Derrubada exclusividade do BB no consignado em SP
Município terá que abrir inscrições para que outras entidades possam atuar no segmento.
Da Redação
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Atualizado às 10:17
O juízo da 4ª vara da Fazenda Pública de SP derrubou a exclusividade do BB no empréstimo consignado para servidores da capital. O município terá que abrir inscrições para que outras entidades interessadas possam atuar no segmento. A causa foi patrocinada pelo escritório Bianchini Advogados.
A ação foi ajuizada pelo Sindicato Nacional das Entidades Abertas de Previdência Privada, sustentando a ilegalidade do decreto 51.198/10, que assegurou a exclusividade da instituição.
O julgador, ao se pronunciar acerca do mérito, consignou inicialmente que o custo do negócio está intrinsicamente ligado a seu risco. Uma vez que o pagamento do empréstimo se dá mediante desconto em folha do servidor, há a diminuição do risco do negócio e consequentemente do custo oferecido. "Quando esta garantia é conferida a uma única instituição, ocorre o desequilíbrio do jogo econômico, pois apenas aquele que teve o risco de seu negócio diminuído, poderá oferecer taxas e condições de negócio mais vantajosas", ponderou.
Assim, em suas palavras, o fato do servidor poder buscar outros empréstimos pessoais (obstando-se apenas da modalidade do consignado) seria uma "falácia".
Portanto, considerou inconstitucional a exclusividade firmada, determinando a abertura de inscrições para que outras entidades interessadas possam atuar na concessão de crédito consignado. O magistrado fixou multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento.
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Processo : 0043258-18.2011.8.26.0053
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VISTOS. SINDICATO NACIONAL DAS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA- SINAPP ajuizou a presente ação de obrigação de fazer em face do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO sustentando, em síntese, a ilegalidade do Decreto nº 51.198/2010 que, conferindo nova redação ao Decreto nº 49.425/2008, assegurou a exclusividade do Banco do Brasil na concessão de empréstimo consignado em folha de pagamento dos servidores municipais.
Após tecer considerações acerca do mercado de crédito consignado, o autor alegou que a exclusividade conferida pelo requerido fere a legalidade administrativa e viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência, além de afrontar o preceito fundamental da isonomia e o princípio administrativo da impessoalidade.
Portanto, segundo os argumentos expostos na inicial, o ato emanado da Administração Municipal gera monopólio ilegal e permite a dominação do mercado de serviço de empréstimo consignado.
Por tais motivos, postulou a condenação do réu no cumprimento de obrigação de fazer, consistente na abertura das inscrições para as entidades de previdência complementar que tenham interesse em oferecer empréstimo consignado aos servidores públicos municipais, reconhecendo-se, incidentalmente, a inconstitucionalidade do Decreto nº 51.198/2010.
Procuração e documentos a fls. 33/297.
Antecipação dos efeitos da tutela indeferida a fls. 299.
Agravo de instrumento interposto a fls. 310/333.
Citada (fls. 340), a requerida apresentou contestação a fls. 350/374.
Inicialmente, sustentou a necessidade de chamamento ao processo do Banco do Brasil, posto se tratar de litisconsorte passivo necessário.
No mais, requereu a extinção do processo, sem resolução de mérito, alegando a inadequação da via eleita pelo autor que, embora tenha formulado pedido de obrigação de fazer, na verdade pretende a invalidade do contrato firmado pelo requerido e a declaração de inconstitucionalidade de ato normativo por vias transversas.
No mérito, sustentou a legalidade do Decreto Executivo, pois pautado no art. 98, da Lei Municipal nº 8.989/79. Argumentou que o conteúdo do ato normativo se reveste de discricionariedade, cabendo à Administração analisar a conveniência e oportunidade, quando da autorização de empréstimos consignados em folha de pagamento de seus servidores, ressaltando que o gerenciamento dos valores retidos acarreta ônus ao consignante, o que realça a discricionariedade da Municipalidade na escolha da consignatária.
Teceu comentários acerca dos prejuízos causados à requerida no caso de cancelamento da contração com o Banco do Brasil, que tal instituição oferece os menores juros do mercado e que eventuais impedimentos contidos em circular do Banco Central não se dirigem à Administração Pública.
Quanto aos princípios constitucionais invocados pelo autor, sustenta não haver qualquer violação, já que os servidores não estão impedidos de buscar outros empréstimos pessoais (a limitação se refere apenas à modalidade de pagamento consignado), e diante da publicidade das taxas de juros, bastaria que outras instituições financeiras oferecessem melhores condições.
Juntou os documentos de fls. 375/407.
Réplica a fls. 414/421.
Devidamente intimadas (fls. 429), as partes não pleitearam a produção de outras provas.
É o relatório do essencial.
Fundamento e DECIDO.
Inicialmente, afasto a preliminar atinente à necessidade de chamamento ao processo para que o Banco do Brasil integralize a presente lide.
A sociedade de economia mista realizou convênio com a municipalidade e, em razão da edição de Decreto Executivo, alcançou a exclusividade na prestação de determinado serviço. Portanto, dentro da relação descrita, a instituição financeira não ocupa a posição de devedor (solidário ou não), e muito menos fiador, afastando-se qualquer das hipóteses previstas no art. 77, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, a condição de litisconsorte passivo necessário exige a configuração de interesse jurídico. E, no presente caso, o interesse do Banco do Brasil é meramente econômico, pois o autor não pretende sua exclusão da condição de fornecedor do serviço de empréstimo consignado ou mesmo a invalidação de contrato celebrado entre o Município e o Banco do Brasil.
Ainda que as consequências financeiras possam ser consideravelmente sentidas por aquele que perde a exclusividade, eventual decisão de procedência do pedido não cria obrigações ou deveres para o Banco do Brasil, mas apenas afasta sua vantagem econômica.
No que tange à alegada falta de interesse de agir, o autor formulou pedido de obrigação de fazer, consistente na abertura de inscrições para que outras entidades associadas, com interesse na realização de empréstimos consignados em folha de pagamento, possam oferecer seus serviços aos servidores públicos municipais.
A Lei Municipal nº 8.989/79, que a luz dos argumentos expostos pela requerida confere legalidade ao Decreto nº 51.198/2010, prevê a possibilidade da consignação facultativa para entidades credenciadas.
Portanto, considerando que o pedido do autor tem como objetivo impor obrigação de fazer, consistente na abertura de inscrições para o credenciamento de novas entidades, não vislumbro a inadequação da via eleita, ainda que a análise de tal pedido implique na eventual declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 51.198/2010, de forma incidental.
Superadas as preliminares, o feito comporta julgamento nesta etapa, em razão do desinteresse manifestado pelas partes na produção de outras provas (fls. 432/435 e 436) e porquanto a questão de mérito é unicamente de direito (art. 330, I, CPC).
Restou incontroverso nos autos que a requerida, através da edição do Decreto nº 51.198/2010, concedeu exclusividade ao Banco do Brasil para a realização de empréstimos consignados em folha de pagamento dos servidores do Município de São Paulo.
Basta analisar, em um cotejo com o ordenamento jurídico pátrio, a legalidade do ato editado pela municipalidade que, em seu art.1º, estabeleceu que o Banco do Brasil S/A é a única instituição financeira autorizada a operar a concessão de empréstimos mediante consignação em folha de pagamento.
Não se discute a discricionariedade da Administração em dispor sobre o empréstimo consignado em folha de pagamento, pois é faculdade do Poder Público oferecer tal benefício a seus servidores. Todavia, se opta por fazê-lo, o ente público deve observar as regras constitucionais referentes à matéria, sendo-lhe vedado escolher apenas um prestador de serviço, em evidente afronta a isonomia, a livre iniciativa, a livre concorrência e a liberdade individual do cidadão.
A Constituição Federal, já em seu primeiro artigo, prevê expressamente que:
"Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV- os valores sociais do trabalho de da livre iniciativa".
A fim de reforçar a proteção e complementar os princípios norteadores da ordem econômica e financeira:
"Art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV- livre concorrência V- defesa do consumidor"
Por fim, o parágrafo 4º do art. 173 fixa o dever estatal de reprimir violações aos dispositivos mencionados: "A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros".
Ao discorrer sobre a ordem econômica, Alexandre de Moraes afirma que "a ordem econômica constitucional (CF, arts. 170 a 181), fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei" (Direito Constitucional, 17ª Edição, p. 711). E sobre a importância da livre concorrência: "
As atividades econômicas surgem e se desenvolvem por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopólios, oligopólios, cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômica acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a concorrência e por dominar, em conseqüência, os mercados e, de outro, por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento.
Em suma, desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter constante a compatibilização, característica da economia atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social" (Curso de Direito Administrativo, Diógenes Gasparini, 8ª Edição, p. 629/630).
Embora o requerido negue a nocividade de sua conduta, argumentando que os servidores municipais não estão impedidos de buscar outras formas de empréstimo pessoal, necessário lembrar que as regras do mercado estão pautadas em um raciocínio puramente lógico e não jurídico: o custo do negócio está intrinsecamente ligado a seu risco. Diante desta singela e irrefutável premissa, evidente que o incremento na garantia de recuperação de crédito- decorrente do pagamento mediante desconto em folha do servidor- acarreta a diminuição do risco do negócio e consequentemente o custo do serviço oferecido.
E, quando esta garantia é conferida a uma única instituição, ocorre o desequilíbrio do jogo econômico, pois apenas aquele que teve o risco de seu negócio diminuído, poderá oferecer taxas e condições de negócio mais vantajosas. Em suma, os princípios da isonomia, livre iniciativa e livre concorrência só são efetivamente garantidos quando as mesmas condições são asseguradas a todos os participantes.
Dentro desta verdade incontestável, a alegação de que a lealdade do mercado é mantida porque o servidor pode buscar outros empréstimos pessoais (obstando-se apenas a modalidade do empréstimo consignado) torna-se uma falácia. É evidente que a disponibilização de determinado serviço depende de qualificação técnica, aptidão para o desempenho da atividade e higidez patrimonial.
O não preenchimento destes requisitos, ou outros cuja análise compete à Administração, que enquanto consignatária conhece a técnica necessária para o desenvolvimento de atividade reconhecidamente complexa, pode impedir o cadastramento de entidades. Todavia, a alegada facilidade de gerenciamento não pode se sobrepor aos princípios constitucionais.
E, na verdade, percebe-se que o critério utilizado pelo requerido se limitou a verificar "quem da mais" pela exclusividade, esquecendo-se que os valores envolvidos, especialmente a liberdade de escolha do consumidor-servidor e os princípios constitucionais da ordem econômica não são passiveis de barganha, ainda que se defenda que o dinheiro arrecadado seria utilizado na satisfação do interesse público.
Inconstitucional, portanto, a disposição contida no Decreto nº 51.198/2010, ao garantir a exclusividade do Banco do Brasil S/A na realização de empréstimos consignados em folha de pagamento dos servidores do Município de São Paulo, o que reconheço incidentalmente.
Obviamente, os efeitos da presente decisão estão limitados as partes que participaram do processo e a pretensão de extensão de seus efeitos (erga omnes) não possui amparo legal.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na presente ação, impondo ao requerido MUNICÍPIO DE SÃO PAULO a obrigação de fazer consistente na abertura de inscrições para que outras entidades interessadas, e constantes dos quadros da autora, possam atuar no segmento de crédito consignado mediante folha de pagamento dos servidores públicos do Município de São Paulo.
Na hipótese de não cumprimento desta determinação, fixo multa diária no valor de R$ 2.000,00, nos termos do art. 461, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, além das cominações pelo descumprimento de uma ordem judicial. P.R.I.C., arquivem-se, no momento próprio. (em caso de eventual recurso interposto pelo(a)(s) interessado(a)(s) - excetuando-se a União, o Estado, o Município e respectivas autarquias e fundações, assim como o Ministério Público (art. 6º da lei estadual nº 11.608/2003) e os beneficiários da justiça gratuita (art. 3º da lei nº 1.060/50) - haverá custas singelas no valor de R$ 200,00, que devidamente corrigidas para esta data perfazem o valor de R$ 208,22.
Certifico ainda que as despesas com o porte de remessa e retorno importam em R$ 25,00 por volume de autos, possuindo este feito 03 volumes) Advogados(s): Rafael Rodrigues Malachias (OAB 167024/SP), Ricardo Ferrari Nogueira (OAB 175805/SP), Ricardo Magno Bianchini da Silva (OAB 151876/SP)
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