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Absolvido, homem receberá R$ 2 mi após esperar 12 anos por julgamento

Réu passou por mais de 24 transferências no período.

Da Redação

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Atualizado às 08:58

Um homem que permaneceu quase 12 anos preso e foi absolvido será indenizado em R$ 2 mi pelo Estado do RJ. Ele reclamava da demora do julgamento e a quantidade de transferências no período. Decisão da 10ª vara da Fazenda Pública considerou indescritível a dor de ter vivido tanto tempo sem poder ter a visita dos familiares, diante de mais de 24 transferências.

De acordo com os autos, o ex-preso era acusado de ser homicida e fazer parte de um grupo de extermínio. O homem destacou, além da grande quantidade de transferências, a demora de quase 2 anos e meio para envio de autos da comarca de origem para a comarca de Niterói e o fato do primeiro julgamento ter se dado em razão de matéria veiculada no jornalístico Fantástico, após 7 anos de prisão. O requerente aduziu ainda que, com o cárcere, foi privado do crescimento de seu filho, além de ter sobrevivido a diversas rebeliões. O MP opinou pela procedência do pedido.

O Estado do RJ contestou alegando que o processo criminal correu dentro de um prazo razoável, devido à necessidade de se apurar corretamente os fatos, dando ao autor todas as possibilidades para exercer o contraditório e a ampla defesa. Sustenta ainda que no processo em que o autor figurou como réu teve vários incidentes processuais, os quais justificariam a demora verificada para o julgamento.

A juíza Simone Lopes da Costa entendeu que, ao deixar uma pessoa encarcerada por tanto tempo sem concluir seu julgamento, o Estado contrariou o princípio constitucional da eficiência. Para ela, não há precariedade que justifique a prisão de um cidadão por tanto tempo. "De fato, houve acontecimentos extraordinários, como desaforamento, anulação do julgamento e realização de novo julgamento, mas nenhum desses fatos justifica o aprisionamento por quase 12 anos sem a obtenção do provimento jurisdicional, ou seja, em caráter provisório e precário", afirmou.

A magistrada entendeu, no entanto, que o Estado deverá indenizar o autor pelos danos imateriais sofridos, pois a privação de sua liberdade, apesar da legalidade num primeiro momento, acabou demorando mais tempo do que o necessário. De acordo com ela, "o problema da reparação do dano moral deve ser posto em termos, a par do caráter punitivo imposto ao agente, pois tem de assumir sentido compensatório. Mas também deve se razoável [...]".

A juíza destacou ainda que é indescritível a dor de ter vivido por quase 12 anos sem poder ter sequer a visita dos familiares em muitos momentos. "Não é difícil imaginar as angústias, medo, transtornos e frustração de não ter visto a vida passar fora das grades. Incomensurável a dor de não ter visto um filho crescer e se desenvolver sem a presença paterna, sabendo que este mesmo filho se desenvolvia com o estigma de ter um pai encarcerado", escreveu.

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Tipo do Movimento: Sentença
Descrição: Processo nº 0323693-83.2010.8.19.0001
Autor: V.R.P.S.
Réu: Estado do Rio de Janeiro

SENTENÇA

V.R.P.S. moveu a presente ação em face do Estado do Rio de Janeiro na qual postula indenização a título de danos morais, alegando como causa de pedir que permaneceu quase 12 (doze) anos preso, acusado de ser homicida e fazer parte de um grupo de extermínio. Pretende indenização em razão da demora do Judiciário em julgar o processo em razão de diversos fatos extraordinários, dentre eles a demora do envio de autos desaforados da comarca de origem para a comarca de Niterói (2 anos e 5 meses) e o primeiro julgamento ter se dado em razão de matéria veiculada no fantástico, com 7 (sete) anos de prisão. Aduz que com o cárcere foi privado do crescimento de seu filho, que foi transferido por diversas vezes (mais de 24), o que inviabilizava a visita de seus familiares, sem contar com o fato de ser sobrevivente de diversas rebeliões. Com a inicial, vieram os documentos de fls. 13/64. Decisão que deferiu a gratuidade de justiça (fls. 66).

O Estado do Rio de Janeiro apresentou contestação (fls. 71/75) afirmando que o processo criminal correu dentro de um prazo razoável, devido à necessidade de se apurar corretamente os fatos, dando ao autor todas as possibilidades para exercer o contraditório e a ampla defesa. Sustenta ainda que no processo em que o autor figurou como réu teve vários incidentes processuais, os quais justificariam a demora verificada para o julgamento. Impugna ainda o valor requerido a título de indenização.

Instadas a se manifestarem em provas (fls. 77), as partes não requereram novas provas e o autor se manifestou em réplica (fls. 78 e 81/85). O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls. 87/88).

É o relatório.

Passo a decidir.

Passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330 do Código de Processo Civil, uma vez que não há mais provas a serem produzidas. Não há preliminares ou prejudiciais a serem apreciadas.

Passo ao exame do mérito. A hipótese em tela cinge-se sobre a responsabilidade civil do Estado de Rio de Janeiro em razão da prisão cautelar do autor que teve duração de onze anos e oito meses, vindo a ser absolvido. Os fatos narrados na inicial restaram incontroversos. É cediço que a atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), em seu artigo Art. 37, parágrafo 6º elegeu a responsabilidade civil objetiva, sob a modalidade do risco administrativo, para a Administração Pública. Observando o que dispõe o referido artigo constitucional, firmou-se, no atual texto constitucional, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, em face de dano causado por agentes públicos. De acordo com a teoria do risco administrativo, o Estado responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes. Como bem ponderou Augusto do Amaral Dergint , citado pelo mestre Sergio Cavalieri Filho , o juiz é agente público e a atividade judiciária é capaz de causar danos a terceiros: ' o serviço judiciário é uma espécie do gênero serviço público do Estado e o juiz, na qualidade de prestador desse serviço, é um agente público, que atua em nome do Estado. Ademais, o texto Constitucional, ao tratar de Responsabilidade do Estado não excepciona a atividade judiciária. Nesse diapasão, como bem ponderou o já citado mestre Cavalieri : 'não há como nem porque escusar o Estado de responder pelos danos decorrentes da negligência judiciária, ou do mau funcionamento da justiça,...'

Assim, prescinde de demonstração de dolo ou culpa, sendo suficiente para a responsabilização a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano dela decorrente. É a denominada culpa anônima, que também abrange a falta do serviço. No caso dos autos, questiona-se a atividade administrativa realizada pelo Poder Judiciário. O que se pretende no presente processo é a indenização em razão da desídia, da negligência, do retardamento injustificado na obtenção do provimento jurisdicional. Destaca-se que o réu permaneceu preso durante todo este tempo. Não é que o processo não possa padecer de incidentes e demorar mais do que o habitual, mas estes fatos não poderão se dar com um homem encarcerado. Isto porque, nas palavras do magistrado André Luiz Nicolitt : 'os valores envolvidos no processo penal são de relevância impar, a saber: liberdade e dignidade. A carga de estigma inerente ao processo penal, por si só, faz com que sua simples instauração cause uma agressão direta ao status dignitatis do acusado.' Sendo assim, aguardar por tanto tempo encarcerado o julgamento de um processo, mas do que ceifar a liberdade, viola frontalmente direito humano fundamental como o princípio da dignidade da pessoa humana.

Quando analisava o tema prisão por excesso de prazo ou em decorrência da repressão de 1964 nesse país, nos julgamentos emanados no Superior Tribunal de Justiça o Ministro Fux com precisão ponderava: 'A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1.º que 'todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos'. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.' (grifei)

Restou incontroverso que a parte autora permaneceu no cárcere por 11 (onze) anos e 8 (oito) meses até que fosse proferido julgamento por absolvição, em que pese os 81 (oitenta e um) dias construídos por doutrina e jurisprudência para a conclusão do processo penal na hipótese de réu preso. Destaca-se que o primeiro julgamento se deu com 7 (sete) anos de prisão. De fato, houve acontecimentos extraordinários, como desaforamento, anulação do julgamento e realização de novo julgamento, mas nenhum desses fatos justifica aprisionamento por quase 12 (doze) anos sem a obtenção do provimento jurisdicional, ou seja, em caráter provisório e precário. Não há precariedade que justifique a prisão de um cidadão por tanto tempo.

Tendo em vista que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é pautada no risco administrativo e não no risco integral, para configurar-se esse tipo de responsabilidade bastam três pressupostos: a ocorrência do fato administrativo, do dano e do nexo causal. No presente caso, indiscutível a presença dos três, ante as provas colacionadas. Além disso, não há excludentes de responsabilidade que impediriam a concretização do nexo causal (culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior). O Superior Tribunal de Justiça já julgou caso semelhante ao presente, cuja ementa merece ser transcrita não só por força da similitude da matéria, mas pelo brilhantismo do relator.

REsp 802435 / PE RECURSO ESPECIAL 2005/0202982-0 Relator Ministro LUIZ FUX Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 19/10/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 30/10/2006 p. 253 Ementa PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE ATOS PRATICADOS PELO PODER JUDICIÁRIO. MANUTENÇÃO DE CIDADÃO EM CÁRCERE POR APROXIMADAMENTE TREZE ANOS (DE 27/09/1985 A 25/08/1998) À MINGUA DE CONDENAÇÃO EM PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE OU PROCEDIMENTO CRIMINAL, QUE JUSTIFICASSE O DETIMENTO EM CADEIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO. ATENTADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Ação de indenização ajuizada em face do Estado, objetivando o recebimento de indenização por danos materiais e morais decorrentes da ilegal manutenção do autor em cárcere por quase 13 (treze) anos ininterruptos, de 27/09/1985 a 25/08/1998, em cadeia do Sistema Penitenciário Estadual, onde contraiu doença pulmonar grave (tuberculose), além de ter perdido a visão dos dois olhos durante uma rebelião. 2. A Constituição da República Federativa do Brasil, de índole pós-positivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico expressa como vontade popular que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. 3. Consectariamente, a vida humana passou a ser o centro de gravidade do ordenamento jurídico, por isso que a aplicação da lei, qualquer que seja o ramo da ciência onde se deva operar a concreção jurídica, deve perpassar por esse tecido normativo-constitucional, que suscita a reflexão axiológica do resultado judicial. 4. Direitos fundamentais emergentes desse comando maior erigido à categoria de princípio e de norma superior estão enunciados no art. 5.º da Carta Magna, e dentre outros, os que interessam o caso sub judice destacam-se: XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (...) LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (...) LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; (...) LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; 5. A plêiade dessas garantias revela inequívoca transgressão aos mais comezinhos deveres estatais, consistente em manter-se, sem o devido processo legal, um ser humano por quase 13 (treze) anos consecutivos preso, por força de inquérito policial inconcluso, sendo certo que, em razão do encarceramento ilegal, contraiu o autor doenças, como a tuberculose, e a cegueira. 6. Inequívoca a responsabilidade estatal, quer à luz da legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) quer à luz do art. 37 da CF/1988, escorreita a imputação dos danos materiais e morais cumulados, cuja juridicidade é atestada por esta Eg. Corte (Súmula 37/STJ) 7. Nada obstante, o Eg. Superior Tribunal de Justiça invade a seara da fixação do dano moral para ajustá-lo à sua ratio essendi, qual a da exemplariedade e da solidariedade, considerando os consectários econômicos, as potencialidades da vítima, etc, para que a indenização não resulte em soma desproporcional. 8. In casu, foi conferida ao autor a indenização de R$ 156.000,00 (cento e cinqüenta e seis mil reais) de danos materiais e R$ 1.844.000,00 (um milhão, oitocentos e quarenta e quatro mil reais) de danos morais. 9. Fixada a gravidade do fato, a indenização imaterial revela-se justa, tanto mais que o processo revela o mais grave atentado à dignidade humana, revelado através da via judicial. 10. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana, na autodeterminação; na vontade livre daqueles que usufruem de uma vivência sadia. É de se indagar, qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dignidade se tanto quanto experimentou foi uma 'morte em vida', que se caracterizou pela supressão ilegítima de sua liberdade, de sua integridade moral e física e de sua inteireza humana? 11. Trecho transcrito supra. 12. Recurso Especial desprovido.' (grifei) Fixada a responsabilidade do réu, passo a análise da verba pleiteada. O Estado deverá indenizar o autor pelos danos imateriais sofridos, eis que a privação de sua liberdade, apesar da legalidade num primeiro momento, se arrastou por longos anos, decorrente diretamente da ofensa ao princípio da eficiência, elencado no caput do art. 37 da CRFB, perpetrada pelo ente federado.

Assim, não é difícil imaginar as angústias, medo, transtornos e frustração de não ter visto a vida passar fora das grades. Incomensurável a dor de não ter visto um filho crescer e se desenvolver sem a presença paterna, sabendo que este mesmo filho se desenvolvia com o estigma de ter um pai encarcerado. Indescritível a dor de ter vivido por quase 12 (doze) anos sem poder ter sequer a visita dos familiares em muitos momentos, uma vez que os autos noticiam mais de 24 (vinte e quatro) transferências de presídios. Imperioso observar que o dano moral ocorre in re ipsa, pois se depreende sua existência do fato em si, então, provado o fato, ocorre o dever de indenizar. Assim, a constatação da sua existência decorre da análise fática do evento danoso, sendo retirada da experiência cotidiana de todos nós, não sendo necessária a produção de provas para a sua constatação pelo julgador.

Sobre a quantificação do valor a título de indenização por danos morais a doutrina pátria assim já se manifestou: 'embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites das forças humanas. O dinheiro não os extinguirá de todo; não os atenuará mesmo por sua própria natureza; mas pelas vantagens que o seu valor permutativo poderá proporcionar, compensando, indiretamente e parcialmente embora, o suplício moral que os vitimados experimentam' Portanto, a reparação é feita através de uma compensação, via indireta do dinheiro. Em outras palavras, o problema da reparação do dano moral deve ser posto em termos, a par do caráter punitivo imposto ao agente, pois tem de assumir sentido compensatório. Mas também deve se razoável, considerando as possibilidades e necessidades da vítima e, neste caso, ao maior atentado a dignidade da pessoa humana que se pode ter notícia, que deixou de viver plenamente por 12 (doze) anos.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelo autor, com fulcro no art. 269, I do CPC, a fim de condenar o réu a título de ressarcimento pelos danos morais, no valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) acrescidos de juros moratórios de 1% e correção monetária a contar da presente. Despesas processuais pelo réu, observada a isenção legal, bem como os honorários de advogado que fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais), diante da média complexidade do caso concreto, aliado ao fato de que não teve o causídico qualquer direito violado. Destaca-se que os honorários advocatícios se prestam a remunerar o trabalho do advogado e no caso vertente não houve sequer dilação probatória.

Decorrido o prazo do recurso voluntário das partes, sem interposição dos mesmos, remetem-se os presentes autos ao E. Tribunal de Justiça, em reexame necessário. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se. P. I. Registrado eletronicamente.

Rio de Janeiro, 24 de julho de 2012.

Simone Lopes da Costa

JUÍZA DE DIREITO