Eurico Miranda deve reconhecer ex-assessor como motorista doméstico
Ex-deputado registrou o trabalhador como assessor parlamentar para que a Câmara pagasse seu salário.
Da Redação
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Atualizado às 15:30
O ex-deputado Federal e ex-presidente do Clube de Futebol Vasco da Gama, Eurico Ângelo de Oliveira Miranda, foi condenado pela 7ª turma do TST a reconhecer como empregado um ex-assessor parlamentar que realizava serviços domésticos em sua residência, pagos com verba da Câmara dos Deputados.
A reclamação, pedindo o reconhecimento do vínculo de emprego e verbas trabalhistas, foi ajuizada pelo empregado em 2006, após ser dispensado sem justa causa. No período entre 1995 e 2002 - quando o ex-dirigente do Vasco da Gama exerceu o cargo de deputado -, o trabalhador foi lotado como assessor parlamentar, mas nunca compareceu ao gabinete do deputado em Brasília/DF. Suas atividades consistiam principalmente em conduzir o ex-deputado de sua casa ao clube, ir ao banco ou transportar algum atleta ao aeroporto.
Na avaliação do ministro Pedro Paulo Manus, relator, o empregado trabalhava pessoalmente para o ex-deputado, que o registrou como assessor parlamentar para não lhe pagar o salário, às expensas do erário. "O fato de o dinheiro, que deu origem aos pagamentos efetuados ao autor, ser do erário público, não pode servir de óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego havido entre as partes, mormente quando o ex-deputado foi o real beneficiário dos serviços prestados", afirmou o magistrado.
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Processo relacionado: RR-110400-48.2006.5.01.0057
Veja a íntegra da decisão.
______________
ACÓRDÃO
7ª Turma
PPM/mdf
RECURSO DE REVISTA. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não há nulidade por negativa de prestação jurisdicional, quando o Tribunal Regional, mediante decisão suficientemente fundamentada, justificou suas razões de decidir, declinando os motivos de convencimento sobre as questões e a matéria em debate, ainda que em sentido contrário à pretensão do reclamado.
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. EMPREGADO DOMÉSTICO. CARGO EM COMISSÃO. CONCOMITÂNCIA. A Justiça Trabalhista é regida pelo princípio da primazia da realidade. No caso, o reclamante foi nomeado como assessor parlamentar do reclamado na Câmara dos Deputados. Contudo, aquele, na verdade, prestava serviços como empregado doméstico na residência deste. Assim, o fato de o dinheiro, que deu origem aos pagamentos efetuados ao autor, ser do erário público, não pode servir de óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego havido entre as partes, mormente quando o reclamado foi o real beneficiário dos serviços prestados. Exegese do art. 3º, da CLT.
FÉRIAS. O Tribunal Regional não tratou da matéria à luz do princípio do ônus da prova previsto nos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC. Assim, por ausência de prequestionamento, incide o teor da Súmula nº 297 desta Corte.
DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. DISPENSA. JUSTIÇA GRATUITA. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROCRASTINATÓRIOS. O apelo não logra processamento, uma vez que o reclamado não aponta violação de dispositivo constitucional e/ou de lei federal, tampouco invoca dissenso pretoriano, o que desatende ao comando previsto no art. 896 da CLT e na Súmula nº 221, I, do TST. Recurso de revista de que não se conhece.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-110400-48.2006.5.01.0057, em que é Recorrente EURICO ÂNGELO DE OLIVEIRA MIRANDA e Recorrido S.L.S.S..
Em face do acórdão às fls. 394/405-seq. 1, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, complementado pelas decisões às fls. 432/435-seq.1, 448/452-seq.1 e 474/475-seq.1, o reclamado interpõe recurso de revista às fls. 478/498-seq.1, pleiteando a reforma do julgado.
Despacho de admissibilidade às fls. 529/530-seq.1.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 535/546-seq.1.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, ante os termos do artigo 83, § 2º, II, do Regimento Interno do TST.
É o relatório.
VOTO
De início, cabe observar que todas as folhas citadas neste voto se referem à peça sequencial nº 1 do processo eletrônico.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, passo ao exame do recurso de revista.
NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
CONHECIMENTO
Eis o teor da decisão recorrida (fls. 396/399):
-(...)
Inicialmente, mister se faz salientar que o recurso ordinário em nenhum momento questiona a existência de relação de emprego entre o Reclamante e o Reclamado. Limita-se, tão somente, a alegar a existência de vínculo jurídico de natureza administrativa com a Câmara dos Deputados como único óbice ao reconhecimento do liame empregatício, no tocante à unicidade contratual.
Por mais que cause espécie o fato de que o Reclamante teve seu 'salário' custeado pelo Erário durante o período impugnado, na medida em que é incontroversa sua nomeação na condição de Secretario Parlamentar durante o lapso temporal questionado, a partir de Fevereiro de 1995 (contestação, fls.71), não cabe, no presente feito, perquirir acerca da legalidade de tal nomeação.
Saliente-se, inclusive, que a sentença determinou a expedição de ofícios às autoridades competentes para que estas tenham ciência da situação narrada nos autos (fl.216), a qual, em um exame meramente perfunctório e incidental, parece ser diametralmente oposta aos ditames da moralidade administrativa prevista no caput do artigo 37 da Constituição da República, já que, em que pese o caráter eminentemente político do cargo ocupado pelo Reclamante no período, não seria função da Administração custear atividade desenvolvida particularmente em benefício do Reclamado, salvo se o interesse público assim o exigisse, o que não parece ser o caso.
De qualquer sorte, qualquer análise relativa à legalidade ou não do vínculo administrativo decorrente da nomeação refoge da competência desta Especializada para apreciação da matéria, devendo a abordagem da questão ser restrita ao âmbito trabalhista, à luz dos princípios que permeiam este ramo do direito, em especial o da primazia da realidade.
Desta forma, no que importa para o deslinde da controvérsia em questão, deve-se é perquirir se houve ou não relação de emprego entre as partes.
Partindo-se da premissa de que houve prestação de serviços na forma do artigo 3º da CLT, ou seja, com a presença dos requisitos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, tem-se que deve ser mantido o reconhecimento de vínculo de emprego procedido na origem, até mesmo porque o Reclamado, em nenhum momento, alega a inexistência de algum destes requisitos ou tampouco nega, nas razões de recurso, a prestação de serviços por parte do Reclamante em seu favor.
Aplicável, ainda que por analogia, o entendimento cristalizado na Súmula nº 386 do C. TST, no sentido de que o vínculo de natureza administrativa não afasta o reconhecimento concomitante do vínculo empregatício, quando presentes os requisitos que o caracterizam. Obviamente, a hipótese da Súmula em apreço trata de matéria ligeiramente diversa, já que, na hipótese dos autos, a contrario sensu da situação preconizada na aludida Súmula a prestação de serviços continuou sendo feita em prol do Reclamado, como restou demonstrado pelo depoimento do Sr. Nilson da Silva Gonçalves, às fls.205, sendo que a percepção de valores ficou a cargo do Erário, ao passo que, na situação do Policial Militar, cuidam-se de duas relações jurídicas absolutamente distintas com beneficiários diversos. De qualquer sorte, a exemplo da Súmula, tem-se que o vínculo trabalhista não pode ser afastado pela existência de vínculo de natureza estatutária, como já dito.
Entretanto, ainda que o 'pagamento', por via reversa, tivesse sido procedido por terceiro, no caso a Administração Pública, restou comprovado que o beneficiário da prestação laboral foi o Reclamado, responsável pela nomeação do Reclamante.
Preenchido, pois, o requisito da onerosidade ínsita à relação de emprego, não se cogitando de prestação de trabalho de forma graciosa, já que não houve qualquer modificação das atividades desempenhadas pelo Reclamante antes ou após a existência do vínculo administrativo em apreço, inexistindo, da mesma forma, eventual intenção de prestação de trabalho voluntário por parte do Reclamante.
Também, é certo que o Reclamante jamais esteve em Brasília ou a serviço do Congresso Nacional, permanecendo vinculado ao Reclamado, também Presidente do Clube de Futebol Vasco da Gama, exercendo as mesmas atividades durante todo o período em que o Reclamado exercia seu mandato parlamentar.
Peço vênia para transcrever parte da sentença (fls.209), onde se encontra registrado os elementos de convicção do julgador, aos quais, também me embaso:
'Assim, não impugnados os demais requisitos e ante o depoimento da testemunha do próprio réu transcrito à f 1.205. no sentido de que nada mudou nas atividades prestadas pelo autor durante os anos: que o autor sempre exerceu atividades idênticas estando, ou não, o réu no Rio e que no período em que o réu encontrava-se em Brasília, o autor (...) ia ao banco, ao aeroporto buscar algum atleta, enfim, auxiliava o depoente em suas atividades e, no período em que o réu estava no Rio o autor fazia serviços relativos ao cumprimento da agenda política, constata-se que o autor sempre foi empregado doméstico do Sr. Eurico Ângelo de Oliveira Miranda, muito embora haja recebido salários do Erário Público durante o período compreendido entre 01/02/1995 e 01.02.2003-documento de fls.183'.
Em relação a eventual enriquecimento sem causa advindo da percepção dupla de vantagens inerentes ao liame administrativo com o Congresso Nacional e ao contrato de trabalho mantido concomitantemente com o Reclamado, não pleiteou o Reclamante, à exceção dos períodos de férias não usufruídos, o pagamento de verbas salariais do período compreendido entre 01.02.1995 e 01.02.2003, razão pela qual não pode ser considerado como afronta ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa o seu deferimento, já que a presente relação rege-se pelos moldes celetizados, contemplando, por tal razão, os direitos deferidos em sentença.
Assinala-se que as verbas salariais deferidas, à exceção dos períodos de férias não usufruídos, foram restritas ao período posterior à nomeação do Reclamante na função de Assessor Parlamentar, conforme referido em item antecedente.
Inexiste, por tal razão, afronta aos dispositivos legais suscitados, em especial ao regime instituído na Lei nº 8.112/90, sendo que a questão relativa à legalidade do vínculo desenvolvido na seara administrativa não se confunde com o objeto do presente processo, até mesmo porque não pode ser apreciada pela Justiça do Trabalho por não se inserir na sua competência constitucionalmente estabelecida no artigo 114 da Carta.
Pelos mesmos argumentos acima explicitados, não há que se falar em dedução/compensação dos valores retidos a titulo de contribuição previdenciária, no período sob exame.
Não merece prosperar, então, a insurgência apresentada pelo Reclamado, restando mantida a condenação imposta na origem, inclusive quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego havido de 16.11.1992 até 01.06.2006.
Nego provimento.-
O reclamado opôs embargos de declaração. A Corte de origem consignou (fls. 433/434):
-(...)
Cuidou o Colegiado de analisar os requisitos necessários à configuração da relação de emprego. Daí, a aplicação da Súmula n° 386, do C. TST, ... 'já que, na hipótese dos autos, a contrário sensu da situação preconizada na aludida Súmula, a prestação de serviços continuou sendo feito em prol do Reclamado, como restou demonstrado pelo depoimento do Sr. Nilson da Silva Gonçalves, às fls.205, sendo que a percepção de valores ficou a cargo do Erário'...(grifo nosso)
Com base na assertiva acima, evidente o enfrentamento da controvérsia acerca do vínculo havido entre as partes.
O acórdão regional concluiu pela existência da relação de emprego havida entre o Reclamante e o ora Embargante, nos exatos limites das razões de decidir ali esposadas.-
O reclamado opôs novos embargos de declaração. O Colegiado -a quo- registrou (fls. 450/452):
-(...)
Em verdade, ao renovar os argumentos já esposados no recurso ordinário e nos embargos de declaração anterior, pretende o Embargante seja reavaliado o reconhecimento de vínculo de emprego mantido com o Reclamante, no período em que fora ele nomeado Assessor Parlamentar.
Para tanto, fixa-se o Embargante no pressuposto da ausência de onerosidade para desqualificar a relação empregatícia que manteve com o Reclamante no questionado período.
O tema encontra-se por demais analisado no item 2.1, às fls. 260/261-verso.
O fundamento basilar das razões de decidir se concentra no depoimento prestado pelo técnico de futebol Nilson da Silva Gonçalves, testemunha do Réu, às fls.205, que afirmou que o Reclamante, embora nomeado Assessor Parlamentar, continuava nas dependências do Clube Vasco da Gama auxiliando o depoente em suas atividades; que nada mudou nas atividades prestadas pelo autor durante os anos; que o autor sempre exerceu atividades idênticas estando ou não o réu no Rio.
O chefe de gabinete do Réu em Brasília declarou às fls. 136, que o Reclamante nunca prestou serviços ao Reclamado naquela cidade.
Como dito no v. acórdão, enquanto o pagamento do salário do Reclamante ficava a cargo de terceiro, no caso a Administração Pública, o real beneficiário da prestação laboral continuava sendo o Reclamado, seu empregador doméstico, como restou demonstrado pelo depoimento do Sr. Nilson da Silva Gonçalves, às fls.205.
Transcrevo parte da sentença, às fls.209, por comungar com o mesmo entendimento:
'Ante a prova oral acima mencionada, entretanto, não parece que o Clube Vasco da Gama tenha o perfil de uma projeção do Gabinete do Deputado situado em Brasília, ou que as atividades do então 'Secretário', ora autor, de ir ao banco e buscar atletas no aeroporto se assemelhem àquelas desenvolvidas num gabinete parlamentar de representação do Povo Brasileiro'.
Não se vislumbrando, em concreto, qualquer obscuridade no aresto embargado, não merece acolhimento o remédio utilizado.
Ante o exposto, REJEITO os Embargos de Declaração.-
O reclamado opôs novamente embargos de declaração. O Tribunal Regional, julgando-os protelatórios, aplicou a multa prevista no art. 538 do CPC (fls. 474/475).
O reclamado sustenta (fls. 480/483) nulidade por negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista que, mesmo após a oposição de três embargos de declaração, a decisão regional se manteve silente sobre a possibilidade ou impossibilidade de ser reconhecido vínculo de emprego doméstico de um período no qual o reclamante manteve vínculo de natureza administrativa (assessor parlamentar), notadamente quando ausente o requisito da onerosidade, indispensável ao reconhecimento de qualquer vínculo empregatício. Aponta violação dos artigos 93, IX, da Constituição Federal e 832 da CLT.
Cabe registrar que não se tem por caracterizada a indicada violação dos artigos 93, IX, da Constituição Federal e 832 da CLT.
O Tribunal Regional esclareceu que o fato de o reclamante ter contrato de cunho administrativo e concomitantemente prestar serviços como empregado doméstico na residência do reclamado, bem como o fato de o autor receber dinheiro público, em nada altera o reconhecimento do vínculo de emprego havido entre as partes, mormente quando se comprovou que o beneficiário da prestação laboral foi o reclamado, responsável pela nomeação do reclamante como assessor parlamentar.
Assim, percebe-se, na verdade, que a intenção do reclamado é revolver fatos e prova e, em consequência, alterar o julgado.
Ademais, o princípio do livre-convencimento motivado exige que, a partir da apreciação dos fatos e das provas contida nos autos, o julgador exponha, de modo fundamentado, os motivos de sua decisão - o que foi evidenciado no acórdão regional. Logo, a simples contrariedade às pretensões da parte, nas razões de decidir, não configura abstenção da atividade julgadora.
Diante do exposto, não conheço do apelo.
VÍNCULO EMPREGATÍCIO - EMPREGADO DOMÉSTICO - CARGO EM COMISSÃO - CONCOMITÂNCIA
CONHECIMENTO
O Colegiado Regional assim decidiu (fls. 396/399):
-(...)
Inicialmente, mister se faz salientar que o recurso ordinário em nenhum momento questiona a existência de relação de emprego entre o Reclamante e o Reclamado. Limita-se, tão somente, a alegar a existência de vínculo jurídico de natureza administrativa com a Câmara dos Deputados como único óbice ao reconhecimento do liame empregatício, no tocante à unicidade contratual.
Por mais que cause espécie o fato de que o Reclamante teve seu 'salário' custeado pelo Erário durante o período impugnado, na medida em que é incontroversa sua nomeação na condição de Secretario Parlamentar durante o lapso temporal questionado, a partir de Fevereiro de 1995 (contestação, fls.71), não cabe, no presente feito, perquirir acerca da legalidade de tal nomeação.
Saliente-se, inclusive, que a sentença determinou a expedição de ofícios às autoridades competentes para que estas tenham ciência da situação narrada nos autos (fl.216), a qual, em um exame meramente perfunctório e incidental, parece ser diametralmente oposta aos ditames da moralidade administrativa prevista no caput do artigo 37 da Constituição da República, já que, em que pese o caráter eminentemente político do cargo ocupado pelo Reclamante no período, não seria função da Administração custear atividade desenvolvida particularmente em benefício do Reclamado, salvo se o interesse público assim o exigisse, o que não parece ser o caso.
De qualquer sorte, qualquer análise relativa à legalidade ou não do vínculo administrativo decorrente da nomeação refoge da competência desta Especializada para apreciação da matéria, devendo a abordagem da questão ser restrita ao âmbito trabalhista, à luz dos princípios que permeiam este ramo do direito, em especial o da primazia da realidade.
Desta forma, no que importa para o deslinde da controvérsia em questão, deve-se é perquirir se houve ou não relação de emprego entre as partes.
Partindo-se da premissa de que houve prestação de serviços na forma do artigo 3º da CLT, ou seja, com a presença dos requisitos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, tem-se que deve ser mantido o reconhecimento de vínculo de emprego procedido na origem, até mesmo porque o Reclamado, em nenhum momento, alega a inexistência de algum destes requisitos ou tampouco nega, nas razões de recurso, a prestação de serviços por parte do Reclamante em seu favor.
Aplicável, ainda que por analogia, o entendimento cristalizado na Súmula nº 386 do C. TST, no sentido de que o vínculo de natureza administrativa não afasta o reconhecimento concomitante do vínculo empregatício, quando presentes os requisitos que o caracterizam. Obviamente, a hipótese da Súmula em apreço trata de matéria ligeiramente diversa, já que, na hipótese dos autos, a contrario sensu da situação preconizada na aludida Súmula a prestação de serviços continuou sendo feita em prol do Reclamado, como restou demonstrado pelo depoimento do Sr. Nilson da Silva Gonçalves, às fls.205, sendo que a percepção de valores ficou a cargo do Erário, ao passo que, na situação do Policial Militar, cuidam-se de duas relações jurídicas absolutamente distintas com beneficiários diversos. De qualquer sorte, a exemplo da Súmula, tem-se que o vínculo trabalhista não pode ser afastado pela existência de vínculo de natureza estatutária, como já dito.
Entretanto, ainda que o 'pagamento', por via reversa, tivesse sido procedido por terceiro, no caso a Administração Pública, restou comprovado que o beneficiário da prestação laboral foi o Reclamado, responsável pela nomeação do Reclamante.
Preenchido, pois, o requisito da onerosidade ínsita à relação de emprego, não se cogitando de prestação de trabalho de forma graciosa, já que não houve qualquer modificação das atividades desempenhadas pelo Reclamante antes ou após a existência do vínculo administrativo em apreço, inexistindo, da mesma forma, eventual intenção de prestação de trabalho voluntário por parte do Reclamante.
Também, é certo que o Reclamante jamais esteve em Brasília ou a serviço do Congresso Nacional, permanecendo vinculado ao Reclamado, também Presidente do Clube de Futebol Vasco da Gama, exercendo as mesmas atividades durante todo o período em que o Reclamado exercia seu mandato parlamentar.
Peço vênia para transcrever parte da sentença (fls.209), onde se encontra registrado os elementos de convicção do julgador, aos quais, também me embaso:
'Assim, não impugnados os demais requisitos e ante o depoimento da testemunha do próprio réu transcrito à f 1.205. no sentido de que nada mudou nas atividades prestadas pelo autor durante os anos: que o autor sempre exerceu atividades idênticas estando, ou não, o réu no Rio e que no período em que o réu encontrava-se em Brasília, o autor (...) ia ao banco, ao aeroporto buscar algum atleta, enfim, auxiliava o depoente em suas atividades e, no período em que o réu estava no Rio o autor fazia serviços relativos ao cumprimento da agenda política, constata-se que o autor sempre foi empregado doméstico do Sr. Eurico Ângelo de Oliveira Miranda, muito embora haja recebido salários do Erário Público durante o período compreendido entre 01/02/1995 e 01.02.2003-documento de fls.183'.
Em relação a eventual enriquecimento sem causa advindo da percepção dupla de vantagens inerentes ao liame administrativo com o Congresso Nacional e ao contrato de trabalho mantido concomitantemente com o Reclamado, não pleiteou o Reclamante, à exceção dos períodos de férias não usufruídos, o pagamento de verbas salariais do período compreendido entre 01.02.1995 e 01.02.2003, razão pela qual não pode ser considerado como afronta ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa o seu deferimento, já que a presente relação rege-se pelos moldes celetizados, contemplando, por tal razão, os direitos deferidos em sentença.
Assinala-se que as verbas salariais deferidas, à exceção dos períodos de férias não usufruídos, foram restritas ao período posterior à nomeação do Reclamante na função de Assessor Parlamentar, conforme referido em item antecedente.
Inexiste, por tal razão, afronta aos dispositivos legais suscitados, em especial ao regime instituído na Lei nº 8.112/90, sendo que a questão relativa à legalidade do vínculo desenvolvido na seara administrativa não se confunde com o objeto do presente processo, até mesmo porque não pode ser apreciada pela Justiça do Trabalho por não se inserir na sua competência constitucionalmente estabelecida no artigo 114 da Carta.
Pelos mesmos argumentos acima explicitados, não há que se falar em dedução/compensação dos valores retidos a titulo de contribuição previdenciária, no período sob exame.
Não merece prosperar, então, a insurgência apresentada pelo Reclamado, restando mantida a condenação imposta na origem, inclusive quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego havido de 16.11.1992 até 01.06.2006.
Nego provimento.-
O recorrente alega (fls. 463/493) que durante o período no qual o reclamante esteve investido no cargo de secretario parlamentar, este recebeu tão somente os valores pagos pelo erário público (Câmara dos Deputados), ou seja, nenhum pagamento foi efetuado pelo reclamado ao autor no referido período, o que conduz a conclusão lógica que não ocorreu a onerosidade, desatendendo a um dos requisitos exigidos pela CLT para a comprovação do vínculo empregatício. Argumenta que o fato do reclamante não desempenhar suas atividades em Brasília não constitui qualquer irregularidade, na medida em que o Deputado Federal pode ter pessoas nomeadas e lotadas em seu gabinete e que lhe prestam serviços em sua base eleitoral. Requer, caso mantida a condenação, que seja deferida a compensação e/ou dedução dos valores pagos ao INSS. Aponta violação dos artigos 37, II, da Constituição Federal e 3º da CLT. Transcreve arestos para o confronto de teses.
O processo do trabalho acolhe o princípio da primazia da realidade. No caso, o reclamante foi nomeado como assessor parlamentar do reclamado na Câmara dos Deputados. Contudo, ele, na verdade prestava serviços como empregado doméstico, na residência do empregador. Assim, o fato de o dinheiro, que deu origem aos pagamentos efetuados ao autor, ser do erário público, não pode servir de óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego havido entre as partes, mormente quando o reclamado foi o real beneficiário dos serviços prestados. Decisão em sentido contrário esbarra no teor da Súmula nº 126 desta Corte.
A Corte de origem não tratou da matéria à luz da ofensa ao art. 37, II, da Constituição Federal. Assim, por ausência de prequestionamento, incide o disposto na Súmula nº 297 do TST.
O art. 3º da CLT não foi afrontado, tendo em vista que ficou caracterizado o vínculo de emprego, conforme o referido artigo.
Os arestos apontados às fls. 486/488 não citam a fonte do qual se originam o que desatende ao estabelecido na Súmula nº 337, I, -a-, desta Corte.
Quanto ao requerimento de compensação e/ou dedução dos valores pagos ao INSS, cumpre ressaltar que a Justiça do Trabalho não detém competência para tratar de matéria ligada ao vínculo de natureza administrativa.
Logo, não conheço.
FÉRIAS
CONHECIMENTO
A Corte Regional expendeu o seguinte pronunciamento (fl. 400):
-(...)
Há evidente equívoco do Reclamado ao alegar a inaplicabilidade do art. 137, da CLT ao Reclamante.
Pelos art. 2º e 6º do Decreto n°71.885/73, que regulamenta a Lei nº 5.859/72, restou determinada a aplicação do capítulo celetista referente às férias à categoria dos domésticos.
Portanto, são devidas aos empregados domésticos as parcelas de férias proporcionais e a dobra celetista incidente sobre as verbas pagas a destempo.
Nego provimento.-
O reclamado afirma (fl. 495) que o autor não tem direito às férias, porquanto não provou que não as usufruiu. Aponta violação dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC.
O Tribunal Regional não tratou da matéria à luz do princípio do ônus da prova previsto nos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC. Assim, por ausência de prequestionamento, incide o teor da Súmula nº 297 desta Corte.
Não conheço.
DANO MORAL - VALOR DA INDENIZAÇÃO - DISPENSA - JUSTIÇA GRATUITA - MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROCRASTINATÓRIOS
CONHECIMENTO
O reclamado argumenta (fls. 495/498) que não pode ser condenado à indenização por dano moral, porque não houve calúnia, injúria ou difamação. Sustenta que o reclamante, mesmo na época em que era secretario parlamentar, já possuía inscrições no SERASA e no SPC, o que faz ruir a tese de que houve culpa sua na questão da inadimplência. Assevera que o valor arbitrado à condenação não observou os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Alega que, no que concerne à questão da dispensa, o reclamado não dispensou os serviços do reclamante. Argui que o deferimento da gratuidade de justiça deve ser revisto, tendo em vista que o autor não demonstrou preencher os requisitos da declaração de pobreza jurídica, nos termos da legislação em vigor. Requer a exclusão da multa por embargos de declaração procrastinatórios.
O apelo não logra processamento, uma vez que O reclamado não aponta violação de dispositivo constitucional e/ou de lei federal, tampouco invoca dissenso pretoriano, o que desatende ao comando previsto no art. 896 da CLT e na Súmula nº 221, I, do TST.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, não conhecer do recurso de revista. Vencido o Exmo. Ministro Ives Gandra Martins Filho, que conheceria e negaria provimento.
Brasília, 07 de agosto de 2012.
Pedro Paulo Manus
Ministro Relator