Norma da Anatel que fixa prazo para utilização de créditos em celular pré-pago é legal
MPF alegava que a norma violaria o CDC
Da Redação
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Atualizado às 15:24
O TRF da 1ª região negou provimento a recurso do MPF para impedir a limitação do prazo de 90 dias para utilização de créditos de celulares pré-pagos. O MPF alegava que a norma violaria o CDC, além de afrontar os princípios da razoabilidade, eficiência e finalidade.
A norma 3/98 da Anatel fixa prazo de 90 dias para uso do Serviço Pré-Pago de Telefonia Móvel Celular no Estado de RO.
A Procuradoria-Regional Federal da 1ª região e a Procuradoria Federal Especializada junto a Agência (unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da AGU) defenderam que a norma foi editada no âmbito da competência exclusiva da Agência de regular, disciplinar e promover o exercício dos serviços de telecomunicações, a fim de garantir que funcionem em condições de excelência tanto para o usuário quanto para as prestadoras. Essa conduta engloba a atribuição de estabelecer estruturas tarifárias que melhor se adequem à prestação de serviços de telefonia disponibilizados no mercado.
O juiz Federal Márcio Barbosa Maia, relator convocado, destacou que o STJ já pacificou o entendimento pela legalidade das normas da Anatel expedidas para estes casos e negou seguimento à apelação do MPF.
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Processo : 2002.41.00.002714-5
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Numeração Única: 27046920024014100
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO 2002.41.00.002714-5/RO
Processo na Origem: 200241000027145
RELATOR ( A ) : JUIZ FEDERAL MARCIO BARBOSA MAIA
APELANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR : FABRICIO CARRER
APELADO : AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES - ANATEL
PROCURADOR : ADRIANA MAIA VENTURINI
APELADO : VIVO S/A
ADVOGADO : CRISTIANE ROMANO E OUTROS(AS)
APELADO : AMERICEL S/A
ADVOGADO : RODRIGO BADARO ALMEIDA DE CASTRO E OUTROS(AS)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 3A VARA - RO
DECISÃO
Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 697/712), bem como reexame necessário de sentença proferida em ação civil pública (fls. 687/693), que julgou improcedente o pedido formulado pelo Parquet de impedir a limitação de prazo de 90 (noventa) dias para a utilização de créditos para uso de serviço móvel celular pré-pago comutado no Estado de Rondônia (Norma nº 03/98 da ANATEL), bem como de indenização por danos morais coletivos ao usuário desse serviço.
Não houve condenação em custas e honorários advocatícios.
Em suas razões de recurso, o apelante insurge-se contra o comando sentencial, defendendo irregularidades constantes na Norma nº 03/98 da ANATEL. Argumenta que a fixação de prazo para o uso de créditos requeridos nas ligações via celular não pode se sobrepor ao direito à informação do consumidor e muito menos à sua principal garantia, que é a de usufruir por aquilo que efetivamente pagou. Sustenta que a declaração de inconstitucionalidade pode ser feita incidentemente na ação civil pública e se justifica por implicar a referida norma em abusividade aos princípios da publicidade e moralidade, além de acarretar danos morais coletivos em face da ofensa direta aos princípios da razoabilidade, função social da propriedade, eficiência e da finalidade.
Contrarrazões da ANATEL, TELERON e AMERICEL, respectivamente, às fls. 753/780, 782/786 e 791/811.
Parecer da Procuradoria Regional da República às fls. 879/893, opinando pelo provimento da apelação.
Pedido de preferência formulado à fl. 967.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição.
DECIDO.
Infundado o inconformismo recursal.
Conforme restou reconhecido pelo juízo de origem, no âmbito da ação civil pública é possível a declaração incidental da inconstitucionalidade quando a controvérsia constitucional não se afigura como pedido, mas como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial da questão principal.
Nesse sentido:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI MUNICIPAL. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. ELEIÇÃO DE VIA ADEQUADA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE.
1. Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de Duque de Caxias e contra algumas empresas de ônibus ao argumento de que o serviço de transporte coletivo vem sendo prestado pelas empresas mediante termo de compromisso e obrigações há mais de quarenta anos, sem respeito à Lei de Licitações e à Constituição Federal. Requer-se a nulidade de todos os instrumentos delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento licitatório e a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 1469/69.
2. É pacífico o entendimento nesta Corte Superior no sentido de que a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir - e não de pedido -, uma vez que, neste caso, o controle de constitucionalidade terá caráter incidental. Precedentes.
3. Como se observa, o Parquet pugnou pela nulidade de todos os instrumentos delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento licitatório. É evidente que o pedido de nulidade de todos os instrumentos delegatórios outorgados às empresas de ônibus sem a observância do procedimento licitatório não incide na hipótese em que o objeto é da ação é a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos. Nesse caso, nada impede que, como fundamento para a decisão, ocorra o controle incidental de constitucionalidade.
4. Recurso especial provido.
(STJ, REsp 1222049 / RJ, Ministro Mauro Campell Marques, T2-Segunda Turma, DJ de 05/ 05/ 2011)Da mesma sorte, a questão afeta à fixação de prazo de 90 (noventa) dias para a utilização de créditos para uso de serviço móvel celular pré-pago também foi efetivamente pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 806.304/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, Dje 17.12.2008), que, ao examinar os termos da Norma nº 03/98 da ANATEL, definiu pela legitimidade das Resoluções por ela expedidas para disciplinarem a matéria e da sistemática que rege os créditos de telefones celulares pré-pagos.
Valho-me, na oportunidade, dos precedentes extraídos do repertório de jurisprudência do STJ e que bem elucidam a questão sub examine, verbis:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR PRÉ-PAGO. CRÉDITOS ADQUIRIDOS MEDIANTE CARTÕES PRÉ-PAGOS. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA UTILIZAÇÃO. DIREITO CONSUMERISTA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 81 E 82, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 129, III, DA CF. LEI COMPLEMENTAR N.º 75/93. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
1. A regulação das atividades pro populo exercida pelas agências reguladoras, mediante normas secundárias, como, v.g., as Resoluções, são impositivas para as entidades atuantes no setor regulado.
2. Sob esse enfoque leciona a abalizada doutrina sobre o thema: "(...) Dado o princípio constitucional da legalidade, e conseqüente vedação a que os atos inferiores inovem inicialmente na ordem jurídica (v. Capítulo II, ns 7 a 10), resulta claro que as determinações normativas advindas de tais entidades há de cifrar a aspectos estritamente técnicos, que estes, sim, podem , na forma da lei, provir de providências subalternas, conforme se menciona no Capítulo VI, ns. 35-38, ao tratar dos regulamentos. Afora isto, nos casos em que suas disposições se voltem para concessionários ou permissionários de serviço público, é claro que podem, igualmente, expedir, as normas e determinações da alçada do poder concedente (cf. Capítulo XII, ns. 40-44) ou para quem esteja incluso no âmbito doméstico da administração. Em suma: cabe-lhes expedir normas que se encontrem abrangidas pelo campo da chamada "supremacia especial" (cf. Capítulo XIV, ns. 12 a 15 ) ...." Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 2006, p-172. 3. A presunção de legitimidade desses atos equipara-se a de qualquer ato administrativo, por isso que, enquanto não revogados, produzem os seus efeitos.
4. As Resoluções não são consideradas "lei federal" para o fins de conhecimento de Recurso Especial e a não incidência de seus ditames somente pode operar-se por declaração de inconstitucionalidade em controle difuso ou concentrado.
5. É da exclusiva competência das agências reguladoras estabelecer as estruturas tarifárias que melhor se ajustem aos serviços de telefonia oferecidos pelas empresas concessionárias.
6. O Judiciário sob pena de criar embaraços que podem comprometer a qualidade dos serviços e, até mesmo, inviabilizar a sua prestação, não deve intervir para alterar as regras fixadas pelos órgãos competentes, salvo em controle de constitucionalidade. Precedente do STJ: AgRg na MC 10915/RN, DJ 14.08.2006.
7. O ato normativo expedido por Agência Reguladora, criada com a finalidade de ajustar, disciplinar e promover o funcionamento dos serviços públicos, objeto de concessão, permissão e autorização, assegurando um funcionamento em condições de excelência tanto para fornecedor/ produtor como principalmente para o consumidor/usuário, posto urgente não autoriza que os estabelecimentos regulados sofram danos e punições pelo cumprimento das regras maiores às quais se subsumem, mercê do exercício regular do direito, sendo certo, ainda, que a ausência de nulificação específica do ato da Agência afasta a intervenção do Poder Judiciário no segmento, sob pena de invasão na seara administrativa e violação da cláusula de harmonia entre os poderes. Consectariamente, não há no cumprimento das regras regulamentares, violação prima facie dos deveres do consumidor.
8. O Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública em defesa de direitos transindividuais, como soem ser os direitos dos consumidores do serviço de telefonia celular pré-pago, ante a ratio essendi do art. 129, III, da Constituição Federal, arts. 81 e 82, do Código de Defesa do Consumidor e art. 1º, da Lei 7.347/85. Precedentes do STF (AGR no RE 424.048/SC, DJ de 25/11/2005) e S.T.J (REsp 799.669/RJ, DJ 18.02.2008; REsp 684712/DF, DJ 23.11.2006 e AgRg no Resp 633.470/CE, DJ de 19/12/2005).
9. In casu, a pretensão veiculada na Ação Civil Pública ab origine, qual seja, o reconhecimento da ilegalidade do item 4.6 (e subitens 4.6.1 e 4.6.1.1) da Norma 03/98 da ANATEL, notadamente no que pertine à restrição de prazo de validade de 90 dias para a utilização de créditos, adquiridos mediante cartões pré-pagos, imposta aos consumidores/usuários do serviço de telefonia celular pré-pago, bem como a condenação das empresas demandadas à reativação do serviço aos usuários que, em razão da não reinserção dos créditos remanescentes após o escoamento do lapso temporal in foco, sofreram interrupção na prestação do mencionado serviço, revela hipótese de interesse nitidamente coletivo e por isso apto à legitimação do Parquet
10. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
11. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação de reparação de danos.
12. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.
13. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material ou imaterial.
14. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.
15. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais.
16. A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.
17. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações.
18. A admissão do Recurso Especial pela alínea "c" exige a demonstração do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das circunstâncias que assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas.
19. Recurso Especial interposto pelo Ministério Público Federal (fls.1398/1409) e recursos adesivos apresentados por BCP S/A - INCORPORADORA DA TELET S/A ( 1537/1549) e TIM CELULAR S.A (fls. 1558/1571) desprovidos.
(STJ, REsp 806304 / RS, Ministro Luiz Fux, T1 - PRIMEIRA TURMA, Dj de 17/12/2008)PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR PRÉ-PAGO. CRÉDITOS ADQUIRIDOS MEDIANTE CARTÕES PRÉ-PAGOS. FIXAÇÃO DE PRAZO DE 30 DIAS PARA UTILIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA REGULAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A Anatel tem competência para estabelecer estruturas tarifárias que melhor se ajustem aos serviços de telefonia oferecidos pelas empresas concessionárias, com o objetivo de assegurar o seu funcionamento em condições de excelência.
2. São legítimas a Resolução da Anatel que disciplina a matéria e a sistemática que rege os créditos de telefone celular pré-pagos.
3. O serviço pré-pago é remunerado apenas pelos créditos adquiridos pelo usuário. Eles são usados para que se façam ligações, e não para recebê-las. A indefinição de prazo de validade dos créditos pode significar o uso, ainda que parcial, de serviço gratuito. Existe, portanto, racionalidade na previsão de prazos, inclusive diferenciados.
4. A regulação pela Anatel para o serviço pré-pago não implica, in casu e a priori, violação aos direitos do consumidor, à isonomia ou à propriedade privada.
5. Há paradigma do STJ que acolhe a legitimidade da fixação de prazos para a utilização de créditos de telefonia pré-paga, bem como todas as demais premissas aqui referidas (REsp 806.304/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, Dje 17.12.2008).
6. Agravo Regimental não provido.
(STJ, AgRg no REsp 1222916 / PR, Ministro Herman Benjamin, T2-Segunda Turma, DJ de 25/ 04/ 2011)Ante o exposto, nos termos do art. 557, caput, do CPC, NEGO SEGUIMENTO à apelação e à remessa oficial (confirmando a sentença).
Brasília, 30 de agosto de 2012.
Juiz Federal MÁRCIO BARBOSA MAIA
Relator Convocado