Multa do FGTS de terceirizados demitidos deve ser integral
Decisão é da SDI-1 do TST.
Da Redação
sábado, 20 de outubro de 2012
Atualizado em 19 de outubro de 2012 15:28
A SDI-1 do TST considerou inválida cláusula pactuada em norma coletiva que reduz de 40% para 20% a multa sobre o FGTS em decorrência de estipular a culpa recíproca como causa para rescisão contratual de empregado com empresa prestadora de serviços terceirizados.
A invalidade da cláusula impede o levantamento de qualquer valor do FGTS pelo empregado dispensado da antecessora e imediatamente admitido por empresa sucessora, sem descontinuidade na prestação de serviço.
O ministro João Batista Brito Pereira, relator, enfatizou ser inadmissível que uma norma coletiva tipifique hipóteses de culpa recíproca quando o legislador determina a caracterização desta apenas mediante decisão judicial nos termos dos artigos 484 da CLT e 18, § 1º, da lei 8.036/90.
Para o ministro, cláusula desta natureza, relativa à rescisão do contrato de trabalho, é manifestamente inválida "na medida em que vincula terceiros que não participaram da negociação coletiva". O relator disse ainda que tanto o órgão gestor do FGTS quanto o novo empregador são atingidos pelos efeitos oriundos da cláusula. "O empregador por se ver obrigado a admitir os empregados que realizavam anteriormente os serviços e a CEF ao possibilitar o levantamento dos depósitos existentes na conta vinculada".
A decisão reformou o entendimento da 2ª turma que, ao considerar válida a norma coletiva firmada entre as partes, determinou a liberação do FGTS de uma empregada, inclusive dos 20% depositados por ocasião da rescisão contratual.
A SDI-1 determinou o reestabelecimento do acórdão do TRT da 10ª região que entendeu não estar a CEF obrigada a liberar o valor depositado na conta vinculada da empregada sob o entendimento de que não houve culpa recíproca reconhecida judicialmente, e não há previsão legal para a movimentação da conta vinculada do FGTS em caso de culpa recíproca convencionada entre sindicatos representativos das partes.
Segundo o regional, como gestora do FGTS, a Caixa Econômica deve examinar caso a caso os requerimentos de saque nas contas vinculadas, para verificar a ocorrência dos motivos autorizadores do saque. "Os termos de rescisão do contrato de trabalho preenchidos com fundamento na cláusula convencional em comento, não servem para a CEF autorizar o saque na conta do FGTS... uma vez que não houve culpa recíproca", destacou o desembargador do TRT da 10ª região Alexandre Nery de Oliveira. Para o magistrado a movimentação da conta afronta a lei do FGTS (8.036/90) nos artigos 18, § 2º, 20, I, e 29-D, parágrafo único.
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Processo relacionado: RR - 34600-97.2006.5.10.0013
Veja a íntegra da decisão.
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ACÓRDÃO
(SDI-1)
BP/ju
NORMA COLETIVA. CLÁUSULA RELATIVA A RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. CULPA RECÍPROCA. RECOLHIMENTO PARA O FGTS. Discute-se a possibilidade de se pactuar em norma coletiva cláusula que assegure que a empresa sucessora na prestação de serviços objeto de terceirização admita os empregados da anterior e em que se estipule que a rescisão contratual com a empresa anterior se dará por culpa recíproca, sendo devido o acréscimo de 20% sobre os depósitos existentes na conta vinculada do empregado junto ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Cláusula dessa natureza revela-se manifestamente inválida, na medida em que vincula terceiros que não participaram da negociação coletiva, alcançando tanto o órgão gestor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ao possibilitar o levantamento dos depósitos existentes na conta vinculada do empregado, como o novo empregador, que se vê compelido a admitir os empregados da empresa anterior. Ademais, é inadmissível que norma coletiva venha a tipificar hipóteses de culpa recíproca quando o legislador expressamente determina que essa somente estará caracterizada mediante decisão judicial (arts. 484 da CLT e 18, § 1º, da Lei 8.036/90).
Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-34600-97.2006.5.10.0013, em que é Embargante CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e Embargada ANA MARIA DA SILVA.
Irresignada com a decisão proferida pela Segunda Turma (fls. 253/257), a reclamada interpõe Recurso de Embargos (fls. 259/277), em que busca reformar a decisão quanto ao tema: "Cláusula coletiva. Culpa recíproca. Recolhimento do FGTS. Desnecessidade de decisão judicial". Aponta ofensa a dispositivos de lei e da Constituição da República e transcreve arestos para confronto de teses.
Foi oferecida impugnação (fls. 291/313).
O Recurso não foi submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
VOTO
Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade.
1. CONHECIMENTO
1.1. NORMA COLETIVA. CLÁUSULA RELATIVA A RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. CULPA RECÍPROCA. RECOLHIMENTO PARA O FGTS
A Turma conheceu do Recurso de Revista interposto pela reclamante com relação ao tema em destaque, por violação do art. 7º, inc. XXVI, da Constituição da República, e, no mérito, deu-lhe provimento para, considerando válida a norma coletiva, determinar a liberação dos depósitos do FGTS da reclamante, com o cômputo dos vinte por cento depositados quando da rescisão contratual. Adotou os seguintes fundamentos:
"Restou consignado pelo Tribunal Regional, de forma expressa, a existência de cláusula de acordo coletivo que prevê a culpa recíproca, determinando a liberação do depósito do FGTS.
Entendo que não há como desconsiderar-se a particularidade contida no instrumento normativo pactuado entre as partes. É que a autonomia privada coletiva restou elevada a nível constitucional pela Carta Maior de 1988 (artigo 7º, inciso XXIV), e, portanto, merece ser privilegiada. Ora, como vem entendendo esta Corte trabalhista, é imprescindível prestigiar e valorizar a negociação levada a efeito pelas organizações sindicais, interlocutores legítimos de empregados e empregadores, na busca de solução para os conflitos de seus interesses. A Constituição Federal está a sinalizar em seu artigo 7º, incisos VI e XXVI, que este é o caminho a ser seguido.
Ressalte-se que o artigo 18, §2º, da Lei nº 8.036/90, ao fixar que, quando ocorrer despedida por culpa recíproca, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o §1º será de vinte por cento, não exclui, por si só, a legalidade de cláusula coletiva pactuando a caracterização da culpa recíproca para fins do levantamento do depósito do FGTS. Assim, o disposto no referido artigo não contempla regra de caráter imperativo e cogente, cuja observância não poderia ser mitigada.
Ademais, o fato de o referido artigo da Lei nº 8.036/90 prever que a culpa recíproca carece de reconhecimento judicial só reflete o caráter protetivo e tutelar que impregna as normas relacionadas ao direito individual do trabalho, mormente aquelas que dizem respeito à terminação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador. Não conduz, pois, ao entendimento de que o reconhecimento judicial seja exigível quando há acordo entre as partes, uma vez que o trabalhador esteve representado legitimamente pela entidade correspondente à sua profissão. Como cediço, em seara de Direito Coletivo, não prevalece o princípio da hipossuficiência do trabalhador, mas o da equivalência entre os seres negociantes.
Desse modo, tem-se como válida a disposição albergada na norma coletiva, diante da força negocial autônoma que a ela se encontra condicionada. E nem se invoque a inviabilidade da flexibilização do dispositivo legal em comento, porquanto sequer se refere a direito trabalhista indisponível assegurado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Acerca do tema, dispôs o ilustre doutrinador e Ministro desta Corte Maurício Godinho Delgado, em sua obra Curso de Direito de Trabalho, Editora LTr, 7ª edição, página 1.315/1.316, in verbis:
"O princípio da equivalência dos contratantes coletivos postula pelo reconhecimento de um estatuto sociojurídico semelhante a ambos os contratantes coletivos (o obreiro e o empresarial).
Tal equivalência resulta de dois aspectos fundamentais: a natureza e os processos característicos aos seres coletivos trabalhistas.
Em primeiro lugar, de fato, os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho têm a mesma natureza, são todos seres coletivos. Há, como visto, o empregador que, isoladamente, já é um ser coletivo, por seu próprio caráter, independentemente de se agrupar em alguma associação sindical. E claro que pode também atuar através de sua entidade representativa; contudo, mesmo atuando de forma isolada, terá natureza e agirá como ser coletivo.
No que tange aos trabalhadores, sua face coletiva institucionalizada surge através de seus entes associativos; no caso brasileiro, os sindicatos.
Os seres coletivos obreiros e empresariais têm, pois, a mesma natureza.
O segundo aspecto essencial a fundamentar o presente princípio é a circunstância de contarem os dois seres contrapostos (até mesmo o ser coletivo obreiro) com instrumentos eficazes de atuação e pressão (e, portanto, negociação).
Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidades de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, etc.) reduziriam, no plano juscoletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como indivíduo, do empresário. Isso possibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. Nessa linha, perderia sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito Individual do Trabalho."
Nesse sentido é o precedente de minha lavra RR-52340-95.2006.5.10.0004, DEJT de 18/09/2009.
No mesmo sentido, ainda, tem-se posicionado esta Corte, in verbis:
"RECURSO DE REVISTA. NORMA COLETIVA. PREVISÃO DE REDUÇÃO DA MULTA DO FGTS DE 40% PARA 20%. VALIDADE DA CLÁUSULA NORMATIVA. 1 - As convenções e acordos coletivos resultam da livre manifestação da vontade das partes, portanto, norma autônoma de natureza especial. O acordo coletivo, devidamente formalizado, constitui ato jurídico perfeito, cuja eficácia é reconhecida constitucionalmente (art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal). 2 - No caso em tela, observa-se da transcrição do acórdão recorrido que a Corte Regional admite a existência de norma coletiva, firmada entre os sindicatos das categorias econômica e profissional, em que há previsão acerca do reconhecimento de culpa recíproca e o pagamento de indenização de 20% sobre os depósitos do FGTS na rescisão contratual, revelando-se de eficácia plena. 3 - O fato de o artigo 18, § 2º, da Lei 8.036/90 prever que a culpa recíproca carece de reconhecimento judicial só reflete o caráter protetivo e tutelar que impregna as normas relacionadas ao direito individual do trabalho, mormente aquelas que dizem com a terminação do contrato por iniciativa do empregador. Não conduz, pois, ao entendimento de que o reconhecimento judicial seja exigível quando há acordo entre as partes, uma vez que o trabalhador esteve representado legitimamente pela entidade correspondente à sua profissão. 4 - No caso vertente, não se trata, ainda, de rescisão contratual fictícia, vedada pela simulação que a perpassa, mas de término do contrato de trabalho com a empresa sucedida, objetivando o acordo firmado entre as partes. 5 - Assim, reputa-se válida a norma coletiva que prevê a rescisão contratual por culpa recíproca, com a consequente liberação do FGTS com indenização de 20%. 6 - Registre-se que esta 8ª Turma, no julgamento do Proc. TST-RR-3518/2008-660-09-00.4, Relatora Ministra Maria Cristina I. Peduzzi, publicado no DEJT de 6/11/2009, confirmou esse posicionamento. Recurso de revista parcialmente conhecido e não provido." (RR-6600-68.2007.5.10.0008, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 09/04/2010);
"LEVANTAMENTO DO FGTS - CULPA RECÍPROCA RECONHECIDA EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. I - Não se vislumbra ofensa ao art. 18, § 2º, da Lei 8.036/90. Isso porque, ao fixar que quando ocorrer despedida por culpa recíproca, reconhecida pela Justiça do Trabalho, o percentual de que trata o § 1º será de vinte por cento, não exclui, por si só, a legalidade de cláusula coletiva pactuando a caracterização da culpa recíproca para fins do levantamento do depósito do FGTS. Assim, não se constata o atendimento ao art. 896, c , da CLT. II - Inviável, por sua vez, indagar sobre as ofensas suscitadas aos artigos 10, I, do ADCT, e 7º, I, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal, tendo em vista passarem ao largo da controvérsia em torno da caracterização da culpa recíproca, instituída em norma coletiva, para fins de levantamento dos depósitos do FGTS. III - A divergência jurisprudencial colacionada revela-se inservível, nos termos da Súmula 296 do TST e da alínea a do artigo 896 da CLT." (RR-349/2007-001-10-00, 4ª Turma, Ministro Barros Levenhagen, DJ 05/09/2008);
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIBERAÇÃO DE DEPÓSITOS DO FGTS. REDUÇÃO DE 40% PARA 20%. NORMA COLETIVA. CULPA RECÍPROCA. LEGALIDADE. NÃO PROVIMENTO. 1. Em razão da ausência de prejuízos para os trabalhadores e tendo em vista a autonomia dos sindicatos na negociação dos interesses dos representados, não há falar em afronta ao disposto no artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.036/90, se a redução de 40% para 20% da indenização do FGTS, fundada na ocorrência de culpa recíproca na rescisão contratual, foi pactuada no bojo de Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre as entidades de classe patronal e obreira. 2. Agravo de instrumento a que se nega provimento." (AIRR-1270/2005-005-10-40, Rel. Min. Caputo Bastos, 7ª Turma, DJ 16/05/2008).
Ao julgar caso análogo, a 6ª Turma desta Corte negou provimento a agravo de instrumento interposto pela CEF assentando, no essencial, o seguinte:
"(...) O artigo 7º, inciso XXVI, da CF/88 determina o reconhecimento das Convenções Coletivas e dos Acordos Coletivos de Trabalho; no mesmo sentido temos o artigo 611 da CLT. Assim, as normas coletivas têm força de lei entre as partes e devem ser prestigiadas. Logo, o reconhecimento da legalidade da negociação coletiva firmada entre a categoria econômica e os prestadores de serviço é medida que se impõe, restando inócuas as assertivas recursais relativas à invalidade da cláusula 28, que prevê a multa de 20% sobre o saldo do FGTS em caso de despedida por culpa recíproca, pois, conforme entendimento do Eg. Tribunal Regional, o reconhecimento da culpa recíproca com esteio em instrumento coletivo de trabalho supre a exigência legal, preconizada no art. 18 da Lei 8.036/90. Consequentemente, não se vislumbra qualquer ofensa aos arts. 18, § 2º, da Lei nº 8.036/90." (AIRR-455/2006-005-10-40, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 29/02/2008).
Ante o exposto, conheço do recurso de revista por violação ao artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal" (fls. 255/257).
A reclamada sustenta ser inválida cláusula de norma coletiva que reduz de 40% para 20% a indenização incidente sobre os depósitos para o FGTS e em que se estipula que a rescisão contratual se dá por culpa recíproca. Aponta violação dos arts. 7º, inc. I e XXVI, da Constituição da República, 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 477, § 8º, 482 e 483 da CLT, 18, § 1º, e 20, inc. I, da Lei 8.036/90.
O paradigma colacionado a fls. 267/273, oriundo da Primeira Turma, autoriza o conhecimento do Recurso de Embargos, por divergência jurisprudencial, ao consignar que: "Não tem validade a cláusula coletiva que reduz de 40% para 20% a indenização incidente sobre os depósitos efetuados a título de FGTS na conta vinculada do trabalhador contratado por empresa fornecedora de mão-de-obra que vem a ser sucedida por outra, na prestação do mesmo serviço, mediante processo licitatório, estabelecendo, ainda, que a modalidade da ruptura contratual dessa forma operada deve ser qualificada como culpa recíproca e como tal produzir os mesmos efeitos" (fls. 267).
CONHEÇO, por divergência jurisprudencial.
2. MÉRITO
2.1. NORMA COLETIVA. CLÁUSULA RELATIVA A RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. CULPA RECÍPROCA. RECOLHIMENTO PARA O FGTS
Discute-se a possibilidade de se pactuar em norma coletiva cláusula que assegure que a empresa sucessora na prestação de serviços objeto de terceirização admita os empregados da anterior e em que se estipule que a rescisão contratual com a empresa anterior se dará por culpa recíproca, sendo devido o acréscimo de 20% sobre os depósitos existentes na conta vinculada do empregado junto ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Cláusula dessa natureza revela-se manifestamente inválida, na medida em que vincula terceiros que não participaram da negociação coletiva. Com efeito, alcança tanto o órgão gestor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ao possibilitar o levantamento dos depósitos existentes na conta vinculada, como o novo empregador, que se vê compelido a admitir os empregados da empresa que anteriormente realizava a prestação de serviços.
Ressalte-se que é inadmissível que norma coletiva venha a tipificar hipóteses de culpa recíproca quando o legislador expressamente determina que essa somente estará caracterizada mediante decisão judicial (arts. 484 da CLT e 18, § 1º, da Lei 8.036/90).
Nesse sentido cito os seguintes precedentes desta Corte:
"CLÁUSULA COLETIVA MEDIANTE A QUAL SE ESTABELECE A CULPA RECÍPROCA COMO FUNDAMENTO PARA TODAS AS RESCISÕES CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. INTUITO MANIFESTO DE BURLA À LEI, COM A REDUÇÃO DO PERCENTUAL A INCIDIR SOBRE OS VALORES DEPOSITADOS NA CONTA VINCULADA DO EMPREGADO DE 40% PARA 20%. NULIDADE DA CLÁUSULA QUE DESVIRTUA O INSTITUTO CONSAGRADO NA LEI N.º 8.036/90 E ATENTA CONTRA PRECEITO DE NATUREZA COGENTE, ALÉM DE TENDER A VINCULAR QUEM NÃO TOMOU PARTE NA NEGOCIAÇÃO (NO CASO, O ÓRGÃO GESTOR DO FGTS). 1. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS- é instituto de natureza multidimensional e complexa. 2. Sob o prisma trabalhista, sobressaem as hipóteses de movimentação do FGTS vinculadas às modalidades de ruptura do contrato de emprego sem culpa do empregado. Na hipótese de culpa recíproca, caracterizada pela prática simultânea, pelas partes contratantes, de conduta tipificada nos artigos 482 e 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, judicialmente reconhecida (artigo 484 da Consolidação das Leis do Trabalho), o FGTS será devido com redução do acréscimo rescisório do percentual de 40% para 20%, nos termos do artigo 18, § 2º, da Lei n.º 8.036/90. 3. Relevante frisar que, do princípio da primazia da realidade, norteador do Direito do Trabalho, resulta a ineficácia de alteração na identificação e delimitação de título ou institutos jurídicos, ainda que resultante de norma coletiva. Com efeito, não se insere no âmbito da disponibilidade das partes a definição da natureza de fato jurídico ou de instituto regido por norma legal específica. 4. Resulta inválida, daí, cláusula normativa mediante a qual se pretende pré-fixar a culpa recíproca como modalidade para a rescisão do contrato de emprego, visando a minorar o acréscimo rescisório incidente sobre o FGTS, na forma da lei. 5. Sob o aspecto do caráter social do instituto, a regularidade dos depósitos do FGTS constitui garantia da realização do interesse público primário de toda a sociedade. Assim, a autonomia da vontade coletiva, consagrada no artigo 7º, XXVI, da Lei Maior, há de ser exercida no âmbito que lhe é próprio, e desde que não contrarie lei de caráter cogente. 6. Imperioso ressaltar, ainda, que a pactuação entre terceiros não tem o condão de vincular a Caixa Econômica Federal - órgão gestor do FGTS -, que não participou da avença - e nem poderia fazê-lo, dados os limites dos princípios da legalidade e da moralidade administrativas que regem a Administração Pública, nos termos do artigo 37, cabeça, da Constituição da República. 7. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-78785-61.2008.5.10.0011, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT 08/06/2012).
"RECURSO DE REVISTA - FGTS - LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NA CONTA VINCULADA DO TRABALHADOR - CULPA RECÍPROCA E INDENIZAÇÃO DE 20% FIXADOS EM CLÁUSULA COLETIVA DE PRODUÇÃO AUTÔNOMA. Não tem validade a cláusula coletiva que reduz de 40% para 20% a indenização incidente sobre os depósitos efetuados a título de FGTS na conta vinculada do trabalhador contratado por empresa fornecedora de mão de obra que vem a ser sucedida por outra, na prestação do mesmo serviço, estabelecendo, ainda, que a modalidade da ruptura contratual dessa forma operada deve ser qualificada como - culpa recíproca - e como tal produzir os mesmos efeitos. Além de ser irrenunciável o direito a cujo respeito se controverte, a sistemática legal vigente (art. 18, § 2º, da Lei nº 8.036/90) atribui à Justiça do Trabalho a tarefa de aferir a ocorrência da culpa recíproca na extinção do contrato de trabalho. Isso porque a caracterização do instituto é ato intelectivo eminentemente técnico, no qual se insere a verificação da prática efetiva simultânea, por empregado e empregador, das infrações capituladas nos arts. 482 e 483 da CLT, a partir da valoração da prova produzida. Recurso de revista conhecido e desprovido" (RR-230000-44.2009.5.09.0022, Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 4ª Turma, DEJT 01/06/2012).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELAS AUTORAS. CULPA RECÍPROCA. PREVISÃO EM CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. INVALIDADE. Nos termos do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.036/90, a hipótese de culpa recíproca para a rescisão do contrato de trabalho será objeto de decisão da Justiça do Trabalho, não podendo ser estendida, mesmo por meio de norma heterônoma, para situações não previstas. Precedentes do TST. Recurso de revista não conhecido" (RR-116500-20.2006.5.10.0008, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, DEJT 03/04/2012).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA RECÍPROCA ESTIPULADA EM NORMA COLETIVA. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO JUDICIAL. MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA. IMPOSSIBILIDADE. Provável ofensa ao artigo 18, § 2º, da Lei 8.036/90, tendo em vista a controvérsia acerca da cláusula coletiva que estipula como causa do término do contrato de trabalho a culpa recíproca, sem o reconhecimento judicial, e a redução da multa sobre os depósitos do FGTS de 40% para 20%, autoriza o processamento do agravo de instrumento. Agravo de instrumento provido.
RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA RECÍPROCA ESTIPULADA EM NORMA COLETIVA. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO JUDICIAL. MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA. IMPOSSIBILIDADE. O empregado está autorizado a movimentar a conta do FGTS na hipótese de término do contrato de trabalho por culpa recíproca, na forma do artigo 20, I, da Lei 8.036/90. No entanto, essa modalidade de extinção do pacto laboral deve ser reconhecida pela Justiça do Trabalho, sendo inválida cláusula de norma coletiva que a reconhece, não tendo o condão de obrigar a Caixa Econômica Federal - CEF, gestora do FGTS, a liberar os depósitos da conta vinculada. Precedentes julgamentos do TST. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-131740-39.2008.5.10.0021, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, DEJT 02/03/2012).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. CONVENÇÃO COLETIVA. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO FGTS, DE 40% PARA 20%. INVALIDADE. Agravo a que se dá provimento, por possível violação do artigo 18, §2º, da Lei nº 8.036/90, para determinar o processamento do recurso de revista.
RECURSO DE REVISTA. CONVENÇÃO COLETIVA. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO FGTS, DE 40% PARA 20%. INVALIDADE. Cinge-se a controvérsia em determinar a validade da cláusula normativa que estipula que a rescisão do contrato de trabalho decorrerá de culpa recíproca pré-estabelecida e que define a redução para 20% da multa sobre os depósitos do FGTS. Firmou-se neste Tribunal Superior o entendimento de que a partir da promulgação da Constituição Federal, em cinco de outubro de 1988, foi permitida a inserção, no âmbito da negociação coletiva, do princípio da flexibilização das relações de trabalho, conforme exegese dos incisos VI, XIII, XIV e XXVI do artigo 7º da Constituição Federal, os quais privilegiam a instituição de condições de trabalho mediante negociações coletivas, desde que não contrárias à lei. Diante disso, esta Justiça do Trabalho tem primado por incentivá-las e garantir-lhes o cumprimento, desde que devidamente formalizadas. Entretanto, -in casu-, a flexibilização consistiu na redução de parcela rescisória relativa ao FGTS firmada por lei, no percentual de 40% para 20%. Assim, ao pré-estabelecer que a rescisão do contrato dar-se-ia por culpa recíproca, a norma coletiva deu tratamento jurídico diverso ao disposto no artigo 484 da CLT. Com efeito, a culpa recíproca é causa de resilição do contrato que implica redução da multa incidente sobre o saldo do FGTS. No entanto, cabe ao Poder Judiciário definir se houve conduta culposa mútua, a fim de ensejar a consequência prevista na lei. Precedentes desta Corte. Pedido inicial julgado improcedente. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-83340-45.2008.5.10.0004, Relator Ministro Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, DEJT 18/11/2011).
"RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA RECÍPROCA. MULTA DE 20% DO FGTS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. A autonomia da vontade coletiva, consagrada no art. 7º, XXVI, da Lei Maior, há de se exercer no âmbito que lhe é próprio, com observância, portanto, no expressivo dizer de Carmen Camino, do chamado núcleo duro do Direito do Trabalho, formado por normas de fonte estatal, imperativas e de ordem pública, informadas pelos princípios da proteção e da irrenunciabilidade, com ressalva das hipóteses de abertura, pela própria lei, à autonomia coletiva - a que Oscar Ermida Uriarte chama de válvulas de escape -, e que dizem, no direito posto, com salário e jornada de trabalho (Art. 7º, VI, XIII e XIV, da Constituição Federal). Nesse contexto, à luz do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.036/90, e diante da natureza multidimensional do FGTS, de fundo social e garantia do tempo de serviço do empregado, enunciado como direito social no inciso III do art. 7º da Carta Política, não há como prevalecer a cláusula de instrumento coletivo em que prevista, a despeito da inocorrência do suporte fático dos arts. 482 e 483 da CLT, a rescisão contratual por culpa recíproca, sem o reconhecimento judicial, com o pagamento de multa de 20% do FGTS que lhe é consectário. Precedentes desta Corte. Revista não conhecida, no tema" (RR-2700-91.2009.5.09.0022, Relatora Ministra Rosa Maria Weber, 3ª Turma, DEJT 19/08/2011).
"RECURSO DE REVISTA. RESCISÃO CONTRATUAL. MODALIDADE. CULPA RECÍPROCA PREVISTA EM CLÁUSULA COLETIVA. 20% DO FGTS. É inválida cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho que estipula previamente que a rescisão do contrato de trabalho decorrerá de culpa recíproca, e que define a redução para 20% da multa sobre os depósitos do FGTS, por criar ficção jurídica prejudicial ao trabalhador e subverter o princípio da primazia da realidade, que norteia o direito do trabalho. Recurso de revista a que se nega provimento. IMPOSTO DE RENDA. FORMA DE APURAÇÃO. A matéria relativa ao critério de apuração do imposto de renda encontra-se pacificada pela Súmula nº 368, II, do TST, entretanto, fato superveniente, qual seja, a edição da Instrução Normativa nº 1.127, de 7/2/2011, que regulamentou a Lei nº 12.350, de 2010, modificou o tratamento nos procedimentos a serem observados na apuração do imposto de renda da pessoa física incidente sobre os rendimentos recebidos acumuladamente, que passaram a ter tributação exclusiva na fonte, no mês do crédito ou pagamento, obedecendo ao regime de competências. Tendo em vista o benefício que esse tratamento trouxe ao contribuinte, deve ser imediatamente aplicado aos processos de conhecimento em curso. Quanto aos juros, a decisão recorrida está em consonância com a Orientação Jurisprudencial nº 400 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST. Recurso de revista de que não se conhece. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O reclamante não está assistido por advogado do sindicato de classe. Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário- mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Súmula nº 219 desta Corte, que permanece válida, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, conforme a Súmula nº 329. Recurso de revista a que se dá provimento" (RR-3622900-92.2008.5.09.0009, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, DEJT 17/06/2011).
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao Recurso de Embargos para restabelecer a decisão regional.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso de Embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a decisão regional.
Brasília, 23 de agosto de 2012.
João Batista Brito Pereira
Ministro Relator