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Decisão

Publicidade enganosa por omissão não gera condenação na lei 8.137/90

Réu teria induzido consumidores a erro ao vender no mercado cursos de mestrado e doutorado à distância.

Da Redação

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Atualizado às 08:27

O juiz de Direito substituto Manuel Eduardo Pedroso Barros, da 1ª vara Criminal de Taquatinga/DF, julgou improcedente ação do MP contra réu por induzir o consumidor ou usuário a erro (art. 7º, inciso VII, da lei 8.137/90). Para o magistrado, a publicidade enganosa por omissão não está contemplada na referida lei.

O réu, delegado oficial da Universidade de Lãs Pueblas (Espanha), teria supostamente induzido consumidores a erro ao vender no mercado cursos de mestrado e doutorado à distância, oferecidos pela instituição de ensino mencionada, mediante informações falsas e enganosas sobre a natureza do diploma que receberiam, ou seja, que o mesmo não teria validade no Brasil para efeito de atribuir aos alunos, assim, no território nacional, as qualidades de mestre e doutores, com diplomas regularmente revalidados por instituição de ensino superior brasileira.

O julgador entendeu que "eventual falta ou deficiência de informação nos panfletos publicitários do curso oferecido pelo réu não são condutas típicas que se subsumem ao delito do artigo 7º, inciso VII, da lei 8.137/90".

"Se o objetivo do legislador fosse punir as condutas omissivas, a lei certamente teria tipificado a conduta de induzir em erro o consumidor mediante publicidade enganosa ou feito remissão expressa ao verbo omitir", diz o magistrado.

Assim, o réu foi absolvido das imputações e isentado do pagamento de custas processuais.

___________

SENTENÇA

O Ministério Público denunciou A.U.R.M., devidamente qualificado nos autos, atribuindo-lhe a autoria do crime previsto no art. 7o, inciso VII, da Lei 8.137/90, descrevendo a dinâmica dos fatos, consoante denúncia de fls. 02/04.

A denúncia foi recebida em 08/04/2011 (fl. 266), tendo o acusado sido citado (fls. 278), ocasião em que ofertou defesa preliminar (fl.s 281/290).

Pela decisão interlocutória de fls. 329 entendeu-se não estarem presentes os requisitos do artigo 397 do CPP, razão pela qual foi designada audiência una (instrução e julgamento), nos termos do artigo 400 do CPP.

Na primeira audiência de instrução e julgamento foram ouvidas as testemunhas de acusação Maria Salomé, Maria Eugênia, Rosemary Santos e Deudede Marques (fls. 404/405). Na segunda audiência em continuação, foram ouvidas as testemunhas de defesa Verônica DIano, Aldivan Ferreira, Mônica Pereira e Roberto Kennedy (fls. 448/449). Por fim, foi interrogado o réu (fls. 454/456) encerrando-se, assim, a instrução criminal no dia 18/06/2012 (fl. 448/449).

Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, o Ministério Público não se manifestou, enquanto que a defesa requereu a juntada de documentos (fl. 457/583).

Em sede de memoriais, o Ministério Público postulou a condenação do acusado, nas penas do art. 7º, inciso VII da Lei nº 8.137/90 (fls. 585/586 e versos).

Por sua vez, a Defesa apresentou memoriais às fls. 389/396, oportunidade em que requereu a improcedência do pedido constante da denúncia.

É o relatório.

DECIDO

Primeiramente esclarece este magistrado que, conquanto não tenha concluído a instrução processual, não há óbice a que prolate sentença neste feito, ante o afastamento, por férias, do magistrado vinculado e sua designação para oficiar neste juízo. Neste sentido:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. CRIME DE AMEAÇA CONTRA A COMPANHEIRA. CRIME DE RESISTÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. FÉRIAS. REJEIÇÃO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. PROVAS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. AGRAVANTE. QUANTUM ADEQUADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. CULPABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÕNEA. PENA REDUZIDA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REPARAÇÃO DE DANOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INDEFERIMENTO.

1. Afastado por motivo de férias o magistrado que presidiu a instrução processual, pode a sentença ser proferida por outro juiz, sem violação ao previsto no § 2º do art. 399 do Código de Processo Penal, razão pela qual se rejeita a preliminar de nulidade suscitada.

2. Versão harmônica da vítima na polícia e em juízo no sentido de que o apelante a ameaçou de morte e resistiu com violência aos atos dos policiais, em consonância com os depoimentos colhidos na delegacia e em juízo, são hábeis a sustentar sua condenação por esses crimes.

3. Mantém-se o aumento de 10 dias aplicado na sentença para cada agravante, porque inferior ao quantum adequado e não houve impugnação do Órgão Ministerial.

4. Considera-se favorável a circunstância judicial da culpabilidade quando sopesada com fundamentação inidônea, sem demonstração da exacerbação da conduta do agente na prática do crime.

5. Indefere-se o pedido de reparação de danos, com fundamento no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, se, apesar de requerido na denúncia pelo Ministério Público, não se apurou o valor do prejuízo.

6. Rejeitada a preliminar de nulidade suscitada pelo réu e dado parcial provimento ao seu recurso para reduzir sua pena. Desprovido o do Ministério Público." (Acórdão n.638899, 20111110060642APR, Relator: JOAO BATISTA TEIXEIRA, 3ª Turma Criminal, Publicado no DJE: 04/12/2012. Pág.: 277)

Trata-se de ação penal pública incondicionada em que se imputa ao acusado a prática de crime contra a economia e as relações de consumo, cuja conduta típica prevista no artigo 7º, inciso VII, da Lei 8.137/90 consiste em induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade de bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária.

Não havendo questões processuais pendentes, passo à análise do mérito.

Do conjunto probatório acostado aos autos, verifica-se que a autoria e a materialidade delituosas não restaram comprovadas, impondo-se o decreto absolutório.

A materialidade é imputada pelo fato do réu, delegado oficial da Universidade de Lãs Pueblas - UPE (Espanha) ter, supostamente, induzido consumidores a erro ao vender no mercado cursos de mestrado e doutorado à distância, oferecidos pela instituição de ensino mencionada, mediante informações falsas e enganosas sobre a natureza do diploma que, ao final, receberiam, ou seja, que o mesmo não teria validade no Brasil para efeito de atribuir aos alunos, assim, no território nacional, as qualidades de mestre e doutores, com diplomas regularmente revalidados por instituição de ensino superior brasileira.

A discussão acerca da falta de autorização/credenciamento pela União para o funcionamento de cursos de pós-graduação (latu sensu ou strictu sensu) a distância se mostra secundária para efeito de configuração da infração penal. Com efeito, o que há de restar configurado para efeito penal é o induzimento a erro do consumidor por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade de bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária.

A exigência de autorização, na espécie, ainda, se mostra duvidosa, devendo este fato ser apurado e tratado no âmbito do direito civil/administrativo pelas autoridades competentes, uma vez que os diplomas foram expedidos pela Universidade Espanhola conforme prometido.

Releva destacar que o tipo penal não se refere a publicidade enganosa, mas, sim, a "afirmação falsa ou enganosa". É necessário que haja, por parte do agente, conduta positiva de afirmar de forma enganosa ou falsa.

Portanto, a mera "publicidade enganosa", ou seja, aquela cujo erro pode decorrer de simples omissão do fornecedor, tal qual previsto no artigo 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, não é fato típico que se subsume ao delito do artigo 7º, inciso VII, da Lei 8.137/90.

Aqui é necessária uma conduta positiva, pois o tipo penal se refere expressamente a uma "afirmação falsa ou enganosa". Se o objetivo do legislador fosse punir as condutas omissivas, a lei certamente teria tipificado a conduta de induzir em erro o consumidor mediante publicidade enganosa ou feito remissão expressa ao verbo "omitir". Não é isso que consta da lei. Não se pode fazer interpretação extensiva para alcançar outras condutas em razão dos princípios da tipicidade penal e reserva legal.

Portanto, eventual falta ou deficiência de informação nos panfletos publicitários do curso oferecido pelo réu não são condutas típicas que se subsumem ao delito do artigo 7º, inciso VII, da Lei 8.137/90.

Quando o legislador pretendeu punir a omissão ele foi expresso neste sentido, tal qual o fez no crime previsto no artigo 66 da Lei 8.078/90 que assim dispõe: "Artigo 66- Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, (...)"

O tipo penal do artigo 7º, inciso VII, da Lei 8.137/90 não faz alusão a conduta de "omitir", razão pela qual, diferentemente do delito previsto no artigo 66 do CDC, não pode ser aplicado a condutas meramente omissivas. A omissão, neste sentido, em razão do princípio da intervenção mínima em matéria penal deve ser solucionada por outros ramos do direito, ou subsumida no delito do artigo 66 do CDC (principio da subsidiariedade) que, nesta hipótese, funciona, na expressão de Nelson Hungria, como um "cavalo de reserva" e nesta parte (omissão) não se encontra derrogado pela Lei 8.137/90 em razão do critério temporal e, também, porque, na Lei 8.137/90 o crime é material exigindo o resultado naturalístico enquanto que no CDC o crime é formal, perfazendo-se com a simples conduta.

Neste sentido, para a caracterização da materialidade delitiva é necessária a prova de conduta positiva do réu capaz de ofender a objetividade jurídica tutelada pela norma penal, que, na espécie, reputo ausente.

É verdade que no depoimento da vítima M.E.D. colhe-se uma conduta positiva do réu, in verbis:

"que a declarante procurou a instituição (CESCON) e lá foi atendida pelo acusado e pelo Dr. Uverland, sendo, inclusive, mostrados documentos informando que a UPE era uma Universidade regular; que foi informada que o curso era legal e que teriam que passar por um processo de revalidação do diploma no MEC; que quando terminou o curso ficou sabendo que o MEC não revalidaria o diploma; (...)que posteriormente receberam diploma da UPE, trazidos da Espanha pelo acusado, e foram informados que teriam que revalidar o diploma em outra Universidade aqui no Brasil; que a declarante não tomou conhecimento de que teria ir à Espanha para obter a validação; que o acusado informou que UNB oferecia vagas para revalidação de títulos de outras instituições; que o próprio acusado providenciou a documentação exigida pela UNB; que o acusado convidou alguns alunos para que tentassem revalidar o diploma na UNB; que a UNB indeferiu os pedidos de revalidação informando que a UPE não tinha convênio nem autorização para ministrar cursos de Mestrado e Doutorado no Brasil, com também a CESCON; que a declarante procurou o acusado para tentar resolver este problema; que o acusado diria que iria ajudar, mas a declarante não conseguiu revalidar seu diploma até hoje; que se sente muito prejudicada pela conduta do acusado; que o título não serviu para nada, mas abdicou de muitas horas; (...)"

Ocorre que, tal depoimento, colhido sem compromisso legal, cotejado com todos os outros depoimentos colhidos nos autos acabou ficando isolado, o que afasta sua credibilidade.

No depoimento da vítima M.S.C.B.B. (fls. 407) não se verifica nenhuma alusão a conduta positiva do réu. A citada vítima informa ainda que:

"(...) durante todo o curso, a declarante foi ao MEC buscar informações sobre a revalidação do curso no Brasil, comparecendo à CAPS e recebendo informação de que seria possível a revalidação; (...)"

Ora se a vítima citada compareceu durante todo o curso no MEC para buscar informações sobre a revalidação do curso no Brasil é porque, certamente, desde o início sempre soube que o diploma não teria validade automática no Brasil e, certamente, também teve dúvidas acerca desta possível revalidação. Porém, mesmo assim, optou por continuar e concluir o curso.

A vítima D., ouvida a fls. 406, da mesma forma, em nenhum momento afirma que foi atendida pelo réu ou que este prometeu a validação do curso no Brasil. Não houve informação falsa ou enganosa, de quem quer que seja, que o diploma estrangeiro teria validade no Brasil.

No depoimento da vítima R.S.O. (fls. 411) também não há qualquer referência a conduta positiva do réu no sentido de induzir a mesma em erro. A única alusão ao acusado é extraída neste contexto:

"(...) que foi informado que o título teria que ser validado no Brasil, sendo prometido que assim que terminassem o curso seriam encaminhados a uma Universidade para a validação; que o acusado disse que quando terminassem o curso, ele iria utilizar os meios e contatos que tinha para encaminhar os alunos para validação do diploma, não tendo garantido que seria validado."

Ora, fica evidenciado que as vítimas tinham conhecimento de que, ao final do curso, ainda teriam que passar por um processo de validação do diploma junto às autoridades nacionais e que não haveria garantia desta validação, fato, aliás, previsível a pessoas com formação universitária.

Já no depoimento das testemunhas arroladas pela defesa, ouvidas a fls. 450/453, quais sejam, M.P.A., A.F.S. e V.D.B., resta evidenciado que desde o início do curso os alunos foram informados que o diploma somente teria validade no Brasil se fosse validado em instituição de ensino superior nacional. Colhe-se dos citados depoimentos:

"que a divulgação do curso foi realizada por panfletos distribuídos na secretaria do curso; que o panfleto falava que o curso era de Universidade da Espanha e não mencionava se era válido no Brasil; que o acusado ou preposto do curso não prometeu a convalidação do curso no Brasil; que os alunos sabiam que teriam que providenciar a convalidação; (...)" (depoimento de M.P.A. - fls. 450)

"que o depoente ficou sabendo do curso por meio de colegas; que ocorreu uma reunião prévia, a qual informava que o curso era do exterior, seria concedido o diploma e havia necessidade de convalidação posterior; que não houve promessa do acusado ou de preposto do curso de que promoveriam a convalidação; que eles apenas prometeram que auxiliaria na sua obtenção, indicando instituições no Brasil que poderiam convalidar o mestrado; (...)" (Depoimento de A.F.S. - fls. 451).

Não se colhe dos citados depoimentos qualquer referência a afirmação falsa ou enganosa. Também não se revelam quaisquer provas de autoria em relação ao réu.

A única conduta do acusado que se extrai dos depoimentos é no sentido de que o mesmo teria se comprometido a auxiliar na convalidação do curso.

Desta maneira, não há prova contundente que permita concluir, sequer, pela materialidade delitiva, muito menos pela autoria do réu.

Como já afirmado, à exceção do depoimento da vítima M.E.D. já citado, não se pode, pelas demais provas coligidas aos autos enveredar pela presença de materialidade e autoria delitiva.

Um único depoimento desabonador em face do réu, cotejado com vários outros depoimentos e provas documentais trazidas aos autos, não permite proferir um decreto condenatório.

Já no interrogatório do réu a fls. 455/456 não houve nenhuma confissão quanto à eventual conduta típica a ele imputada, estando o mesmo de acordo com as demais provas colhidas na instrução processual.

Pelo conjunto probatório, não há certeza sobre a conduta típica imputada ao réu. A dúvida deve ser interpretada em seu favor.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal constante na denúncia de fls. 02/04 e absolvo o acusado A.U.R.M., das imputações que lhe foram feitas na peça inaugural, o que faço com suporte no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Em razão da absolvição, isento o réu do pagamento das custas do processo.

Transitada em julgado, proceda-se às anotações e baixas de estilo, arquivando-se os autos.

Expeça-se o necessário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Taguatinga, 09 de janeiro de 2013.

MANUEL EDUARDO PEDROSO BARROS

Juiz de Direito Substituto

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