Advogado suspeito de coação sobre detento tem HC negado
Causídico pediu para detento alterar declarações, mediante ameaça velada.
Da Redação
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
Atualizado às 15:33
A 3ª câmara Criminal do TJ/SC negou HC para advogado acusado de coagir detento a mudar suas declarações em inquérito policial, com vistas na satisfação de interesse próprio, uma vez que, na referida ação, o paciente responde por tráfico de influência. A defesa do causídico pretendia o trancamento da ação penal.
O impetrante sustentou falta de justa causa para a deflagração do processo, já que a conduta de seu cliente não é crime. Alegou ausência de indícios de autoria e de provas da materialidade do delito, e ressaltou que a denúncia não descreveu a grave ameaça, elemento necessário à configuração do delito.
O desembargador Torres Marques, que relatou a ação, disse que "no inquérito policial, de fato, há elementos indicativos de que o advogado [...] pediu para que o referido detento alterasse suas declarações, mediante ameaça velada." A suposta vítima afirmou que se sentiu coagida, pois o paciente presidia importante órgão de administração penitenciária e poderia prejudicar sua situação carcerária. Marques acrescentou que informações do inquérito "conferem plausibilidade à conduta descrita na denúncia e autorizam, por essa razão, a continuidade da ação penal".
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Habeas Corpus n. , de Brusque
Relator: Des. Torres Marques
HABEAS CORPUS. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ART. 344 DO CP). ADUZIDA A INÉPCIA DA DENÚNCIA. NARRATIVA DOS FATOS COM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. OBEDIÊNCIA AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. PRETENDIDO O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA A AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. HIPÓTESE NÃO VERIFICADA DE PLANO. PRESENÇA DE INDÍCIOS DA AUTORIA E DE PROVAS DA MATERIALIDADE. NECESSIDADE DE MELHOR ANÁLISE DAS PROVAS A SEREM PRODUZIDAS NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n., da comarca de Brusque (Vara Criminal), em que é impetrante P.S.M., e paciente R.J.S.:
A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, denegar a ordem. Sem custas.
Participaram do julgamento, realizado no dia 24 de julho de 2012, os Exmos. Des. Alexandre d'Ivanenko e Moacyr de Moraes Lima Filho. Funcionou pela Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Pedro Sérgio Steil.
Florianópolis, 25 de julho de 2012.
Torres Marques
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelo advogado P.S.M., em favor de R.J.S., denunciado pela suposta prática do crime tipificado no art. 344 do Código Penal, contra ato da MMa. Juíza de Direito da Vara Criminal da comarca de Brusque que recebeu a denúncia oferecida em desfavor do paciente.
Sustentou o impetrante a falta de justa causa para a deflagração da ação penal em razão da atipicidade da conduta imputada ao paciente. Alegou que não haveria mínimos indícios da autoria e tampouco prova da materialidade. Aduziu, ainda, que a denúncia não teria descrito a grave ameaça necessária para a caracterização do delito previsto no art. 344 do CP. Por fim, argumentou que a denúncia teria sido formulada em razão de "querelas anteriores entre o paciente e Promotora de Justiça".
Dessa forma, postulou a concessão da ordem em caráter liminar e sua posterior confirmação pelo Colegiado para que seja, ao final, determinado o trancamento da ação penal em trâmite no juízo de origem.
Indeferida a liminar e dispensadas as informações (fl. 13-v), foram os autos encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça, que opinou, em parecer da lavra do Exmo. Dr. Carlos Eduardo Abreu Sá Fortes, pela denegação da ordem (fls. 16/21).
VOTO
Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor do advogado R.J.S. com o objetivo de que seja determinado o trancamento da ação penal contra ele deflagrada pelo cometimento, em tese, do crime de coação no curso do processo.
Razão não assiste ao impetrante com relação à aventada "inépcia da denúncia", ao argumento de que não estaria descrita a grave ameaça necessária a caracterização do delito.
Isso porque a exordial narra de forma lógica e coerente a conduta imputada ao paciente, e os fatos delituosos encontram-se descritos na peça inicial, assegurando ao acusado o pleno exercício de sua defesa, em estrita atenção aos requisitos elencados no art. 41 do Código de Processo Penal.
Do Superior Tribunal de Justiça se extrai:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA QUE SE AMOLDA À PREVISÃO DO ART. 344 DO CÓDIGO PENAL. AMEAÇA PROFERIDA QUANDO AINDA EM CURSO O PROCESSO ANTERIOR. DELITO FORMAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não há ilegalidade a ser reconhecida se a conduta descrita na inicial acusatória subsume-se àquela prevista no art. 344 do Código Penal. Narra a peça ministerial que o paciente teria telefonado para a ex-mulher, vítima em processo criminal a que ele respondia por tentativa de homicídio, e a ameaçado de morte, "caso continuasse com o processo". Tal narrativa corresponde ao delito de coação no curso do processo.
2. Não merece prosperar a tese de falta de justa causa, porque o recorrente já havia sido sentenciado na outra ação penal, se o acórdão deixa certo que "o delito se consumou no momento da ameaça, quando ainda em curso o feito". O que deve ser avaliado é o momento em que foi proferida a ameaça.
3. Tratando-se de delito formal, não se exige a produção de resultado, consumando-se o crime no momento da ameaça à vítima do outro processo, ainda que ela leve o fato ao conhecimento das autoridades competentes.
4. O trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando se demonstrada, inequivocamente, a absoluta falta de provas, a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da punibilidade, inocorrentes da espécie (RHC n. 23415/SP, rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. 28/4/2011).
Não evidenciado, portanto, o constrangimento ilegal apontado.
De outra parte, registra-se que o trancamento da ação penal pela via estreita do writ só é possível quando ficar configurada, de imediato e de forma incontroversa, a ausência de justa causa apta a obstar o prosseguimento da actio.
Precisamente, deverão ser comprovadas, na inicial, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. Não sendo este o caso, mas havendo necessidade de exame de fatos e provas, a ação deverá ter prosseguimento, a fim de que, no curso da instrução, seja aclarada a dúvida quanto à existência ou não de justa causa.
No caso em apreço, da análise das cópias do processo em anexo, constata-se que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de coação no curso do processo, porque teria coagido o detento Marcos da Silva Ribeiro para que alterasse suas declarações prestadas na esfera administrativa para os agentes da GAECO, nos autos n. 011.11.005793-8, visando a interesse próprio ou alheio, uma vez que no referido processo o paciente responde por tráfico de influência.
No inquérito policial, de fato, há elementos indicativos de que o advogado Ricardo José de Souza pediu para que referido detento alterasse suas declarações, mediante ameaça velada. A suposta vítima afirmou que se sentiu coagida, pois o paciente "era presidente do Conselho Penitenciário e poderia prejudicar sua situação carcerária" (fls. 7/8 dos autos n. 011.11.011808-2).
Diante dessas circunstâncias, a ausência de justa causa suscitada no writ não merece prosperar, mesmo porque os elementos informativos reunidos no caderno indiciário conferem plausibilidade à conduta descrita na denúncia e autorizam, por essa razão, a continuidade da ação penal deflagrada para apurar os fatos delituosos então narrados na exordial acusatória.
Afinal, "o crime de coação no curso do processo, previsto no art. 344 do Código Penal, é delito formal, que se consuma tão-só com o emprego de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que intervenha no processo, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, independentemente de conseguir o agente o resultado pretendido ou de ter a vítima ficado intimidada" (STJ - RESP n. 819763/PR, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17/8/2006).
Cumpre ressaltar que a ameaça velada também basta para a caracterização do crime de coação no curso do processo imputado ao paciente, não havendo falar em atipicidade da conduta por este motivo.
Sobre o tema, colhe-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. COAÇÃO À TESTEMUNHA NO CURSO DO PROCESSO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE AMEAÇA. CONCLUSÃO FUNDAMENTADA EM SENTIDO CONTRÁRIO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AMEAÇA VELADA APTA A INTIMIDAR A VÍTIMA. ARGÜIDA OMISSÃO POR FALTA DE EXAME DAS TESES DEFENSIVAS. INEXISTÊNCIA.
1. No caso em apreço, a ameaça foi praticada de modo velado, insinuada por via sub-reptícia, mas facilmente percebida pela vítima que, por todas os elementos envolvidos, sentiu-se seriamente ameaçada, como qualquer "homem médio" sentir-se-ia, tanto que procurou auxílio da autoridade policial.
2. A alegação de ausência de ameaça foi rechaçada pelas instâncias ordinárias que a considerou efetiva e apta a intimidar a testemunha, razão pela qual não há falar em omissão. A conclusão em sentido diverso requer reexame do material fático-probatório, sabidamente descabido na via do habeas corpus (HC n. 39284/SC, rela. Mina. Laurita Vaz, j. 17/11/2005).
Existindo, portanto, mínimos indícios da autoria e provas da materialidade delitiva, afigura-se descabido o trancamento da ação penal nesse momento processual.
A propósito, já se manifestou esse signatário:
HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E DE AUTORIA. NECESSIDADE DE EXAME DE FATOS E DE PROVAS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. ORDEM DENEGADA (Habeas Corpus n. 2011.031471-4, de Chapecó, j. 24/5/2011).
Assim, não há cogitar a superveniência de constrangimento ilegal calcado no prosseguimento de processo criminal cuja denúncia foi recebida pela autoridade apontada como coatora, uma vez que o trancamento pretendido esbarra na subsistência dos pressupostos necessários para a persecução penal.
Ante o exposto, denega-se a ordem.