Corte Especial do STJ cassa liminar do TRF que suspendia reajuste de planos de saúde
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Da Redação
quarta-feira, 5 de outubro de 2005
Atualizado às 14:53
Corte Especial do STJ cassa liminar do TRF que suspendia reajuste de planos de saúde
A Corte Especial do STJ decidiu cassar a liminar concedida pela QuartaTurma do TRF da 5ª Região. Com isso, passam a vigorar os índices autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS).
O entendimento da Corte foi com base no relatório e voto do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, que retomou a suspensão da decisão do TRF. Ao colocar o agravo regimental em julgamento, o ministro Vidigal fez um alerta sobre a interferência do Poder Judiciário em decisões tomadas pelas agências reguladoras.
Porém a conclusão do julgamento foi adiada pelo pedido de vista do ministro Nilson Naves. O agravo regimental foi proposto pela Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps) e pela Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Adecon) sobre o reajuste dos planos de saúde. O ministro Naves considerou "boa" a resposta dada pelo presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, "às malvadezas vindas a público", mas pediu a remessa do processo ao seu gabinete para "refletir um pouco mais sobre a questão jurídica". O julgamento deve ser retomado pela Corte na sessão do próximo dia 19.
No relatório e voto, o ministro Vidigal rebateu as insinuações das entidades pernambucanas:
"Ação essa que impediu fossem esses usuários onerados por reajustes com índices definidos por critérios indiscriminados, estranhos à ANS e não sujeitos à aferição de sua regularidade. Não admito, assim, a nulidade da decisão agravada decorrente de uma implícita alegação de suspeição", diz o voto do ministro Vidigal.
E prosseguiu: "Superada a preliminar e a despeito da judiciosa argumentação expendida pelas agravantes, não revela elementos capazes de alterar o convencimento anteriormente firmado ao deferir o pedido de suspensão.
Com os olhos postos no relevante interesse público envolvido, atento aos riscos e conseqüências que conclusões precipitadas poderiam ocasionar - desarmonia e desequilíbrio para o setor da saúde suplementar -, é que deferi o pedido para suspender a decisão da Quarta Turma do TRF/5ª Região no Agravo de Instrumento nº 63323-PE".
O embate jurídico começou quando a ANSS autorizou as operadoras de planos de saúde Bradesco e Sul América a reajustarem, respectivamente, em 25,80% e 26,10% os contratos firmados antes de janeiro de 1999, bem como o aumento de 11,69% para os novos contratos de planos de saúde. Entre idas e vindas nos tribunais de primeiro e segundo graus, a Aduseps e a Adecon conseguiram liminar perante a Quarta Turma do TRF que suspendeu a autorização da ANSS.
O caso veio parar no STJ. O ministro Vidigal, em decisão monocrática, cassou a liminar do TRF e manteve a decisão da agência reguladora. No entanto as duas entidades entraram com um agravo suscitando questões de natureza constitucional. Naquela ocasião, o presidente do STJ decidiu encaminhar o processo para apreciação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim. Na última sexta-feira, o ministro Jobim manifestou-se pelo julgamento por parte do STJ por considerar que as questões em tela são infraconstitucionais.
Foi exatamente nesse sentido que, tão logo tomou conhecimento da decisão, o ministro Vidigal colocou o agravo em julgamento na sessão da Corte Especial desta quarta-feira. Uma das questões de fundo apresentada pelas entidades pernambucanas dava conta da participação em seminário sobre planos de saúde promovido pelo Instituto dos Magistrados, em Santiago, no Chile. As duas associações buscaram "levantar" suspeitas com base em reportagem da revista "Veja" que apontou a operadora Amil como patrocinadora do evento.
"Formalmente convidado pelo Instituto dos Magistrados a participar do Seminário em questão, a exemplo de outros, não questionei, porque nunca questionei (e acredito que ninguém questiona) quem era ou é o patrocinador do evento. Certificado o interesse e a disponibilidade para sua aceitação, após o devido e regular referendum da Corte Especial, confirmei presença e efetivamente dele participei. Entretanto, a par de não ter sido informado que a Amil estava custeando o Seminário, como parecem crer as agravantes, e embora já tivesse aportado aqui o pedido da ANS nesta Suspensão de Liminar e Sentença, a minha presença ou a dos demais ministros naquele Seminário não permite a ilação de haver qualquer interesse no julgamento da causa", afirmou.
"Tanto é assim que, no primeiro exame deste agravo interno, vislumbrando a índole constitucional da matéria trazida pelas agravantes, determinei sua remessa ao Supremo Tribunal, atento à orientação de que 'havendo competência concorrente para o pedido de suspensão, há vis atrativa da competência do em. presidente do Supremo Tribunal Federal' (STJ/AGP 1.310, DJ 5.2.2001)", prosseguiu o ministro.
Continuou: "Depois, penso que a decisão, nos termos em que proferida, é favorável aos usuários dos contratos firmados anteriormente à Lei nº 9.656/98, com cláusulas de reajustamento sem previsão de índice específico, uma vez que a ação da ANS foi a de impedir a interpretação livre de tais cláusulas contratuais pelas operadoras -neste caso Bradesco Saúde S/A e Sul América Companhia de Seguro Saúde - que queriam estabelecer unilateralmente os índices a serem aplicados para o reajustamento desses contratos, não alcançados pela citada lei, consoante decidido pelo Supremo Tribunal."
O ministro frisou também que um parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, junto com a ANS, reconheceu "a Variação dos Custos Médico-Hospitalares como índice-base para o reajuste anual das mensalidades a partir de 2005, nada justifica a aplicação de índice diferente em razão da data de celebração do contrato, já que essa variação dos custos médico-hospitalares é absolutamente igual, e o índice só pode ser um só para qualquer contrato."
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A seguir o relatório e voto do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal:
SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 163 - PE (2005/0128970-7)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Com vistas à suspensão dos reajustes que a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar havia autorizado para as operadoras de planos de saúde Bradesco e Sul América, de 25,80% e 26,10%, respectivamente, nos contratos firmados antes de janeiro/99, e a fixação dos referidos reajustes em 11,69%, determinado para os contratos novos, posteriores à Lei nº 9.656/98, a ADUSEPS- Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde e ADECON- Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor ajuizaram Ação Civil Pública.
Indeferida a antecipação da tutela em primeiro grau, agravaram de instrumento, com êxito no TRF 5ª/ Região, concedido que foi o efeito modificativo ativo, pelo Desembargador Relator para:
"... determinar à Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS suspenda a aplicação dos percentuais de reajuste anual dos contratos de planos de saúde firmados anteriormente à vigência da Lei nº 9.656/98, para as operadoras SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE E BRADESCO SAÚDE S/A, da ordem de 25,80% e 26,10%, respectivamente, devendo aplicar, para as referidas operadoras, bem como para as demais que estejam registradas naquela agência reguladora, o mesmo índice de 11,69% determinado para os contratos já firmados sob a égide da citada lei, até deliberação deste juízo, ou de outro competente para tanto" (fl. 140).
Interposto Agravo Interno pela ANS, à consideração de que a aplicação do índice determinado na decisão agravada afasta os percentuais autorizados pela Agência no legítimo exercício de sua atividade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, restou desprovido pela Quarta Turma.
Requerido também ao Presidente da Corte a suspensão da decisão, por alegado risco de lesão grave à saúde e à economia públicas, foi indeferido o pedido, fls. 230/247.
Apresentou, assim, novo pedido neste Superior Tribunal, com base na Lei nº 8.437/92, art. 4º, por alegada lesão à saúde e economia públicas.
Narrou que apesar da edição da Lei nº 9.656/98, que regulamentou as atividades dos planos privados de assistência à saúde, permaneceram em vigor os contratos firmados anteriormente à sua vigência, não atingidos pelas suas disposições, conforme decidiu o STF, na ADIN-MC 1931-8-DF, suspendendo a eficácia do art. 35-E, ao entendimento de que a sua aplicação aos contratos anteriormente firmados representava ofensa ao princípio da irretroatividade da lei.
Sinalizou-se, afirmou, que os contratos antigos não se vinculavam aos ditames da citada Lei, incluindo aí a previsão de submissão dos reajustes das contraprestações pecuniárias à prévia aprovação da ANS (art. 35-E, § 2º).
Para evitar o reajustamento unilateral e desigual, onerando demasiado os consumidores, acrescentou, firmou-se com as operadoras Termos de Compromissos (TC's), editou-se a Resolução nº 74/2004, incidente sobre os reajustes aplicáveis no período de referência, 2004/2005.
Disposição reproduzida pela RN 99/05, normas genéricas aplicáveis a todas as operadoras de planos privados de assistência à saúde que contenham contratos firmados antes da Lei nº 9.656/98, com cláusulas de reajustamento sem previsão de índice específico.
Aduziu ausentes os requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipatória concedida pelo Relator e mantida pelo colegiado, cujos equívocos teve por compreensíveis considerada a complexidade da matéria.
Ameaçado estaria o regular desenvolvimento do respectivo setor da economia pública - saúde suplementar - (CF, arts. 196 e 197), pela decisão impugnada, porque os consumidores, "antes protegidos por provimento jurisdicional bem intencionado, mas fragilmente abalizado, correm o risco de suportar, ao final, negativos reflexos financeiros, advindos da modificação da decisão provisoriamente lançada, pois terão de arcar com o pagamento de diferenças oriundas de prestações vencidas" (fl. 19).
Fica o perigo, garantiu, do inadimplemento das contraprestações pecuniárias "e, conseqüentemente, da manutenção da assistência suplementar à saúde de parcela dos consumidores que eventualmente não possam suportar o pagamento do respectivo montante acumulado. Trata-se de situação indesejada, de grave e de difícil reparação, que coloca em risco a saúde pública, considerada em seu sentido amplo" (fl. 20).
Afirmando pretender apenas solucionar a questão da insubmissão dos contratos anteriores aos termos da Lei nº 9.656/98, nos termos da ADIN-MC 1.931-8/DF, requereu a suspensão da decisão antecipatória dos efeitos da tutela, lesiva à economia e à saúde públicas, até o julgamento definitivo da Ação Civil Pública.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo deferimento em parte do pedido, para facultar o pagamento em juízo da diferença de reajuste até decisão final do Tribunal a quo (fls. 220/227).
Sem adentrar no mérito da questão relativa ao critério utilizado para alcançar o índice adotado para o reajuste dos contratos antigos, deferi o pedido às fls. 249/254, por entender que a decisão liminar poderia causar lesão grave à ordem pública administrativa, na medida em que interferia na legítima atividade regulatória desempenhada pela ANS, com respaldo na discricionariedade técnica, gerando, também, instabilidade no mercado de saúde suplementar.
Considerei o alto interesse público envolvido, ponderando, ainda, os riscos e os resultados que conclusões açodadas poderiam ocasionar - desarmonia e desequilíbrio para o setor da saúde suplementar.
Apresentaram a ADUSEPS - Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde e a ADECON - Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor Agravo Interno, com pedido de reconsideração, para que, de imediato, se restabeleçam os efeitos da decisão da 4ª Turma do TRF/5ª Região.
Ao lado das questões infraconstitucionais, suscitaram, com predominância, matéria de natureza constitucional, afirmando a igualdade de todos, e o direito à vida e à saúde (CF, art. 5º caput, c/c art. 6º), malferimento ao princípio da ordem econômica consagrado na CF, art. 170, e o direito social à saúde, assegurado na CF, arts. 196 e 197, estes últimos violados pela Agência Nacional de Saúde - ANS.
Citando a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, sustentaram a importância dos princípios em nosso ordenamento jurídico, e, "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra" (fl. 278 - Curso de Direito Administrativo, 8ª ed., p. 546).
Isto considerado, e, principalmente, a previsão constitucional no sentido de que a saúde é um dever do Estado e um direito do cidadão, revelando a índole constitucional da matéria consoante apresentada pelas agravantes, com raiz na forma de interpretação da CF/88, arts. 196 e 197 - se privilegiados, por tais dispositivos, interesses privados, em detrimento dos interesses e serviços de saúde pública -, reconsiderei a decisão, determinando a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, em tese competente para o exame da propriedade da medida requerida, pois, "havendo competência concorrente para o pedido de suspensão, há vis atrativa da competência do em. presidente do Supremo Tribunal Federal" (STJ/AGP 1.310, DJ 5.2.2001).
Todavia, no Supremo Tribunal Federal, entendeu o eminente Presidente, Ministro Nelson Jobim, que a competência é do Presidente do Superior Tribunal de Justiça (fls. 473/481), porque:
"... os artigos constitucionais suscitados (arts. 5º, XXXII; 170, V; 196 e 197) têm legislação própria que os regulamenta e que disciplina sua aplicação pela Administração Pública. Assim, o cerne da controvérsia resolve-se na aplicação das normas legais. (...) Os dispositivos constitucionais serviram apenas para subsidiar o fundamento infraconstitucional deles decorrentes.
A agência reguladora competente para executar ou dar cumprimento a essas normas também foi criada por lei. A esse respeito já se manifestou este SUPREMO. Trago Luiz Gallotti "...... Não há como acolher o argumento de que se trata de matéria constitucional, só porque se invoca lei ordinária que regula matéria prevista na Constituição.
A argumentar-se assim, todas as matérias reguladas em lei ordinária como desdobramento de princípios gerais contidos na Constituição, seriam da ordem constitucional, o que não como admitir (RE 72959, RTJ 60/294)".
Entendimento esse que consignou permanecer na jurisprudência recente do STF, AGR na SS 2208, DJ 30.4.2004 e SL 30, DJ 2.8.2004.
Ao determinar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal reconsiderei a decisão de fls. 249/254. Agora, diante da decisão do eminente Presidente, Ministro Nelson Jobim, firmando a competência do Presidente do Superior Tribunal, a restabeleço e passo ao exame do Agravo Interno.
Assim, ao relatado acrescento que as agravantes pediram, em preliminar, a nulidade da decisão, ora restabelecida, exarada às fls. 249/254, que suspendeu a decisão da Quarta Turma do TRF/5ª Região, "levando em consideração o noticiado na Revista VEJA desta semana, onde afirma que o Ministro Presidente Edson Vidigal e outros 11 Ministros, viajaram para Santiago do Chile para participarem de um Seminário, devidamente acompanhados de suas esposas, no feriado de 7 (sete) de setembro/05, inclusive, a presente lide já se encontrava no STJ para decisão ora agravada, tudo pago pela AMIL, que é uma das maiores operadoras do País" (fl. 303).
Salientam que a AMIL é uma das operadoras registrada na ANS e está, portanto, incluída na decisão suspensa.
Sustentam o não cabimento do pedido de suspensão, alegando ausentes os pressupostos autorizadores, eis que não envolvida na lide qualquer lesão aos valores tutelados na Lei nº 8.437/92.
Rebatem o fundamento de que não é dado ao Judiciário adentrar no mérito das normas e procedimentos regulatórios, sob pena de estar invadindo seara alheia, com a assertiva de que isto causa espanto e indignação, "visto que não é esse o parecer do presidente do STF, ao conceder medida de proteção contra cassação do ex-ministro da casa civil José Dirceu, pelo Conselho de Ética da Câmara Federal, quer dizer, invadindo SEARA ALHEIA" (fl. 308). (...) "O primeiro alega que não pode invadir Seara Alheia para defender interesse dos consumidores e o segundo invade o poder legislativo para beneficiar parlamentar governista, de provável cassação" (fl. 309).
E, afirmam, em síntese, que a liminar suspensa resguardava os interesses dos usuários consumidores dos planos anteriores à Lei nº 9.656/98, dos aumentos diferenciados e abusivos autorizados pela agravada sob falsa premissa, vez que os custos médico-hospitalares "não foram tão abruptos como quer fazer crer a ANS", que, aliás, não os calculou e sim as operadoras, com o pronto aval da Agência.
Haverá grave lesão à saúde sim, com a inadimplência que certamente acarretará a decisão agravada, porquanto os milhares de usuários dos planos de saúde contratados anteriormente à Lei nº 9.656/98, não poderão arcar com o reajuste tão elevado e sem justificava, acrescentam, ficando a descoberto ou se vendo obrigados a migrarem para o SUS, "provocando uma incúria muito maior do que a que já estamos presenciando, inclusive, tal fato já é percebido, porquanto, todas as grandes emergências dos hospitais públicos desde 2004, se encontram superlotadas, devido a problemas relacionados com as Operadoras e a omissão da Ré ora Agravada" (fl. 308).
Aduzem que antes da Lei nº 9.656/98, o Judiciário, provocado por consumidores, construiu sólida jurisprudência de proteção ao consumidor, à luz do Código de Defesa do Consumidor, pacificando controvérsias importantes.
Conquistas essas que culminaram na edição da Lei nº 9.656/98 e na criação da Agência Nacional de Saúde - ANS, a quem coube normatizar, fiscalizar o fiel cumprimento das leis vigentes e punir as operadoras de planos e seguros de saúde que não as cumprissem.
Todavia, salientam, com a decisão do STF no sentindo da não incidência da Lei nº 9.656/98 aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, as operadoras fizeram uma forte pressão para que fosse instituído um programa de migração de contratos em massa, tanto que em 2004, diante das várias ações movidas contra as operadoras, por aplicação de índices extorsivos para esses contratos, a própria ANS demandou contra elas para que o índice fosse de apenas 11,75%, aplicando multas.
Porém, foram agora perdoadas as multas, já que firmado um acordo possibilitando às operadoras, em 2005/2006, cobrar índice residual, mediante comunicação prévia aos usuários (fl. 310), razão da autorização para o aumento diferenciado, onerando as prestações dos usuários dos contratos antigos.
Informando que as Ações Civis Públicas intentadas contra as operadoras ainda não tiveram julgado o mérito, mas mesmo assim foram elas autorizadas a aumentos diferenciados e abusivos, "extrapolando todo e qualquer índice inflacionário deste País" (fl. 312), afirmam a desproporcionalidade do índice de 26,10% em relação à prática de mercado.
E arrematam, se a ANS e a Secretaria do Direito Econômico (SDE) reconheceram a Variação dos Custos Médico-Hospitalares como índice-base para o reajuste anual das mensalidades a partir de 2005, nada justifica a aplicação de índice diferente em razão da data de celebração do contrato, já que essa variação dos custos médico-hospitalares é absolutamente igual e o índice só pode ser um só para qualquer contrato.
O Ministério Público Federal reiterou o parecer anterior.
Relatei.
SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 163 - PE (2005/0128970-7)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO EDSON VIDIGAL (Relator): Afasto, de início, a alegação de nulidade da decisão exarada às fls. 249/254, decorrente da insinuada suspeição em razão do noticiado na Revista VEJA, provocada pelo patrocínio da AMIL, operadora de Planos de Seguro e Saúde registrada na Agência Nacional e Saúde, do Seminário "Os Planos de Saúde no Brasil e no Exterior", acontecido no Chile em setembro próximo passado:
"... o Ministro Presidente Edson Vidigal e outros 11 Ministros, viajaram para Santiago do Chile para participarem de um Seminário, devidamente acompanhados de suas esposas, no feriado de 7 (sete) de setembro/05, inclusive, a presente lide já se encontrava no STJ para decisão ora agravada, tudo pago pela AMIL, que é uma das maiores operadoras do País" (fl. 303).
Formalmente convidado pelo Instituto dos Magistrados a participar do Seminário em questão, a exemplo de outros, não questionei, porque nunca questionei (e acredito que ninguém questiona) quem era ou é o patrocinador do evento. Certificado o interesse e a disponibilidade para sua aceitação, após o devido e regular referendum da Corte Especial, confirmei presença e efetivamente dele participei.
Entretanto, a par de não ter sido informado que a AMIL estava custeando o Seminário, como parecem crer as agravantes, e embora já tivesse aportado aqui o pedido da ANS nesta Suspensão de Liminar e Sentença, a minha presença ou a dos demais Ministros naquele Seminário não permite a ilação de haver qualquer interesse no julgamento da causa.
Tanto é assim, que no primeiro exame deste Agravo Interno, vislumbrando a índole constitucional da matéria trazida pelas agravantes, determinei sua remessa ao Supremo Tribunal, atento à orientação de que "havendo competência concorrente para o pedido de suspensão, há vis atrativa da competência do em. presidente do Supremo Tribunal Federal" (STJ/AGP 1.310, DJ 5.2.2001).
Ao depois, penso que a decisão, nos termos em que proferida, é favorável aos usuários dos contratos firmados anteriormente à Lei nº 9.656/98, com cláusulas de reajustamento sem previsão de índice específico, uma vez que a ação da ANS foi a de impedir a interpretação livre de tais cláusulas contratuais pelas operadoras - neste caso Bradesco Saúde S/A e Sul América Companhia de Seguro Saúde - que queriam estabelecer unilateralmente os índices a serem aplicados para o reajustamento desses contratos, não alcançados pela citada Lei, consoante decidido pelo Supremo Tribunal.
Ação essa que impediu fossem esses usuários onerados por reajustes com índices definidos por critérios indiscriminados, estranhos à ANS e não sujeitos à aferição de sua regularidade.
Não admito, assim, a nulidade da decisão agravada decorrente de uma implícita alegação de suspeição.
Superada a preliminar e a despeito da judiciosa argumentação expendida pelas agravantes, não revela elementos capazes de alterar o convencimento anteriormente firmado ao deferir o pedido de suspensão.
Com os olhos postos no relevante interesse público envolvido, atento aos riscos e conseqüências que conclusões precipitadas poderiam ocasionar - desarmonia e desequilíbrio para o setor da saúde suplementar -, é que deferi o pedido para suspender a decisão da Quarta Turma do TRF/5ª Região no Agravo de Instrumento nº 63323-PE, em decisão assim exarada:
"A discussão aqui travada gira em torno da questão da aplicação ou não aos contratos firmados anteriormente a 1999 das regras de reajustamento das contratações pecuniárias dos planos privados de saúde definidas na Lei nº 9.656/98, bem como dos critérios diferenciados de aplicação do reajuste entre aqueles contratos e os novos, sob a regência da citada Lei.
Como reconhece a própria requerente, na via restrita da suspensão, a apreciação da matéria de natureza exclusivamente jurídica se acha assegurada na via recursal própria. Relevam, aqui, as circunstâncias próprias da natureza de contra-cautela, permeada por juízo político, notadamente a possibilidade de a decisão liminar, contrária ao Poder Público, causar lesão, de natureza grave, à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, Lei nº 8.437/92, art. 4º.
O Acórdão que manteve o efeito modificativo ativo dado ao Agravo de Instrumento, assinalando a observância da preservação do equilíbrio financeiro dos contratos, disse que o critério adotado para os reajustes anuais é a variação média dos custos dos atendimentos médico-hospitalares, como reconheceu a própria agência reguladora, permitindo aferir que essa variação ocorreu de forma isonômica, porque não é possível "que tal variação tenha ocorrido de forma muito mais abrupta nos contratos antigos.
Primeiro, porque, tomados os procedimentos médico-hospitalares singularmente, a variação dos seus preços é rigorosamente a mesma, qualquer que seja o plano de saúde do usuário, pois utiliza-se invariavelmente a tabela de procedimentos médicos da Associação Médica Brasileira - AMB.
Segundo, porque, analisando-se o conjunto dos contratos antigos, é muito mais lógico acreditar que, tendo uma cobertura menos ampla do que os contratos novos, geram aqueles, para as operadoras, custos menores" (fl. 197).
Reconheceu o fumus boni iuris em favor das agravantes, a complexidade da questão dos percentuais para o exercício de 2005, de 28,80% e 26,10%, para os contratos antigos celebrados com as operadoras Bradesco e Sul América, a exigir perícia, não se vislumbrando qualquer justificativa para a "fixação daqueles índices em patamares diversos e, aliás, muito superiores, ao que a ANS aplica para os contratos novos, de qualquer operadora, que é de apenas 11,69% para 2005" (fl. 197).
Em que pese aos judiciosos argumentos expendidos e aos do Ministério Público Federal, e sem adentrar no mérito da questão relativa ao critério utilizado para alcançar o índice adotado para o reajuste dos contratos antigos, tenho que a decisão liminar pode causar lesão grave à ordem pública administrativa, na medida em que interfere na legítima atividade regulatória desempenhada pela ANS, com respaldo na discricionariedade técnica, gerando, também, instabilidade no mercado de saúde suplementar.
Não se trata de ato flagrantemente ilegal e, em assim sendo, ao Judiciário não é dado adentrar no mérito das normas e procedimentos regulatórios, sob pena de estar invadindo seara alheia. Nesse sentido, mudando o que deve ser mudado,"se a prestadora de serviços deixa de ser devidamente ressarcida dos custos e despesas decorrentes de sua atividade, não há, pelo menos no contexto das economias de mercado, artifício jurídico que faça com que esses serviços permaneçam sendo fornecidos com o mesmo padrão de qualidade. O desequilíbrio, uma vez instaurado, vai refletir, diretamente, na impossibilidade prática de observância do princípio expresso no art. 22, caput, do Código de Defesa do Consumidor, que obriga a concessionária, além da prestação contínua, a fornecer serviços adequados eficientes e seguros aos usuários" (REsp 572.070, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 14.6.2004).
Esse o enfoque dado à matéria por Sérgio Guerra, em "Controle Judicial dos Atos Regulatórios", anotando que: "se o julgador alterar um ato administrativo regulatório, que envolve, fundamentalmente, a eleição discricionária dos meios técnicos necessários para o alcance dos fins e interesses setoriais - despido das pressões políticas comumente sofridas pelos representantes escolhidos pelo sufrágio -, esse magistrado, na maioria das vezes, poderá, por uma só penada, afetar toda a harmonia e equilíbrio de um subsistema regulado" (2005, fls. 272/275).
Igualmente, não se pode adentrar em sede de suspensão na discussão sobre ter ou não, os contratos antigos, maiores vantagens e custos do que os novos, o que justificaria, ao ver da ANS, a disparidade dos índices adotados para o reajuste, questão de mérito a ser ainda apreciada pelas instâncias ordinárias.
Enquanto as decisões judiciais se atêm ao direito, "a Administração é livre para eleger, detentor do amplo espaço em que cada caso lhe permitem a lei e o Direito, as razões (jurídicas, econômicas, sociais, técnicas, ambientais), a curto, médio e longo prazo, que servem de suporte a suas decisões. Essas razões não podem ser utilizadas pelos Tribunais para justificar as suas, apenas de Direito" (a. op. cit., p. 275).
Com isso em vista, atentando-se, principalmente, para os efeitos prospectivos da medida, o alto interesse público envolvido, ponderando-se, também, os riscos e os resultados que conclusões açodadas possam ocasionar - desarmonia e desequilíbrio para o setor da saúde suplementar -, é que defiro o pedido para suspender a decisão que concedeu o efeito modificativo ativo ao Agravo de Instrumento nº 63323-PE, em curso no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, até o julgamento do mérito da Ação Civil Pública naquela Corte.
Expeça-se comunicação.
Intime-se.
Publique-se" (fls. 249/254).
Realça, ainda, o expressivo fundamento, pelo prisma da lesão à economia pública acarretada pelo enfraquecimento do setor da saúde suplementar, vez que os consumidores, "antes protegidos por provimento jurisdicional bem intencionado, mas fragilmente abalizado, correm o risco de suportar, ao final, negativos reflexos financeiros, advindos da modificação da decisão provisoriamente lançada, pois terão de arcar com o pagamento de diferenças oriundas de prestações vencidas" (fl. 19).
Restando o perigo do inadimplemento das contraprestações pecuniárias "e, conseqüentemente, da manutenção da assistência suplementar à saúde de parcela dos consumidores que eventualmente não possam suportar o pagamento do respectivo montante acumulado. Trata-se de situação indesejada, de grave e de difícil reparação, que coloca em risco a saúde pública, considerada em seu sentido amplo" (fl. 20).
Assim sendo, mantenho a decisão agravada e nego provimento ao Agravo.
É o voto."
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