Banco pagará R$ 58 mil por comportamento indigno
Instituição não remeteu boletos de acordo feito com devedora e debitou valor com multa elevada direto da conta da cliente.
Da Redação
terça-feira, 10 de julho de 2012
Atualizado às 16:09
A juíza Flávia de Almeida Viveiros de Castro, da 6ª vara Cível da Barra da Tijuca/RJ, condenou o banco Itaú a pagar uma multa de R$ 38.099,50 mais danos morais de R$ 20 mil, por conduta que a magistrada considerou como "comportamento indigno" e por desobediência reiterada de ordem judicial.
A autora da ação estava devedora e fez um acordo com o banco que, no entanto, deixou de remeter os boletos para pagamento e debitou o valor das parcelas, com multa elevada, direto da conta da cliente, que chegou a ficar sem seu salário. Três vezes intimado a estornar o valor indevidamente debitado, o banco reiteradamente deixou de fazê-lo, ignorando a ordem judicial.
"A conduta da ré demonstra o seu desprezo para com o Poder Judiciário, provavelmente certa que, como soi acontecer, ao final, teria a redução da multa a patamar ínfimo, com o argumento do enriquecimento sem causa da autora; neste caso não! A sucessão de datas, as reiteradas intimações, a majoração da multa, o comportamento recalcitrante da ré não permitem que ao final seja 'premiada' com a ínfima valoração da astreinte, eis que uma decisão neste sentido seria verdadeiro estimulo à tal deliquência", escreveu a juíza na sentença.
Em sua defesa, o banco disse que enviou os boletos para a casa da cliente, porém não comprovou esse envio, nem juntou qualquer documento que o comprovasse.
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Processo : 0019102-75.2011.8.19.0209
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Sentença
Descrição: P.Nº 0019102-75.2011.8.19.0209
Autor: R.P.L.
Réu: BANCO ITAU S/A
Ação Cominatória e Indenizatória
SENTENÇA
RELATÓRIO
1. Trata-se de ação para obter restituição de valor indevidamente retirado da conta da autora, bem como indenização por danos morais;
2. Na inicial de fls. 02/07 a autora afirma ser correntista da ré e que ficou devedora em sua conta-corrente;
3. Entretanto, foi feito um acordo (10/03/2011) entre as partes com o parcelamento do débito, sendo certo que a ré responsabilizou-se por enviar os boletos para pagamento para a casa da autora;
4. Ocorre que isto não aconteceu e a ré, ignorando o acordo, debitou o valor majorado da parcela, integralmente, da conta da autora, atingindo, inclusive, seu salário;
5. O pedido da autora envolve a imediata restituição do indébito, em dobro, bem como pretende indenização por danos morais;
6. A inicial veio acompanhada dos documentos de fls.09/18, entre os quais o documento de fls. 16 que comprova o desconto indevido na conta da autora, estando datado de 30/06/2011 (R$ 1405,33);
7. Foi deferida a antecipação de tutela, conforme se vê de fls. 21, para que a ré estornasse o valor indevidamente debitado da conta da autora, sob pena de multa diária de R$ 500,00. A decisão é de 25/07/2011 e a intimação da ré ocorreu, segundo folhas 32, em 22/08/2011;
8. Às fls. 24 e 25 a autora depositou duas parcelas referentes à renegociação de seu débito para com a ré, sem que esta tivesse cumprido a ordem judicial;
9. As fls. 34/40 a autora requer a execução da multa, visto que a ré teria descumprido a determinação da Magistrada;
10. A autora junta o documento de fls. 41, onde está provado que além de não cumprir a ordem judicial, a ré debitou novamente o valor de R$ 1.254,93 (parcela majorada) da conta da autora e juros de R$ 268,37; isto em 09 de setembro de 2011;
11. Houve nova intimação para cumprimento da tutela, sob pena de majoração da multa, como se vê às fls. 44 ((01/11/2011), sendo a ré efetivamente intimada em 30/11/2011 (fls. 47);
12. Audiência do artigo 277 do CPC conforme fls. 48/49, juntando a ré contestação;
13. Em sua resposta de fls.51/69 a ré se limita a afirmar que encaminhara os boletos para a casa da autora, com quem fizera uma renegociação de débito. No mais são alegações genéricas sobre o principio da força obrigatória dos contratos, bem como com relação à impugnação dos danos morais;
14. Não há documentos que acompanhem a contestação;
15. A multa foi majorada às fls. 107/110 (25/04/2012);
16. Às fls. 115 a ré prova o estorno de parte do valor debitado da autora, na data de 30/04/2012, em um total de R$ 2009,90;
17. Houve manifestação da autora às fls. 118/119; Este o relatório; Passa-se a decidir;
FUNDAMENTAÇÃO
18. O feito encontra-se em ordem e apto a ser julgado, estando corretamente instruído;
19. O pedido autoral é PROCEDENTE como a seguir se fundamenta;
20. A relação jurídica entre as partes é de consumo e, portanto, será examinada sob o pálio do CDC;
21. Extrai-se da prova dos autos que a ré, desobedecendo o próprio acordo oferecido à autora, debitou do salário desta última o valor majorado de um parcelamento de débito em conta corrente, em aberto confronto com o que ficara pactuado;
22. Não há nos autos prova alguma que comprove ter a ré cumprido o acordado e remetido os boletos do parcelamento firmado com a autora para a residência desta última;
23. O comportamento da ré, desde o início, é indigno e fere todos os princípios vinculativos do ordenamento jurídico em pauta, principalmente o da boa-fé e lealdade;
24. Observe-se a sucessão de datas abaixo: i) Acordo formulado em 10/03/2011 com o parcelamento do débito autoral , valor da parcela R$ 250,99 até o vencimento; ii) Débito indevido na conta da autora em 30/06/2011, no valor da parcela majorada (R$ 1.254,93) mais juros R$ 150,40; iii) Tutela Antecipada Concedida em 27/07/2011 com intimação pessoal da ré em 28/08/2011; iv) Novo débito irregular na conta da autora em 09/09/2011, no valor de (R$ 1.523,30); v) Nova intimação da ré para cumprira ordem judicial em 30/11/2011, sob pena de majoração da multa; vi) Multa majorada em 25/04/2012; vii) Cumprimento PARCIAL da ordem judicial em 30/04/2012;
25. Pela sucessão de datas acima verifica-se que a ré DESCUMPRIU DELIBERADA E REITERADAMENTE as ordens judiciais, para estorno dos valores indevidamente retirados da conta da autora, de seu salário, demonstrando comportamento atentatório à dignidade de justiça (599, II do CPC);
26. Deve ser observado que na contestação não há uma linha sequer que justifique o descumprimento da antecipação de tutela, bem como não referiu a parte ré a impossibilidade em adimplir com a ordem judicial;
27. A conduta da ré demonstra o seu desprezo para com o Poder Judiciário, provavelmente certa que, como soi acontecer, ao final, teria a redução da multa a patamar ínfimo, com o argumento do enriquecimento sem causa da autora;
28. Neste caso não! A sucessão de datas, as reiteradas intimações, a majoração da multa, o comportamento recalcitrante da ré não permitem que ao final seja 'premiada' com a ínfima valoração da astreinte, eis que uma decisão neste sentido seria verdadeiro estimulo à tal deliquência;
29. Para livrar-se das consequências da antecipação de tutela bastaria à ré cumprir com a ordem judicial. Preferiu, entretanto, de forma deliberada, deixar de fazê-lo pelo que deve sofrer as consequências do seu livre arbítrio;
30. A multa imposta neste processo não tem a natureza de sanção ( portanto a citação do artigo 599, II do CPC serve apenas para ilustrar a conduta da ré), mas seu objetivo é fazer com que o banco cumpra a decisão exarada;
31. Em se tratando de relação de consumo, a astreinte encontra respaldo legal no artigo 84 §§ 4º e 5º do CDC;
32. A adequação da multa ao valor do principal deve ser feita com razoabilidade e proporcionalidade, observando-se as circunstâncias concretas do caso;
33. Neste sentido, para a fixação do valor da multa até o momento do cumprimento PARCIAL da obrigação (30/04/2012) deve ser observado que a ré reiteradamente descumpriu a ordem judicial, estando plenamente ciente, em comportamento incompatível com a boa-fé processual;
34. Desta forma, entende o Juízo ser razoável fixar a multa em 5 vezes o valor original da obrigação consubstanciada no contrato de fls. 15, ou seja, em R$ 38.099,50;
35. Como a ré ainda não cumpriu a obrigação em sua integralidade, persiste a multa de R$ 1 mil por dia até que a autora tenha estornados em sua conta todos os valores dela debitados, com os juros e correção monetária;
36. Em conclusão, os pedidos autorais são procedentes, verificando-se que a responsabilidade da ré é objetiva, por se tratar de relação de consumo, que houve gravíssima desídia na prestação do serviço, devendo ser devolvido em dobro do valor debitado do salário da autora, no total de R$ 2.610,82, com amparo no artigo 42 § único do CDC, fixando-se ainda danos morais, ante a grave ofensa à dignidade da pessoa humana, em R$ 20 mil;
DISPOSITIVO
Isto posto, tudo visto e analisado, JULGA-SE PROCEDENTE o pedido autoral para 1) confirmar a antecipação de tutela, tornando-a definitiva, bem como intimando-se a ré a cumpri-la integralmente, sob pena de permanecer a multa de R$ 1 mil até o seu total adimplemento, vigendo esta, nesta nova fase, a partir da intimação desta sentença; 2) condenar a ré a pagar a multa de R$ 38.099,50, com a devida correção monetária até a data do efetivo desembolso; 3) condenar a ré a pagar à autora danos morais de R$ 20 mil, com correção monetária desde a sentença e juros legais de 1% desde a citação; 4) repetir o indébito em dobro, pagando à autora o valor de R$ 2.610,82, com correção monetária e juros legais de 1% desde a citação.
Ante sucumbência da parte ré fica esta responsável pelas custas e despesas processuais bem como pela verba honorária fixada em 10% do valor atualizado da condenação.
Transitada esta em julgado, nada mais requerendo as partes, dê-se baixa e arquivem-se os autos.
P.R.I. Rio de Janeiro, 05 de julho de 2012
Flávia de Almeida Viveiros de Castro
Juíza Titular