OAB pede ao CNJ medida contra terceirização da certificação
Da Redação
quinta-feira, 8 de setembro de 2005
Atualizado às 09:38
OAB pede ao CNJ medida contra terceirização da certificação
A IN n° 28 do TST dispõe sobre o Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos da Justiça do Trabalho (e-Doc). Em seu artigo 4º, ela afirma que "o acesso ao e-DOC depende da utilização, pelo usuário, da sua identidade digital, a ser adquirida perante qualquer Autoridade Certificadora credenciada pela ICP-Brasil". No entendimento da OAB, o referido artigo contraria a legislação, uma vez que a identificação de advogados é de atribuição exclusiva da OAB, conforme prevê os artigos 13 e 54, X, da Lei 8.906/94 - o Estatuto da Advocacia.
Na opinião do presidente da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB, Alexandre Atheniense, a emissão de certificados eletrônicos por empresas particulares credenciadas por autarquia federal não se constitui "em meios idôneos e legais para a identificação de advogados". Segundo ele, ao aceitar essa terceirização, a instrução normativa do TST permite que se crie um mercado exclusivo privilegiado entre algumas empresas terceirizadas, que poderão vender livremente os certificados eletrônicos lastreados em CPF.
"Com isso, além de pagar a anuidade obrigatória, o profissional da advocacia ainda terá de arcar, todos os anos, com a compra de um certificado eletrônico para poder praticar atos processuais pela internet", explicou Atheniense.
O presidente da Comissão de Tecnologia da Informação da OAB lembrou, ainda, que a pretendida identificação eletrônica de advogados, por meio de empresas privadas, não credenciadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, importa em violação da competência da instituição. "Isso permite que aquelas explorem a atividade exercida por aproximadamente quinhentos mil advogados, o que gera uma receita estimada em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) anuais em prol de apenas três empresas credenciadas pelo governo federal".
A seguir, leia a íntegra do pedido de providências da OAB ao CNJ:
Exmo. Sr. Dr. Ministro Presidente do Conselho Nacional de Justiça
A Ordem dos Advogados do Brasil, com sede na SAS Qd. 05 - Lt. 01 - Bl. M, nesta Capital Federal, por seu Presidente, vem submeter a V.Exa., o presente PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS, nos termos do artigo 109 e seguintes do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça c/c 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, para revisão da Instrução Normativa nº 28, de 2005, do Tribunal Superior do Trabalho, pelas razões a seguir expostas:
DOS FATOS
1. Em 7 de junho de 2005, o Tribunal Superior do Trabalho baixou a Instrução Normativa nº 28, que "dispõe sobre o Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de Documentos Eletrônicos da Justiça do Trabalho (e-DOC)".
Tal ato normativo instituiu o protocolo eletrônico de peças processuais sem que fosse necessária juntada da versão em papel "a posteriori", equivalendo o meio eletrônico ao papel.
Dispõe o art. 4º da referida Instrução Normativa:
"O acesso ao e-DOC depende da utilização, pelo usuário, da sua identidade digital, a ser adquirida perante qualquer Autoridade Certificadora credenciada pela ICP-Brasil".
Ainda que, em princípio, a determinação de uso de meios eletrônicos no processo judicial seja elogiável, o referido art. 4º, sem qualquer justificativa técnica, violou disposições legais e constitucionais, tornando-se indispensável a sua alteração.
A referida Instrução Normativa foi adotada pelo Tribunal Regional da 4ª. Região que passou a aceitar protocolo de peças pelo meio eletrônico, conforme revela sua página na Internet no endereço https://www.trt4.gov.br/edoc/.
Assim, em face da competência deste egrégio Conselho Nacional de Justiça para estabelecer diretrizes administrativas para todas as estruturas do Poder Judiciário, a requerente formula este pedido de providências, com o objetivo de eliminar as ilegalidades contidas na sobredita Instrução Normativa.
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CERTIFICADOS ELETRÔNICOS:
2. "Ab initio", cabe indagar: o que são certificados eletrônicos?
Antes de responder a esta indagação, vale considerar a possibilidade de se assinar documentos eletrônicos com a certeza necessária de sua autoria e não modificação posterior, reproduzindo no meio digital as funcionalidades até então quase exclusivas do papel.
As assinaturas digitais são produzidas mediante processo matemático, com o uso do computador. Consoante este processo, cada sujeito signatário deverá possuir, com exclusividade, um par de chaves criptográficas: uma "chave pública" e uma "chave privada".
Com o uso da chave privada - que será mantida sob o controle e sigilo absoluto do titular - são produzidas assinaturas digitais. Com a chave pública, livremente distribuída, qualquer pessoa poderá fazer a conferência destas assinaturas e verificar tanto a autoria como a integridade do documento eletrônico.
Já os certificados eletrônicos são documentos eletrônicos, assinados por uma Entidade Certificadora, que atestam a titularidade da chave pública que será utilizada na conferência das assinaturas, criando vínculos entre o par numérico (o par de chaves criptográficas) e o seu suposto titular. Muitos são os significados que um certificado pode ter, sob o ângulo jurídico, a depender do contexto e das regras que orientaram sua expedição.
3. Esclarecida a forma como se procede a identificação técnica do certificado, passemos ao enfoque de suas repercussões jurídicas.
Essas são graves, estando disciplinadas no art. 10 da MP 2.200-1/2001, que dispõe:
"... Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
4. Destarte, não apenas a Infra-estrutura de Certificação Pública Brasil, como outras estruturas certificadoras, podem ser instituídas no país em igualdade de condições a ICP-Brasil.
A isonomia, como garantia assegurada pela Lei Maior, não poderá ser atingida por atos normativos infraconstitucionais, em prejuízo de outras estruturas certificadoras legalmente criadas, estabelecendo restrição ou direito de exclusividade em favor de outros.
A questão ainda jurídica se avulta quando se a examina sob a ótica da certificação digital ou da identificação profissional eletrônica do advogado. Vale realçar que a norma infraconstitucional confere não à ICP-Brasil, mas à Ordem dos Advogados do Brasil, o exclusivo poder certificatório da genuidade profissional, ou, da profissão (seja ele físico-convencional ou eletrônico-digital).
A OAB já editou, nos termos estritos da mencionada MP 2.200-2/2001, a sua própria ICP: a ICP/OAB, que não se confunde com a ICP-Brasil, embora ambas atuem com uso de certificados, digitalmente, equiparados e igualmente seguros.
A propósito, é pertinente estabelecer uma analogia entre os certificados eletrônicos emitidos pela OAB com a Carteira de Identidade do Advogado, expedida pela mesma entidade. Esta se presta não só a comprovação da identidade como de inscrição regular nos quadros da advocacia. A OAB já atua como entidade certificadora desde 2002, quando foi criada a ICP-OAB, através do Provimento nº 97/2002, emitido pelo Conselho Federal, com suporte nos acima transcritos arts. 13 e 54, X, do Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94).
Já aos certificados da ICP-Brasil, oriundos de empresas privadas em caráter comercial, falta a competência legal do emissor para que possam servir como documentos públicos de identificação civil. Estes não podem ser considerados documentos de identidade, o que importará em usurpação de poderes e funções públicas.
5. A tecnologia necessária para todo este processo é objeto de protocolos públicos, livres de patentes e, portanto acessíveis a todos.
Entretanto, embora os certificados eletrônicos sejam fruto de uma tecnologia promissora para a segurança da prática de manifestações de vontade por meio eletrônico, o regramento normativo criado com a Instrução Normativa nº 28 atenta contra preceitos constitucionais e legais, representando, igualmente, uma invasão de funções atribuídas à OAB.
Os certificados da ICP-Brasil são produtos comerciais vendidos em regime de monopólio por apenas três entidades, uma pública e duas privadas, a preços mínimo de R$ 200,00 (duzentos reais), com validade por um ano.
DA IDENTIFICAÇÃO DE ADVOGADOS
6. A identificação de advogados é privativa da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme disposto na Lei 8.906/94, em seus arts. 13 e 54, X:
Art. 13. O documento de identidade profissional, na forma prevista no regulamento geral, é de uso obrigatório no exercício da atividade de advogado ou de estagiário e constitui prova de identidade civil para todos os fins legais.
Art. 54. Compete ao Conselho Federal:
.........
X - dispor sobre a identificação dos inscritos na OAB e sobre os respectivos símbolos privativos;
Cabe repisar que a lei não reconhece como documento de identificação do advogado qualquer outro meio ou instrumento expedido por terceiros.
Os certificados eletrônicos, a que se refere o questionado art. 4º, são emitidos por empresas particulares, com nítidos propósitos exclusivamente comerciais, credenciadas por autarquia federal subordinada à Casa Civil da Presidência da República.
A pretendida identificação eletrônica de advogados, por meio de empresas privadas, não credenciadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, importa em flagrante violação a competência desta instituição, permitindo que aquelas explorem a atividade exercida por aproximadamente quinhentos mil advogados, o que gera uma receita estimada em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) em prol de apenas três empresas credenciadas pelo Governo Federal.
Sucede que a Ordem dos Advogados do Brasil, desde 2002, opera e conhece a nova tecnologia proposta pelo Tribunal Superior do Trabalho. Tanto assim que regulamentou internamente, no âmbito de sua competência, a identificação eletrônica de seus inscritos, para fins restritos à prática de atos profissionais.
A identificação de advogados, por meios eletrônicos, competência legal do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, encontra-se regulamentada pelo Provimento nº 97/2002, de 23 de abril de 2002, que criou a ICP-OAB, com estrutura voltada para a expedição de certificados eletrônicos de identificação de advogados, para uso profissional.
7. Conquanto a ICP-Brasil esteja prevista na Medida Provisória nº 2.200-2/2001, nenhum dos dispositivos deste diploma normativo autoriza a emissão de atos administrativos, determinando a aquisição de certificados eletrônicos oriundos desta estrutura por particulares.
O único dispositivo desta MP que trata do uso de documentos eletrônicos estabelece que:
Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
O "caput" do art. 10 instituiu mera equiparação, não exaustiva, dos documentos eletrônicos a documentos públicos e particulares. Não se trata de criação desta medida, sabido que o conceito de documento é amplo, não dependendo do legislador para que seja compreendido pelo intérprete. O documento é a representação de um fato e doutrina tradicional já não o restringe ao papel. Documentos eletrônicos são documentos, com ou sem texto expresso de lei que o diga.
Segundo o magistério de MOACYR AMARAL SANTOS, a classificação dos documentos deverá ser feita de acordo com estes critérios:
"Quanto ao meio de formação, portanto, os documentos são:
a) escritos, que são os documentos normais, particularmente regulados pela lei. Daí a sinonímia entre documentos, escritura, escrito. Feito por esse meio, fala-se em prova literal.
b) gráficos, quando a idéia ou o fato são representados por sinais gráficos diversos da escrita: desenhos, pinturas, plantas, cartas topográficas etc.
c) diretos, quando o fato representado se transmite diretamente para a coisa representativa - fotografia, fonografia, cinematografia - e que se distinguem dos documentos escritos ou gráficos, ditos indiretos, para os quais o fato representado se transmite através do sujeito do fato representado"(Moacyr Amaral Santos, "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", vol. 2, Editora Saraiva, 22ª edição, 2002, p. 393).
Com a evolução tecnológica, portanto, não haveria dificuldade em incluir arquivos digitais no conceito de documento eletrônico, posto que também são representativos de um fato.
"A característica de um documento é a possibilidade de ser futuramente observado; o documento narra, para o futuro, um fato ou pensamento presente. Daí ser também definido como prova histórica. Diversamente, representações cênicas ou narrativas orais, feitas ao vivo, representam um fato no momento em que são realizados, mas não se perpetuam, não registram um fato para o futuro. Se esta é a característica marcante de um documento, é lícito dizer que, na medida em que a técnica evolui, permitindo registro permanente dos fatos sem fixá-lo de modo inseparável em alguma coisa corpórea, tal registro também pode ser considerado documento" (Augusto Tavares Rosa Marcacini, "Direito e Informática: uma abordagem jurídica sobre a criptografia", Ed. Forense, 2002. pp. 65-66).
Destarte, não será a lei que definirá o que é ou não é um documento.
Além disso, o parágrafo segundo do art. 10, da MP 2200-02 esclareceu que a ICP-Brasil não é a única estrutura para emissão de certificados.
Inexiste no texto do art. 10, ou em qualquer outro dispositivo da referida Medida Provisória, autorização para que entes públicos, por ato administrativo, instituam a obrigatoriedade de aquisição, pelo particular, de certificados eletrônicos da ICP-Brasil, como requisito insubstituível para a relação Estado-particular, ou para o exercício de direitos do particular frente ao Estado.
Aberta a via do peticionamento eletrônico, restringi-la apenas àqueles que adquirirem certificados eletrônicos da ICP-Brasil, junto às poucas empresas privadas credenciadas a fornecê-los, importa em tratamento desigual, discriminatório e direcionador da aquisição de serviços privados prestados por empresas privadas em regime de oligopólio.
D.v., não compete a nenhum Tribunal do país, por mais elevada que seja sua hierarquia, baixar atos administrativos definindo como deva ser feita a identificação funcional dos advogados, desde que esta providência compete exclusivamente à OAB, nos termos da lei vigente.
Mais do que aparatos técnicos, o âmago da certificação eletrônica está nas relações de confiança entre os usuários de assinaturas digitais e na capacidade, do ente certificante, de identificação das pessoas para as quais emite certificados. A OAB, há décadas, emite documentos com validade em todo território nacional, contando com larga experiência na identificação pessoal de seus inscritos.
Seguindo este entendimento, nas eleições nacionais de 2004, os fiscais indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, para acompanhar o desenvolvimento dos sistemas eletrônicos de votação, utilizaram certificados emitidos pela ICP-OAB para assinatura de todos os programas utilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Por que, então, quando se trata da utilização de certificados eletrônicos pelos Advogados, para a prática de atos processuais, deveriam ser utilizados serviços de terceiros estranhos à relação de confiança que existe há décadas entre a OAB e o Poder Judiciário?
Antes da edição da Medida Provisória, mas já preocupado com a formação de monopólios da certificação, o eminente conselheiro, JOAQUIM FALCÃO, em artigo publicado na "Folha de São Paulo" (22/06/2001), comentando o anteprojeto de lei apresentado pela OAB-SP, advertiu:
"Esse modelo privatizado, descentralizado e competitivo [o previsto no projeto OAB-SP], encontra duas fortes resistências: a dos cartórios e a de certas empresas candidatas. Estas defendem a implementação, pelo Congresso, de uma agência superior que permita certificações seguindo o sistema de pirâmide, adotado e defendido pela empresa VeriSign, detentora de tecnologia e de sistema de certificação de nível internacional.
Aí mora o perigo do monopólio.
Pouquíssimas empresas poderão ser certificadoras, pois os custos de investimentos tecnológicos necessários serão altíssimos. As eventuais exigências de segurança propostas são talvez desnecessárias. Os interesses se chocam definitivamente. Para uma empresa certificar alguém, deve também ser certificada por outra. E assim por diante, até chegar ao topo da pirâmide, onde estaria a norte-americana VeriSign.
Ela se transformaria, então, no maior cartório do mundo. Se esse sistema de pirâmide for aprovado, todos os documentos digitais serão certificados direta ou indiretamente pela própria VeriSign.
Na disputa entre o projeto da OAB-SP e o sistema de pirâmide, surgem duas questões cruciais. Primeiro, trata-se de saber se queremos que a regulamentação da internet adote padrões monopolistas.
Poucos dias após a publicação deste artigo, foi editada a primeira versão da MP 2200.
Sem risco de errar, pode-se transpor esta ácida crítica à ICP-Brasil, seja pela constituição do monopólio ali criticado, agora controlado pelo Governo Federal; seja pela criação de uma "agência reguladora", ora representada pela autarquia federal - o ITI; seja pelo excesso de burocratização no estabelecimento de critérios técnicos de credenciamento, de custo elevado, estabelecidos por um corpo de funcionários, sem nenhuma transparência nem controle, nem mesmo do Poder Judiciário. Criou-se, assim, como se extrai do mencionado artigo do Conselheiro Joaquim Falcão, "o maior cartório do mundo".
DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
8. A forma estabelecida pelo controverso art. 4º, da Instrução Normativa em análise, viola o elementar princípio constitucional pelo qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5º, II).
Ora, não há lei que obrigue o advogado a adquirir produtos ou serviços de empresas públicas ou privadas, para que possa exercer com plenitude a sua capacidade postulatória, adquirida no ato de inscrição perante a OAB.
Daí a evidente inconstitucionalidade e ilegalidade da medida.
Inaceitável a justificativa de que ao advogado restaria a opção de peticionar pelos meios tradicionais. O argumento, entretanto, não convence. De um lado, a proposta contida na Instrução Normativa constitui-se em precedente que, se havido como legal, poderá se multiplicar país afora. No futuro, o peticionamento eletrônico se tornará regra, e não apenas uma opção.
Acresce que mesmo existindo as duas opções, enquanto ambas perdurarem, a IN nº 28 estará dispensando tratamento diferenciado a advogados igualmente inscritos na OAB, esvaziando em parte a capacidade postulatória daquele que não obtiver, mediante pagamento a empresas privadas, o seu certificado digital. Legitima-se e aumenta-se, portanto, a exclusão digital e econômica de parcela da advocacia nacional.
A questão torna-se ainda mais grave desde que apenas três empresas - amparadas por um monopólio estatal também irregular - estarão habilitadas a fornecer estes certificados.
Assim, o Tribunal Superior do Trabalho, agindo nos termos da referida Instrução Normativa, concorre para que os Advogados sejam compelidos a adquirir referidos certificados, sob pena de não poderem usufruir das facilidades que a tecnologia lhes poderia proporcionar.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ICP-BRASIL
9. Sem meias palavras, a ICP-Brasil consiste em uma perigosa aventura patrocinada por órgãos do Governo Federal, notadamente o ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, autarquia vinculada à Casa Civil da Presidência da República.
Referida estrutura está, hoje, precariamente prevista na Medida Provisória nº 2.200/01, cujo texto não dá suporte legal para a Instrução Normativa em questão.
10. A ICP-Brasil viola disposições legais e constitucionais.
A competência da União é tipificada nos arts. 21 (competência exclusiva) e 23 (competência concorrente com Estados e Municípios), não compreendendo a identificação civil, que é exercida pelos Estados (art. 25, parágrafo 1º, da CF).
A ICP-Brasil, com seu objetivo de expedir certificados eletrônicos em substituição de documentos de identificação nacional, esbarra na falta de competência constitucional da União, da Casa Civil da Presidência da República, ou mesmo do ITI, para o exercício desta atividade.
E o mais grave: por meio de um mero "credenciamento" (não se trata de processo licitatório), a função de identificação e respectiva expedição de documentos de identificação está sendo delegada a empresas privadas.
A União está delegando a particulares competência para o desempenho de funções públicas que nem ela própria detém.
Como a administração pública encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, referidos certificados sequer podem ser considerados meios idôneos de identificação civil.
11. Sob o ponto de vista da privacidade do cidadão, a ICP-Brasil constitui experiência ainda mais desastrosa. Com a emissão centralizada de certificados eletrônicos, criou-se uma única fonte de informações a respeito do cidadão.
A criação de estrutura como a ICP-Brasil, centralizada em órgão ligado diretamente à Presidência da República, representa risco incalculável à privacidade.
12. Certificados eletrônicos, em verdade, não precisam ter a conotação jurídica de documentos públicos de identidade. Do ponto de vista estritamente técnico, são arquivos de computador assinados por um emissor, o ente certificador. São, do ponto de vista jurídico, nada mais do que uma declaração emitida por este ente certificante.
Uma declaração pode assumir diversos significados jurídicos, a depender da competência e qualidade deste ente certificante.
É inaceitável estabelecer uma promíscua relação entre funções públicas e privadas, de modo que alguns poucos particulares, escorados por um mero credenciamento técnico perante órgão de tecnologia da Casa Civil, passem a exercer funções públicas.
Noutros países, onde há um crescente mercado de venda de certificados eletrônicos por empresas privadas, com o valor de uma declaração privada, sua aquisição não é compulsória nem direcionada pelo Poder Público de forma exclusiva.
A ICP-Brasil, nos rumos a ela dados pela Administração Federal, de um lado estabelece um monopólio irregular da União Federal no credenciamento de particulares para agir como entidades certificadoras; de outro, cria um oligopólio de poucas empresas voltadas à prestação deste serviço, prejudicando os direitos dos consumidores desta tecnologia.
A nossa Lei Maior limita no art. 177 os casos em que a União pode estabelecer monopólios e intervir na atividade econômica. Não se encontra, ali, autorização do constituinte para que a União preste este serviço ao particular, nem para que direcione aos poucos credenciados todo um mercado de potenciais usuários de certificação eletrônica.
DESNECESSIDADE TÉCNICA DA OPÇÃO FEITA PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 28:
13. Não bastassem os fundamentos jurídicos acima expostos, que levam ao reconhecimento da ilegalidade da determinação ora questionada, cabe ainda considerar que a opção pela utilização de certificados da ICP-Brasil mostra-se supérflua e inoportuna, também sob o prisma técnico-informático.
Como certificados da ICP-Brasil são emitidos para qualquer pessoa, física ou jurídica, nada há em um certificado desta hierarquia que demonstre que seu titular seja inscrito nos quadros da OAB e tenha, por isso, capacidade postulatória.
A identificação que está sendo vendida aos advogados através dos certificados eletrônicos emitidos por empresas particulares é lastreada pelo CPF.
Além disso, é ocioso mencionar que estas empresas são incapazes de fornecer aos Tribunais os impedimentos e penalidades a que estejam sujeitos os inscritos nos quadros da OAB.
O uso da assinatura digital, nos termos da Instrução Normativa, acaba perdendo importantes funcionalidades técnicas. A Instrução Normativa, no mesmo art. 4º e seus parágrafos, estabelece a necessidade de um "prévio cadastramento" do advogado "perante os órgãos da Justiça do Trabalho":
Art. 4º O acesso ao e-DOC depende da utilização, pelo usuário, da sua identidade digital, a ser adquirida perante qualquer Autoridade Certificadora credenciada pela ICP-Brasil, e de seu prévio cadastramento perante os órgãos da Justiça do Trabalho.
§ 1º O cadastramento será realizado mediante o preenchimento de formulário eletrônico, disponível nas páginas do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, na Internet.
§ 2º Alterações de dados cadastrais poderão ser feitas pelos usuários, a qualquer momento, nas páginas do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, na Internet.
§ 3º O cadastramento implica a aceitação das normas estabelecidas nesta Instrução Normativa.
Esta opção não se afina com o uso desta nova tecnologia, tornando-se mais onerosa ao Tribunal, além de permitir que não-advogados, devidamente legitimados, atuem perante o Judiciário.
Se fossem utilizados certificados emitidos pela própria OAB, nenhum prévio cadastramento seria necessário. A tecnologia de certificação digital permitiria, por si só, não apenas saber se o documento eletrônico é autêntico e materialmente verdadeiro, como também demonstrar a capacidade postulatória do signatário.
14. Isto porque os certificados da ICP-OAB somente são expedidos em favor de advogados regularmente inscritos nos quadros da entidade. Desta forma, quando, no Tribunal, o sistema eletrônico de recepção de petições fizer a conferência da assinatura, esta mesma conferência já permitirá concluir que o signatário do ato é advogado, independentemente de qualquer prévio cadastramento.
Tal funcionalidade não é obtida com os certificados da ICP-Brasil. Através deles qualquer pessoa, física ou jurídica, poderá valer-se deles. Isto fará com que o Tribunal seja obrigado a despender recursos seus para manter base de cadastro de advogados, distinguindo advogados de não-advogados. Além disso, não terá como reconhecer advogados com impedimentos ou cumprindo penalidades disciplinares. Esta função não é facultada aos Tribunais e sim à OAB (arts. 13 e 54, X, da Lei nº 8.906/94).
15. Por último, cabe a esta entidade de classe informar que a medida tomada, além de mais custosa e arriscada ao Tribunal, também encarece o exercício profissional dos advogados, posto que deles exige a aquisição de certificados eletrônicos junto às empresas credenciadas pelo Governo Federal.
Como já assinalado, estes certificados são vendidos a preços que oscilam em torno de R$ 200,00 (duzentos reais), com validade entre um e dois anos.
Considerando que as entidades credenciadas são obrigadas a recolher, ao Governo Federal, taxas que hoje montam em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), não é difícil compreender que se está instituindo, por forma indireta, um verdadeiro tributo sobre os usuários destes certificados.
Aliás, é de se afirmar que, a pretexto de dizer que se quer incentivar o uso de certificação eletrônica, este furor arrecadatório do Governo é o motivo pelo qual, em nosso país, inexiste, até hoje, a utilização de certificados eletrônicos em algum exemplo prático, de larga escala, que possa beneficiar o cidadão com a prática de atos por meio eletrônico.
Pois, claro, é o cidadão que, ao final, pagará esta conta, com o encarecimento de todos os serviços que utilizarem certificação digital, para nenhuma vantagem, senão o aumento da arrecadação do Governo Federal.
JUSTIFICATIVA DA ADOÇÃO DE MEDIDA DE URGÊNCIA
16. Diante dos fatos narrados, sobreleva acrescentar, que logo após o início da vigência da Instrução Normativa n. 28 do TST em 7 de junho de 2005, as empresas particulares credenciadas intensificaram os seus esforços para alavancar uma enorme campanha publicitária em todo território nacional. Esta campanha visa promover a venda de certificados eletrônicos para advogados, através de vários meios, dentre eles a remessa de mala direta que está sendo enviada para os advogados, conforme modelo anexo.
Neste sentido, tem sido crescente o número de questionamentos encaminhados a OAB por parte dos advogados indagando sobre a validade de tais identidades. Por este motivo, requer a Autora que o ilustre relator, em conformidade com o que preceitua o art. 45, XI do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, determine a realização de medidas urgentes "ad referendum" do Plenário para que o Tribunal Superior do Trabalho e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região suspendam imediatamente o recebimento de petições contendo identidades de advogados emitidas por empresas particulares até o julgamento do mérito do presente pedido de providências.
CONCLUSÕES:
17. Sendo assim, é imperiosa a modificação do texto da referida Instrução Normativa nº 28, do Tribunal Superior do Trabalho, incluindo-se a utilização dos certificados emitidos pela ICP-OAB para identificação dos advogados, retirando-se qualquer referência que permita esta função por empresas particulares.
É o que se requer!
Nestes termos,
P. deferimento.
Brasília, 5 de setembro de 2005.
Roberto Antonio Busato
OAB/PR 7.680
Presidente do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil
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