Alcoolismo crônico não pode justificar dispensa de trabalhador
Jurisprudência do TST foi fixada neste sentido.
Da Redação
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Atualizado às 15:46
A dispensa, com ou sem justa causa, de empregados considerados dependentes de álcool tem sido objeto de exame no TST. Em matéria especial a Corte ressalta que a jurisprudência consolidou-se no sentido do reconhecimento de que o alcoolismo é doença crônica, que deve ser tratada ainda na vigência do contato de trabalho.
Para o TST, a assistência ambulatorial ao empregado traduz coerência com os princípios constitucionais de valorização e dignidade da pessoa humana e de sua atividade laborativa. Dentre os recursos analisados pelo TST encontram-se os que apreciaram questões afetas à justa causa aplicadas a empregados reconhecidamente dependentes do álcool.
Veja abaixo.
Nos autos do AIRR-397-79.2010.5.10.0010 foi examinado recurso por meio do qual a ECT pretendia ver reconhecida a conduta reprovável de empregado que havia sido demitido por justa causa. O julgamento ocorreu em 14 de novembro de 2012, em sessão da Sexta Turma.
Segundo admitido pelo próprio carteiro, ele encontrava-se em estado de confusão mental causada pela ingestão de remédios controlados e álcool, quando praticou ofensas aos colegas de trabalho.
A sentença que afastou a justa causa ante o reconhecimento da doença sofrida pelo reclamante foi ratificada pelo TRT da 10ª região (DF/TO).
Para os desembargadores, a prova técnica atestou que o reclamante, que tem antecedentes hereditários de alcoolismo, preenchia seis critérios do DSM-IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), caracterizando a dependência do álcool pelo empregado.
A conclusão do Regional foi a de que o reclamante não tinha consciência plena dos atos praticados, os quais, supostamente, embasariam a decretada justa causa alegada pela empresa para o encerramento do contrato de trabalho.
No TST, o agravo de instrumento da ECT foi analisado pela 6ª turma, que confirmou o acerto da decisão Regional. Para o relator dos autos, ministro Augusto César de Carvalho, o carteiro não podia ter sido dispensado se era portador de alcoolismo crônico, que atualmente também é classificado como doença e catalogado no Código Internacional de Doenças, principalmente porque, naquele momento, encontrava-se licenciado para tratamento de saúde.
O magistrado destacou, também, a falta de consciência do autor acerca de seus próprios atos. A consciência, um dos pilares da justa causa, é exigida daquele que comete atos de mau procedimento, bem como o discernimento de estar atuando de forma reprovável, em violação às normas de conduta social e ao próprio contrato de trabalho.
No início de dezembro de 2012, a Sexta Turma também abordou a questão da impossibilidade da dispensa por justa causa em razão de mau comportamento de indivíduo dependente de substância alcóolica (AIRR-131040-06.2009.5.11.0052).
Em que pese ter sido negado provimento ao recurso em razão de impropriedades técnicas, o fato é que a decisão do TRT da 11ª região considerou a farta documentação dos autos atestando a doença do empregado para desconstituir a justa causa imputada. A Corte Trabalhista Regional ressaltou que o "portador da síndrome deveria ser submetido a tratamento, com vistas à sua reabilitação e não penalizado".
No entanto, a Justiça Trabalhista entende que a embriaguez em serviço de empregado saudável - não alcoólatra - constitui falta grave a justificar a aplicação da justa causa para o encerramento da relação de emprego.
OMS
A admissão como doença do alcoolismo crônico foi formalizada pela OMS - Organização Mundial de Saúde, cujos dados divulgados em 2011 retratam que a cerveja é a bebida mais consumida no país. O mal foi classificado pela entidade como síndrome de dependência do álcool, cuja compulsão pode retirar a capacidade de compreensão e discernimento do indivíduo.
De acordo com estudo divulgado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o álcool também é a substância psicoativa preferida da população mundial, sendo consumida por quase 69% dos brasileiros. Os dados colhidos na pesquisa revelam, ainda, que 90% das internações em hospitais psiquiátricos por dependência de drogas ocorrem pelo uso de álcool.
Legislativo
O Poder Legislativo está atento à condição de o alcoolismo ser questão de saúde pública. Nesse sentido, destaca-se a tramitação no Senado do PL 83/12, que, em atenção aos aspectos referidos pela jurisprudência trabalhista, propõe a alteração da alínea 'f' do artigo 482 da CLT.
A intenção do legislador, conforme a justificação anexa ao PL, é distinguir o dependente alcoólico daquele usuário ocasional ou do consumidor regular que não apresenta padrão de dependência, "para evitar a aplicação indiscriminada das disposições do Projeto a pessoas que não demandam proteção específica da Lei".
Nos termos do texto original, ainda com a redação de 1943, época da aprovação da CLT, dentre outras razões de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, está a embriaguez habitual ou em serviço. O PL 83/12 também objetiva a inserção de um segundo parágrafo no artigo 482 da CLT.
O texto proposto, além de exigir a comprovação clínica da condição de alcoolista crônico, vincula o reconhecimento da embriaguez em serviço como causa de encerramento do contrato de trabalho por justa causa, exclusivamente, quando houver recusa pelo empregado de se submeter a tratamento assistencial.
Por meio dessa mesma proposta, ante a justificativa de ausência de previsão, é também formalizada alteração do artigo 132 da lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Civis da União, autarquias e das fundações públicas federais), para promover a "proteção ao alcoolista que apresente dois dos mais notáveis sintomas de dependência: o absenteísmo e o comportamento incontinente e insubordinado - causas de demissão do servidor, nos termos dos incisos III e V do caput daquele artigo". No Senado, o PL encontra-se na CCJ, aguardando designação de relator para a matéria.