Justiça concede licença-maternidade para mulher amamentar filho da companheira
A mãe biológica é autônoma e não pode amamentar o recém-nascido.
Da Redação
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Atualizado às 08:50
O juiz de Direito Marco Antonio da Silva Lemos, da 3ª vara da Fazenda Pública do DF, concedeu para servidora do Hospital de Base de Brasília a saída por 180 dias em licença-maternidade, sem prejuízo da remuneração, para amamentar o filho gerado por sua companheira.
No caso, a servidora afirmou que o bebê nasceu com baixo peso e dificuldade de sucção e que a mãe biológica é autônoma e não pode amamentá-lo. Assim, fez tratamento hormonal para dar leite e passou a amamentar a criança. Após ter o pedido de licença negado no trabalho, a mulher ajuizou o MS para assegurar o direito.
O julgador afirmou que o direito pleiteado pela autora não é líquido e certo, e que deveria ter se valido de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela. Ainda assim, ponderou que "no caso, existe inquestionável periculum in mora, relativamente às necessidades do recém-nascido, com vistas à preservação de sua saúde e mesmo de sua própria vida. Esses valores devem ser preservados, por imperativo de justiça e de efetividade da ordem jurídica, em sendo o caso até mesmo de ofício."
O magistrado concedeu medida cautelar para assegurar que a autora possa gozar a licença e a manutenção da cautela fica condicionada ao ajuizamento de ação principal, no prazo de 30 dias.
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Processo : 2013011006953-4
Decisão Interlocutória
"Pode toda regra jurídica ser considerada como uma proposição que subordina a certos elementos de fato uma conseqüência necessária; incumbe ao intérprete descobrir e aproximar da vida concreta, não só as condições implícitas no texto, como também a solução que este liga às mesmas" [1]
"A atividade do hermeneuta é uma só, na essência, embora desdobrada em uma infinidade de formas diferentes. Entretanto, não prevalece quanto a ela nenhum preceito absoluto: pratica o hermeneuta uma verdadeira arte, guiada, cientificamente, porém jamais substituída pela própria ciência. Esta elabora as regras, traça as diretrizes, condiciona o esforço, metodiza as lucubrações; porém, não dispensa o coeficiente pessoal, o valor subjetivo, não reduz a um autômato o investigador esclarecido" [2]
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por A.H.S. contra suposto ato praticado pela GERENCIA DE PESSOAS DO HOSPITAL DE BASE DE BRASILIA, objetivando, em sede de tutela de urgência, a concessão da licença maternidade pelo período de 180 (cento e oitenta) dias.
Historia a impetrante, em breve síntese, ser servidora do Distrito Federal e que sua cônjuge, G.B.R.M., deu a luz a F.S.B., em cuja filiação consta esta última e a impetrante.
Informa ter pleiteado, administrativamente, a licença maternidade, mas não lhe foi dado resposta. Requer, assim, a concessão da liminar para que lhe seja concedida a licença maternidade.
Relatei. Decido.
De início, reitero o que tive ensejo de afirmar, já por diversas vezes, a respeito da confusão que, lamentavelmente, ainda paira nos meios jurídicos a respeito dos institutos de mandado de segurança e antecipação de tutela, e, em tal contexto, entre "direito líquido e certo" e "verossimilhança". Não são eles idênticos nem intercambiáveis. O mandamus, por sua natureza mandamental, só é viável para proteção de direito líquido e certo, cuja existência, eficácia e exigibilidade possam ser aferidos já de imediato, no próprio ato da impetração, uma vez que o instituto não comporta dilação probatória nem manejo para assegurar a aplicação de princípios jurídicos como a razoabilidade e a proporcionalidade.
Precisamente para isso é que o legislador previu a possibilidade de outro instrumental jurídico, que vem a ser a antecipação de tutela, que se dá no curso de procedimento processual ordinário, onde se torna possível a a invocação e obtenção liminar do direito perseguido, bastando para tanto que se demonstre sua verossimilhança (o direito buscado não é certo nem líquido, mas é verossível), uma vez que nele existe a possibilidade de dilação probatória e comprovação do alegado, a posteriori. Numa tutela antecipada, pela flexibilidade e plasticidade do instituto, aí sim, são invocáveis princípios como os da analogia, razoabilidade e da proporcionalidade, não sendo exigíveis peremptoriamente a liquidez e a certeza que devem necessariamente existir para o êxito de mandamus.
Este é precisamente o caso dos presentes autos.
Não há aqui, como facilmente se pode depreender, qualquer direito "líquido e certo", porquanto o direito material de que se cuida, a rigor, é endereçado a mulher gestante, v.g., a mulher em estado de gravidez, na dicção tanto do art. 7º, XVIII, CF, quanto da Lei Complementar nº 790/08/DF. Gravidez ou prenhez é a condição da mulher (homens, seres masculinos, ao menos por ora, não são susceptíveis de engravidamento) que carrega no ventre um óvulo fecundado, e este, confessadamente, não é o caso da impetrante. Embora não se contenda sobre sua condição de co-mãe, quem engravidou e deu à luz a F.S.B. não foi ela, mas sua consorte, G.B.R.M.. Nem há que se falar em ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, pois o direito em discussão (direito de mãe não gestante a licença-maternidade) não foi ainda objeto de previsão legal estrita e sequer restou pacificado ainda na jurisprudência. Trata-se de tema novo e sujeito a controvérsia. A Administração se sujeita à observância estrita do que esteja estampado em texto legal, e a lei não contempla a pretensão da impetrante; não há, pois, como verberar ou censurar o procedimento da autoridade impetrada. Muito embora o favor legal receba o nomen juris de "licença-maternidade", a mera condição de mãe não autoriza sua concessão; exige-se a condição de gestante.
Outra seria a hipótese se a impetrante tivesse se valido de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela. Em tese, sua pretensão poderia ser acolhida liminarmente, ante o fato de que esse seu alegado direito, conquanto não líquido nem certo, apresentaria entretanto certa verossimilhança, o que poderia ser comprovável em fase probatória, e a antecipação poderia então ser concedida, fundando-se, a discrição do julgador, no fumus boni iuris e no periculum in mora, sendo-lhe permitido valer-se inclusive de mecanismos de analogia e de integração - razoabilidade e proporcionalidade - para conduzir e dar solução à lide.
De todo modo, e para além disso, de melhor exame do processo, constato que ele apresenta uma outra faceta. É que, no bojo da lide, faz-se presente um outro interesse, que é abarcado e afetado pela controvérsia ora posta em juízo, que vem a ser o direito de F.S.B., recém-nascido, com menos de um mês de vida. Trata-se, consoante os registros e relatórios médicos que acompanham a inicial, de criança de baixo peso, com dificuldade de sucção ao seio materno, a necessitar de cuidados especiais. Informa-se também que sua mãe biológica, G.B.R.M., por ser profissional autônoma, está impedida de atender às necessidades de aleitamento e cuidados do neonato, motivo pelo qual a impetrante optou por efetuar tratamento hormonal com vistas a produzir leite materno, e que está presentemente fornecendo ao filho aleitamento mediante a técnica de translactação (relatório de fl. 17). Ora, esta é uma realidade fática que não pode ser encarada ou enfrentada com visão meramente formal ou acadêmica. Explanando sobre o novo Código Civil, Miguel Reale ressaltou a importância dos princípios que essa codificação instituiu ou que atualizou, com vistas a tornar o direito efetivo, real, concreto e operante:
"O novo Código Civil reconheceu e instrumentalizou novos princípios, ou revitalizou alguns já existentes, tais como a boa fé, a eticidade e a operabilidade. Por operabilidade, deve ser entendido que, a partir de seu reconhecimento e aplicação, o CC não mais deve estar cingido ao "academicismo puramente teórico", e sim à vida prática, vez que as leis têm por escopo servir à pessoa humana, e nunca o contrário. Isso foi titanicamente debatido quando da elaboração do projeto do novo Código Civil, onde restaram proclamados novos princípios informadores do Direito, entre os quais a eticidade, sociabilidade e operabilidade. O princípio da operabilidade entende que é da essência do Direito a sua realizabilidade. Realizabilidade, acrescente-se, proveniente de realizar, que vem significar pôr em prática, tornar real, executar, efetuar. Ou seja, a norma deixa de ser um modelo esquemático ou tão-somente uma moldura para a realidade, passando a ser um modelo funcional, ou seja, com vistas a uma realizabilidade".
Precisamente em atenção a esse propósito de eliminar ou minimizar essas perplexidades é que os responsáveis pelo novo Código Civil optaram por edificar o chamado princípio da operabilidade. Na eventual indeterminação exegética, ou impossibilidade de se poder, com absoluta segurança, precisar-se o princípio ou regra aplicável a um caso concreto, há que se preferir, em caráter de decisão, aquele que permita melhor e mais justa composição da controvérsia. O tema, por sinal, havia sido objeto de discussão já na elaboração do novo CC, e teve aliás, como epicentro, a questão sobre prescrição e decadência. O princípio da operabilidade, nesse particular, deve se sobrepor à necessidade de separar ou estremar com rigor absoluto prescrição e decadência, como adverte Miguel Reale, o revisor do projeto do novo CC:
"O terceiro princípio que norteou a feitura deste nosso Projeto - e vamos nos limitar a apenas três, não por um vício de amar o trino, mas porque não há tempo para tratar de outros, que estão de certa maneira implícitos nos que estou analisando - o terceiro princípio é o "princípio da operabilidade". Ou seja, toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica, e havia divergência de caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a convivência de ser enunciada de uma forma ou de outra, pensamos no ensinamento de Jhering, que diz que é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser executado (grifei); Direito que não se executa - já dizia Jhering na sua imaginação criadora - é como chama que não aquece, luz que não ilumina, O Direito é feito para ser realizado; é para ser operado (grifei). Porque, no fundo, o que é que nós somos - nós advogados? Somos operadores do direito: operamos o Código e as leis, para fazer uma petição inicial, e levamos o resultado de nossa operação ao juiz, que verifica a legitimidade, a certeza, a procedência ou não da nossa operação - o juiz também é um operador do Direito; e a sentença é uma renovação da operação do advogado, segundo o critério de quem julga. Então, é indispensável que a norma tenha operabilidade, a fim de evitar uma série de equívocos e de dificuldades, que hoje entravam a vida do Código Civil (grifei).
(...)
Isto posto, o princípio da operabilidade leva, também, a redigir certas normas jurídicas, que são normas abertas, e não normas cerradas, para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo através daquilo que denomino "estrutura hermenêutica". Porque, no meu modo de entender, a estrutura hermenêutica é um complemento natural da estrutura normativa. E é por isso que a doutrina é fundamental, porque ela é aquele modelo dogmático, aquele modelo teórico que diz o que os demais modelos jurídicos significam. Estão verificando que tivemos em vista esses três princípios, e outros também, que levam em conta a concreção humana. Poderia acrescentar, aqui, o "princípio da concretitude", que, de certo modo, está implícito no de operabilidade. Concretitude é palavra que tem sido, às vezes discutida: há quem queira concretude. Mas, se nós formos ao Dicionário Aurélio, veremos que ele não registra "concretude" e sim "concretitude", assim como há "negritude", "plenitude", e assim por diante, segundo o espírito de nossa língua.
Concretitude, que é? É a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas, quanto possível, legislar para o indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Quer dizer, atender às situações sociais, à vivência plena do Código, do direito subjetivo como uma situação individual; não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação subjetiva concreta (grifei)" (Miguel Reale, Visão geral do Projeto de Código Civil, in https://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm, última visita em 03.08.12)
Torna-se evidente que, no caso, existe inquestionável periculum in mora, relativamente às necessidades do recém-nascido, com vistas à preservação de sua saúde e mesmo de sua própria vida. Esses valores devem ser preservados, por imperativo de justiça e de efetividade da ordem jurídica, em sendo o caso até mesmo de ofício
Em assim sendo, invocando os princípios da efetividade e operabilidade e mais o poder geral de cautela reconhecido ao magistrado, diante do exposto e das características do caso concreto, presentes perigo na demora e a fumaça de bom direito, na forma do art. 798, CPC, concedo à impetrante medida cautelar preparatória para assegurar a efetividade e a operabilidade de ação principal, a ser interposta em até 30 (trinta) dias, consistente em a ela se garantir o gozo imediato de licença-maternidade, sem prejuízo de suas remuneração ou funções que ora exerce, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias. A manutenção da presente cautela, excepcionalmente concedida, fica condicionada ao ajuizamento de ação principal, no prazo de 30 (trinta) dias.
Notifique-se a autoridade impetrada para prestar informações, no prazo de dez dias. Dê-se ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para que, caso assim entenda, ingresse no feito. Decorrido este, com ou sem manifestação, vistas ao MP.
Int. Cumpra-se.
Brasília - DF, terça-feira, 22/01/2013 às 17h58.
Marco Antonio da Silva Lemos
Juiz de Direito