Advogada é condenada por apropriação indébita
Ela teria depositado em sua conta bancária R$ 22,1 mil, referente a depósito judicial em ação na qual sua empregadora era parte.
Da Redação
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Atualizado às 08:44
O juiz de Direito Laerte Marrone de Castro Sampaio, da 24ª vara Criminal de SP, condenou uma advogada que se apropriou indevidamente de valor pertencente à empresa à qual prestava serviços.
R.P.M.A. teria depositado em sua conta bancária pessoal a quantia de R$ 22,1 mil, referente a um depósito judicial em ação trabalhista na qual sua empregadora era parte. Ela deveria ter repassado o dinheiro à firma, mas não o fez.
Apesar de afirmar em juízo que havia um acordo entre ela e outra empresa do mesmo grupo para a utilização do valor como pagamento por serviços prestados por ela anteriormente, a acusada não conseguiu provar a afirmação e, por esse motivo, foi condenada à pena de um ano e quatro meses de reclusão em regime aberto e ao pagamento de 13 dias-multa, no patamar mínimo legal.
A condenação foi substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e no pagamento de um salário mínimo a uma entidade social.
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Processo : 0015468-73.2008.8.26.0050
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SENTENÇA
Processo nº: 0015468-73.2008.8.26.0050
Classe - Assunto Ação Penal - Procedimento Ordinário - Apropriação indébita
Autor: Justiça Pública
Réu: R.P.M.A.
Vistos, etc.
1. R.P.M.A. foi denunciada como incursa no artigo 168, par. 1º, III, do Código Penal.
Narra a denúncia que, no dia 31 de outubro de 2007, durante expediente forense, neste Município e Comarca, a acusada, em razão de sua profissão de advogada, apropriou-se indebitamente da quantia de R$22.148,11 (vinte e dois mil e cento e quarenta e oito reais e onze centavos), causando prejuízo à empresa HIDROJET JSNA CONSTRUÇÃO CIVIL E SERVIÇO AMBIENTAL LTDA.
Consta da inicial que o valor supracitado refere-se ao alvará 1535/2007 da ação trabalhista autos n. 003/98, da 62ª Vara do Trabalho desta Comarca (fls. 27 e 53).
Ademais, segundo a exordial, mesmo após notificada extrajudicialmente, a acusada não repassou o valor à vítima.
Recebida a denúncia, a ré, citada, apresentou resposta à acusação. Durante a instrução, foram ouvidas a advogada da vítima e testemunhas, interrogando-se a ré.
Em memoriais, o Ministério Público pediu a condenação, nos termos da inicial, pedido este reiterado pela Assistente de Acusação. A defesa, preliminarmente, arguiu a inexistência de prova da materialidade da suposta infração. No mérito, pleiteou a absolvição com fulcro no artigo 386, VI do Código de Processo Penal.
É o relatório.
Decido.
2. Ao cabo da instrução processual, restou evidenciada a responsabilidade penal da acusada. Na linha do que se segue.
2.1. No que toca à tese sustentada a título de preliminar embora, rigorosamente, diga respeito ao mérito da causa -, falta razão à defesa. A impossibilidade de o perito oficial ter chegado a uma conclusão sobre os supostos preenchimentos indevidos dos documentos falsificação em nada reflete na demonstração da materialidade do delito, nos termos em que vertida a imputação. Ora, cuidando-se de acusação de apropriação indébita, a materialidade acha-se bem positivada nos autos pela prova documental (fls. 53, 72, 73, 336/339, 407/411, 549/553) e oral (fls. 325/326), a revelar que a acusada, efetivamente, na condição de advogada da empresa vítima em ação trabalhista, promoveu o levantamento da quantia indicada na denúncia depositada judicialmente -, de propriedade da ofendida, depositando o valor em sua conta, deixando de repassá-lo à cliente. E, mesmo instada a fazê-lo, posteriormente, recusou-se a tanto (fls. 44, 45/46). Trata-se, a bem da verdade, de fatos que, além de demonstrados de forma robusta nos autos, nunca foram negados pela acusada durante a persecução penal; pelo contrário, admitiu-os ao ser interrogada em juízo (fls. 369/370).
Não cabe aqui invocar, em prol da defesa, a regra estampada no artigo 158, do Código de Processo Penal. A perícia referida pela acusada não constitui o exame de corpo de delito a que alude o mencionado artigo do diploma processual penal, essencial para firmar a materialidade do crime, sob pena de nulidade. Conforme escólio de VICENTE GREGO FILHO, "é importante insistir na distinção entre o exame de corpo de delito e as demais pericias. O exame de corpo de delito é a perícia sobre os vestígios da infração, que são as alterações materiais deixadas pela conduta criminosa. Ele é indispensável, sob pena de nulidade do processo. As demais perícias e exames podem ser importantes, mas não sendo relativos aos vestígios deixados pela conduta serão examinados como prova no contexto da convicção do juiz e sua persuasão racional" (Manual de Processo Penal, Saraiva, 7ª edição, págs. 211/212).
Diferentemente do proclamado pela defesa, não se fazia necessária, ante os elementos de prova já citados, qualquer perícia para atestar a materialidade da infração penal.
Conforme assentado pelo Superior Tribunal de Justiça, no moderno processo penal, ditado pelo princípio do livre convencimento do juiz, "a prova técnica não é exclusiva para atestar a materialidade das condutas, podendo ser suprida por outros meios capazes de informar o convencimento do julgador" (REsp nº 842.910, trecho do voto do Ministro Gilson Dipp).
2.2. Visando escusar-se, a acusada, repelindo a imputação, sempre alegou que a quantia, na realidade, representou o pagamento de um crédito que possuía para com a vítima e outra empresa do mesmo grupo, a quem prestou serviços de advocacia, chegando em juízo a explicitar que, à época dos acontecimentos, seu crédito montava a quantia de R$ 25.000,00, superior, portanto, ao valor levantado. Acrescentou que havia um acordo com a empresa, no sentido de que usaria os valores levantados nos processos para satisfação de seu direito.
Sucede que a acusada não trouxe qualquer prova de tais assertivas. Aliás, à luz das regras de experiência comum, afigura-se bem pouco verossímil que uma avença nestes termos tomasse a singela forma verbal.
Tanto isso é verdade que a acusada (a) teve imposta a pena de suspensão pela OAB (fls. 542/555) em razão dos fatos e (b) acabou condenada judicialmente em ação de prestação de consta ajuizada pela vítima (fls. 336/339, 486/487). E, inegavelmente, na dicção do artigo 156, do Código de Processo Penal, da acusada era o ônus de provar suas alegações.
A inviabilidade de apuração pela perícia oficial das referidas adulterações nos documentos (referentes a recibos de pagamento) em nada infirma a imputação. Daí não se pode sequer sugerir a existência do acordo acenado pela ré, de sorte a se divisar ao menos um panorama de dúvida razoável quanto a alguns dos elementos que compõem a figura típica da apropriação indébita, o que ensejaria a absolvição por falta de provas E não se entrevê, diante dos termos em que vertida a conclusão pericial, outra medida a ser efetivada em termos de perícia, que seja de utilidade ao deslinde da causa.
2.3. Trata-se, pois, de um quadro a mostrar que a acusada apropriou-se indevidamente da quantia, invertendo o título da posse do dinheiro que devia ser entregue à vítima -, num panorama que, sem dúvida, amolda-se à figura penal prevista no artigo 168, do Código Penal.
Embora o dinheiro seja, por natureza, um bem fungível, pode ser objeto de apropriação indébita, quando o mesmo é entregue para ser transmitido a terceiro ou para outro fim determinado pelo "dominus" (NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, Forense, vol. VII, 2ª edição, pág. 134; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código Penal Comentado, RT, 5ª edição, pág. 669).
Presente, sem dúvida, na espécie o elemento subjetivo do delito, vale dizer, "o animus rem sibi habendi".
Deveras, "com base no art. 168, § 1º, III, do CP responde por apropriação indébita o advogado que levanta quantia pertencente a seu cliente, e, injustificadamente, não lhe encaminha, imediatamente, numerário, ainda, que posteriormente venha a restituir o dinheiro" (STJ RHC Rel. Félix Fischer j. 1º.09.1998 RT 760/574, apud Alberto Silva Franco e outros, Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, RT, vol. 2, 7ª edição, p. 2.769).
De rigor, pois, a condenação.
Incide, outrossim, na espécie, a majorante prevista no inciso III, do par. 1º, do artigo 168, do Código Penal, porquanto a acusada recebeu o dinheiro em razão de sua profissão.
3. Passo à dosagem das penas.
Tendo em vista as circunstâncias judiciais do artigo 59, do Código Penal, fixo a pena-base em 1 ano de reclusão e pagamento de 10 diasmulta, reprimenda fixada no mínimo legal porque a acusada é primária e de bons antecedentes, inexistindo outro dado a justificar imposição de sanção acima do mínimo legal.
Em razão da causa de aumento de pena, elevo a sanção em um terço, alcançando 1 ano e 4 meses de reclusão e pagamento de 13 dias-multa.
Deverá iniciar o cumprimento da pena no regime aberto.
O valor do dia-multa é estabelecido em 1/30 do valor do salário mínimo à época dos fatos, ante a ausência de dados que permitam o estabelecimento do "quantum" acima disto.
Presentes os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, nos termos do par. 2º, do citado dispositivo legal, quais sejam, prestação de serviços à comunidade, por igual prazo, na forma a ser definida pelo juízo da execução, e prestação pecuniária consistente no pagamento de um salário mínimo a entidade com destinação social, também a ser indicada na fase de execução.
4. Ante o exposto, julgo procedente a ação para CONDENAR R.P.M.A., qualificada nos
autos, às penas de 1 ano e 4 meses de reclusão e pagamento de 13 diasmulta, substituindo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, conforme acima indicado, como incursa no artigo 168, par. 1º, III, do Código Penal.
Com o trânsito em julgado, inscreva-se o nome da ré no rol dos culpados.
Custas na forma da lei.
P.R.I.
São Paulo, 14 de maio de 2.012.
LAERTE MARRONE DE CASTRO SAMPAIO
Juiz de Direito