de pagamento à vista, além de
violação dos princípios da literalidade e abstração", afirmou (REsp 1.068.513).
Em outro julgamento, a
Terceira Turma decidiu que ação cautelar de sustação de protesto de cheque
interrompe a prescrição da execução (REsp 1.321.610).
A decisão foi tomada
no julgamento de recurso especial interposto por microempresa, no curso de
embargos à execução de cheque. A parte alegou a prescrição do cheque que deu
origem à execução.
Segundo a relatora,
ministra Nancy Andrighi, o credor não foi desidioso, apresentando o cheque para
protesto antes de decorrido o prazo de prescrição e aguardando o trânsito em
julgado das ações impugnativas promovidas pela devedora para só então executar
o título, comprovando sua boa-fé.
A Quarta Turma, no
julgamento do REsp 926.312, entendeu que é possível ação monitória baseada em cheque
prescrito há mais de dois anos sem demonstrar a origem da dívida. De acordo com
o ministro Luis Felipe Salomão, em caso de prescrição para execução do cheque,
o artigo 61 da Lei 7.357/85 prevê, no prazo de dois anos a contar da
prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de enriquecimento ilícito.
Expirado esse prazo, o artigo 62 da Lei do Cheque ressalva a possibilidade de
ajuizamento de ação fundada na relação causal.
Luis Felipe Salomão
destacou ainda que a jurisprudência do STJ também admite o ajuizamento de ação
monitória (Súmula 299), reconhecendo que o próprio cheque satisfaz a exigência
da "prova escrita sem eficácia de título executivo" a que se refere o artigo
1.102-A do Código de Processo Civil.
Execução
A execução do cheque é
forma de cobrança simples, rápida e eficaz de título cambial. O STJ já entendeu
que, para poder ser executado, o cheque deve ter sido apresentado à instituição
financeira dentro do prazo legal. A falta de comprovação do não pagamento do
título retira sua exigibilidade (REsp 1.315.080).
Para o ministro Luis
Felipe Salomão, "por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista",
o cheque tem seu momento natural de realização na apresentação, "quando então a
instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de fundos,
razão pela qual a apresentação é necessária, quer diretamente ao sacado quer
por intermédio do serviço de compensação".
Em outro julgamento, a
Terceira Turma do STJ definiu que empresa que endossa cheque de terceiro
perante factoring também é responsável pelo pagamento do valor do título (REsp
820.672).
No caso, a empresa de
factoring ajuizou ação de execução contra a empresa e contra a pessoa que
emitiu o cheque, com o objetivo de cobrar importância de cerca de R$ 1 mil. Ao
analisar a questão, o colegiado destacou: "A lei é mais que explícita: quem
endossa garante o pagamento do cheque. Seja o endossatário quem for. A lei não
faz exclusões. Portanto, não cabe criar exceções à margem da lei."
Outra decisão do STJ
garantiu aos credores o acesso ao endereço de emitente de cheque sem fundos.
Para os ministros da Quarta Turma, o banco tem dever geral de colaboração com o
Judiciário e deve fornecer o endereço, se determinado pela Justiça (REsp
1.159.087).
Para o colegiado, o
sigilo bancário é norma infraconstitucional e não pode ser invocado de modo a
tornar impunes condutas ilícitas ou violar outros direitos conflitantes. Além
disso, os ministros afastaram a alegação de que a medida viola direitos do consumidor.
"Apesar de o Código de
Defesa do Consumidor alcançar os bancos de dados bancários e considerar abusiva
a entrega desses dados a terceiros pelos fornecedores de serviços, o CDC impõe
que se compatibilizem a proteção ao consumidor e as necessidades de
desenvolvimento econômico", destacou o ministro Luis Felipe Salomão, relator do
caso.
Indenização
Acordo em cheque
pós-datado não vincula terceiros que o sacaram antes do prazo. Dessa forma, o
terceiro de boa-fé não está sujeito a indenizar o emitente por eventuais danos
morais decorrentes da apresentação antes da data combinada. O entendimento foi
aplicado pela Quarta Turma (REsp 884.346).
Segundo o relator,
ministro Luis Felipe Salomão, era incontroverso no caso que o cheque circulou e
que não constava como data de emissão aquela supostamente pactuada, mas a data
em que foi efetivamente emitido. "O cheque é ordem de pagamento à vista e
submete-se aos princípios da literalidade, abstração, autonomia das obrigações
cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé",
afirmou.
O ministro observou
que, apesar de a Súmula 370 do próprio STJ orientar que há dano moral na
apresentação antecipada do cheque pós-datado, essa regra se aplica aos
pactuantes e não a terceiros.
Em outro julgamento, a
Terceira Turma condenou o Banco ABN Amro Real S/A ao pagamento de R$ 5 mil por
danos morais a correntista que teve o seu nome incluído do Cadastro de
Emitentes de Cheques sem Fundo. O motivo foi a devolução de forma errada, por
insuficiência de fundos, de um cheque que já estava prescrito (REsp 1.297.353).
A Turma, seguindo o
voto do ministro Sidnei Beneti, concluiu que o prazo estabelecido para
apresentação do cheque serve, entre outras coisas, como limite temporal da
obrigação que o emitente tem de manter provisão de fundos em conta bancária
suficiente para a compensação do título.
"A instituição
financeira não pode devolver o cheque por insuficiência de fundos se a
apresentação tiver ocorrido após o prazo que a lei assinalou para a prática
desse ato", acrescentou.
O STJ condenou outra
instituição bancária a pagar indenização por ter devolvido cheques sustados ao
devedor, e não ao credor. No caso, a Quarta Turma manteve a condenação do Banco
do Brasil a indenizar por danos morais, no valor de R$ 10 mil, a Associação
Comunitária de Laginha, na Paraíba, por sustação de dois cheques (REsp
896.867).
A associação celebrou
convênio com o estado da Paraíba, mediante o Projeto Cooperar, para a
construção de rede de eletrificação rural. Sustentou que o Projeto Cooperar
depositou dois cheques na sua conta corrente, no valor de R$ 22.271,57, que
serviriam para pagar a empresa contratada por ela.
Ocorre que os cheques
foram sustados pela administração pública, sendo o valor estornado da conta
corrente da associação. Porém, ao invés de a instituição bancária ter devolvido
os títulos para o credor (associação), entregou-os ao devedor (Projeto
Cooperar), conduta essa que impediu a associação de exercer seus direitos
creditórios e pagar suas obrigações junto a fornecedores.
Para o ministro Luis
Felipe Salomão, relator, o governo do estado não tem atribuição para emitir
normas relativas a procedimentos bancários, notadamente as concernentes a
cheques.
"Ainda que se
reconhecesse alguma vinculação entre o governo estadual e a instituição
bancária, o que não ocorre, notadamente quanto a procedimentos bancários, não
cometeria ato ilícito a instituição que deixasse de cumprir determinação
manifestamente ilegal", afirmou o ministro.