É discriminatória consulta de nome de candidato a emprego em cadastro de inadimplentes
Decisão considerou que a prática da empresa afronta, dentre outos, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana.
Da Redação
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Atualizado às 15:40
A 7ª turma do TRT da 4ª região considerou discriminatória a conduta de uma transportadora de cargas que consultou nome de candidatos de processo seletivo em serviço de proteção ao crédito. A decisão impede que a empresa consulte cadastros de inadimplentes nos processos seletivos ou exija atestados relativos a créditos, sob pena de multa de R$ 1 mil. Na ação o MPT/RS pedia indenização de R$200 mil por dano moral coletivo.
De acordo com a decisão, a consulta a banco de dados de devedores caracteriza conduta discriminatória, já que utiliza a situação econômico-financeira dos trabalhadores para limitar o acesso ao emprego, além de invadir indevidamente a intimidade e a privacidade dos mesmos. O acórdão reforma sentença da juíza Marilene Sobrosa Friedl, da 1ª vara do Trabalho de Caxias do Sul/RS, que havia julgado improcedente a ação do órgão público.
O MPT recorreu sustentando que o conjunto das provas demonstra a conduta ilícita da reclamada nos processos seletivos de admissão de empregados, comprovada por documento presente nos autos. Os documentos possuíam assinatura e carimbo do responsável pelo recrutamento na empresa, em que consta a reprovação de um trabalhador no processo seletivo sob a justificativa de que este tinha seu nome no cadastro da Serasa.
O órgão público destacou alegação da empregadora de que seriam as próprias empresas de seguros de carga que exigiam funcionários sem restrição de crédito. A condição, no entanto, não ficou demonstrada nos contratos com as seguradoras.
O MPT pediu condenação da empresa sob o entendimento de que "a não contratação de trabalhadores porque sobre eles figura alguma inscrição no SERASA é prática de exclusão infundada do mercado de trabalho e, por consequência, de exclusão social, de forma a privilegiar o capital e o lucro em relação a direitos fundamentais conferidos pela Constituição Federal ao trabalhador, como a dignidade, o tratamento sem discriminação, a preservação da sua intimidade e privacidade".
Para o relator do acórdão, desembargador Marcelo Gonçalves de Oliveira, a prática da empresa afronta os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e dos valores sociais do trabalho. De acordo com ele, "não é lógica a conduta da ré de verificar se o seu futuro empregado possui dívidas, porque este é que, na verdade, será o efetivo credor de valores pecuniários da relação empregatícia e não o contrário".
Para o julgador, "a ré não tinha motivos jurídicos para efetuar consulta às pendências financeiras de candidatos, o que acarreta evidente ofensa à intimidade e privacidade desses". A turma, no entanto, negou pedido de indenização por danos morais coletivos, pleiteada pelo MPT/RS, por considerar que não houve danos à coletividade, mas somente aos empregados efetivamente reprovados nos processos seletivos. Os prejudicados, conforme explicou o relator, podem buscar individualmente a reparação pelo dano sofrido.
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Processo: 0041200-97.2009.5.04.0401 (RO)
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PROCESSO: 0041200-97.2009.5.04.0401 - RO
IDENTIFICAÇÃO
JUIZ CONVOCADO MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA
Órgão Julgador: 7ª Turma
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - Adv. Procuradoria Regional do Trabalho
Recorrido: EMPRESA SANTO ANJO DA GUARDA LTDA. - Adv. Nelson Aguiar Neves
Origem: 1ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul
Prolator da Sentença: JUÍZA MARILENE SOBROSA FRIEDLEMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO SELETIVO. RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. CONSULTA CADASTRO DE INADIMPLENTES (SERASA). CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. Hipótese em que as provas do feito são hábeis a demonstrar prática discriminatória e limitativa da empresa ré para efeito de acesso à relação empregatícia, mormente porque confirmam a restrição ao emprego de candidato em processo seletivo motivada por consulta a cadastro de inadimplentes. É discriminatória e ilegal a conduta da empresa, uma vez que o SERASA não se destina ao fim utilizado pela empresa. Com efeito, não é lógica a conduta da ré de verificar se o seu futuro empregado possui dívidas, porque este é que, na verdade, será o efetivo credor de valores pecuniários da relação empregatícia e não o contrário. Por conseguinte, é evidente a discriminação de acesso ao emprego em razão de situação econômico-financeira de trabalhador. Impedir um trabalhador que eventualmente poderá ser um excelente profissional tão somente por possuir dívidas implica em não observar a função social do contrato de trabalho, já que se está a negar a única forma de emprego formal dele para saldar com seus compromissos financeiros. Dessa forma, a ré não tinha motivos jurídicos para efetuar consulta às pendências financeiras de candidatos, o que acarreta evidente ofensa à intimidade e privacidade desses. Provimento que se dá ao recurso do Ministério Público do Trabalho para determinar que a ré se abstenha de utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou candidatos a emprego e de exigir de candidatos a emprego ou empregados certidões, atestados ou quaisquer informações creditícias.
ACÓRDÃO
Por unanimidade de votos, dar parcial provimento ao recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho para determinar que a ré se abstenha de utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou candidatos a emprego e de exigir de candidatos a emprego ou empregados certidões, atestados ou quaisquer informações creditícias; sob pena de multa de R$1.000,00, por acesso comprovadamente desviado das finalidades dos cadastros de inadimplentes (art. 461, §5º, do CPC). Custas revertidas à empresa ré, no valor de R$4.000,00, sobre o valor atribuídos à causa de R$200.000,00.
RELATÓRIO
Da sentença de improcedência da ação de fls. 139/140, recorre o Ministério Público do Trabalho pelas razões de fls. 148/159. Postula a reforma da decisão a fim de ser determinado à empresa ré que se abstenha de: utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou candidatos a emprego; de exigir de candidatos a emprego ou empregados certidões, atestados ou quaisquer informações creditícias; de adotar qualquer critério de seleção de pessoal que se revele discriminatório, nos termos do art. 3º, inc. IV, da CF e legislação correlata. Requer seja estabelecido à recorrida que respeite a vida íntima e privada dos candidatos a emprego e empregados, deixando de fazer questionamentos que não se relacionem diretamente à qualificação para a atividade ou à formação profissional, bem como seja condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no importe de R$200.000,00 (duzentos mil reais), em prol da comunidade lesada, para ser revertida ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Não há contrarrazões.
VOTO RELATOR
DESEMBARGADOR MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA:
O Ministério Público do Trabalho recorre da sentença de improcedência da ação civil pública ajuizada em face da empresa Santo Anjo da Guarda Ltda., sob o fundamento de que a decisão está em dissonância com as provas acostados aos autos. Sustenta que o conjunto probatório evidencia a prática ilícita adotada pela empresa no momento da realização de processo seletivo de seus empregados. Destaca que a ré procede consulta a banco de dados de terceiros referente a informações creditícias daqueles trabalhadores que se candidatam às suas vagas de emprego, razão pela qual entende que esse critério é discriminatório, pois abusa do seu poder e liberdade de contratar, além de afrontar a intimidade e privacidade dos trabalhadores reprovados no processo seletivo realizado. Aduz que o documento de fl. 26, que está assinado, carimbado e não impugnado pela empresa, consiste em prova inequívoca da ilicitude praticada pela empregadora. Refere que essa prova demonstra que o candidato Issac da Rosa Klipel foi reprovado no processo seletivo pelo motivo de estar inscrito na SERASA. Assevera que ficou comprovado que a empresa procede à consulta de informações creditícias dos trabalhadores que se candidatam às vagas oferecidas por ela e, ainda, que não contrata trabalhadores que, porventura, estejam inscritos em banco de dados como os da SERASA. Acentua que nos autos do Inquérito Civil nº 079/2007, na realização da audiência administrativa, o preposto da ora reclamada informou que é exigência da seguradora de cargas que os motoristas e ajudantes não possuam nomes inscritos nos sistemas de restrição de créditos. Alega que na investigação realizada pelo Ministério Público do Trabalho não ficou comprovado que nos contratos com as seguradoras existisse a exigência de empregados sem inscrição no SERASA. Entende que a conduta da empresa fere direitos básicos dos trabalhadores. Invoca o art. 3º, inc. IV, e o art. 5º, inc. XLI, da CF, bem como o art. 1º, da Lei 9.029/95, e art. 1º da Convenção n º 111 da OIT. Cita, outrossim, o art. 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Declara que "a não contratação de trabalhadores porque sobre eles figura alguma inscrição no SERASA é prática de exclusão infundada do mercado de trabalho e, por consequência, de exclusão social, de forma a privilegiar o capital e o lucro em relação a direitos fundamentais conferidos pela Constituição Federal ao trabalhador, como a dignidade, o tratamento sem discriminação, a preservação da sua intimidade e privacidade". Requer a condenação da empresa ré para que se abstenha de: utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou candidatos a emprego; de exigir de candidatos a emprego ou empregados certidões, atestados ou quaisquer informações creditícias; de adotar qualquer critério de seleção de pessoal que se revele discriminatório, nos termos do art. 3º, inc. IV, da CF e legislação correlata. Postula, ainda, seja estabelecido à recorrida que respeite a vida íntima e privada dos candidatos a emprego e empregados, deixando de fazer questionamentos que não se relacionem diretamente à qualificação para a atividade ou à formação profissional, bem como seja condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no importe de R$200.000,00 (duzentos mil reais), em prol da comunidade lesada, para ser revertida ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador. Assevera que toda a coletividade é afetada pela ilicitude praticada pela demandada, por abranger todos os potenciais empregados ou candidatos a emprego.
Com parcial razão o Ministério Público do Trabalho.
Data vênia o entendimento firmado na sentença, no sentido de não ter ficado comprovado que a demandada utiliza, em relação aos seus empregados e aos candidatos a empregos por ela oferecidos, de banco de dados ou de informações creditícias, para a contratação deles, e, ainda, de não se constatar a adoção, pela ré, de critério discriminatório, para a seleção de trabalhadores, que desrespeite a vida íntima e privada dos candidatos e de seus empregados, entendo que o documento de fl. 26, bem como o depoimento do preposto na sede do MPT, às fls. 30/31, são hábeis a demonstrar prática discriminatória e limitativa da empresa ré para efeito de acesso à relação empregatícia, mormente porque confirmam a restrição ao emprego de candidato em processo seletivo motivada por consulta a cadastro de inadimplentes.
Verifico que o Sr. Issac da Rosa Klipel foi encaminhado pelo SINE para vaga na empresa Santo Anjo da Guarda Ltda. e foi considerado reprovado no processo de seleção tão somente pelo motivo de estar com o nome inscrito no SERASA. De fato, há carimbo, bem como assinatura de responsável pelo recrutamento na empresa e ainda o referido documento não foi impugnado pela recorrida (documento de fl. 26).
Com efeito, constato, ainda, que o preposto da demandada Sr. José Luiz Correa da Costa, encarregado pelo recrutamento da Santo Anjo da Guarda Ltda., confirmou que o processo de seleção inclui pesquisa do nome do candidato no SERASA (documento de fls. 30/31).
Assim sendo, o Ministério Público do Trabalho logrou êxito em demonstrar que houve consulta pela empresa ré aos cadastros de inadimplentes (SERASA) com a finalidade de constatar se lá estava inscrito o nome do candidato Issac da Rosa Klipel, que havia sido encaminhado pelo SINE para processo de seleção. Além disso, ficou inequivocamente comprovado que a ré realiza tais consultas no processo de seleção, conforme depoimento do preposto.
Por outro lado, não se desincumbiu a reclamada do seu encargo probatório de justificar o ato discriminatório, que alegou estar pautado nas exigências da seguradora PANCARI, de São Paulo, que não aceita realizar seguro de cargas conduzidas por motoristas e ajudantes cujos nomes estejam inscritos no SERASA.
Entendo que a prática em questão afronta os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, valores sociais e da não discriminação. Dessarte, considero discriminatória e ilegal a conduta da empresa, uma vez que o SERASA não se destina ao fim utilizado pela empresa. Não é lógica a conduta da ré de verificar se o seu futuro empregado possui dívidas, porque este é que, na verdade, será o efetivo credor de valores pecuniários da relação empregatícia e não o contrário.
Por conseguinte, é evidente a discriminação de acesso ao emprego em razão de situação econômico-financeira de trabalhador. Ora, impedir um trabalhador que eventualmente poderá ser um excelente profissional tão somente por possuir dívidas implica em não observar a função social do contrato de trabalho, já que se está a negar a única forma de emprego formal dele para saldar com seus compromissos financeiros.
Dessa forma, a ré não tinha motivos jurídicos para efetuar consulta às pendências financeiras de candidatos, o que acarreta evidente ofensa à intimidade e privacidade desses.
Acerca da matéria o ensinamento de Sandra Lia Simón:
A primeira regra que deve nortear um processo de seleção é a da não-discriminação, corolário do princípio da igualdade. Alice Monteiro de Barros afirma que 'o princípio da não-discriminação possui conexão com a garantia dos direitos da personalidade e atua como limite imposto pela Constituição Federal à autonomia do empregador, quando da obtenção de dados a respeito do candidato ao emprego, e se projeta durante a execução do trabalho'.
Assim, perguntas relativas a aspectos íntimos (opção sexual, convicções políticas, credo religioso) e privados (situação familiar, atividades recreativas) do candidato, que podem dar ensejo a qualquer tipo de discriminação, não podem ser feitas pelo empregador.
Ainda que pouco abrangente, por considerar apenas algumas hipóteses de discriminação, a Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que dá providências sobre a admissão no trabalho, estipula no seu art. 1º que fica proibida a adoção de qualquer prática descriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Ainda que, repita-se, pouco abrangente, fica claro que a discriminação no momento da contratação de pessoal é prática rechaçada também no âmbito da legislação infraconstitucional.
Além de observar o princípio da não-discriminação, o empregador, no exercício do poder de direção, deverá limitar-se a tomar informações relacionadas às atividades profissionais que o candidato desempenhará se contratado, para aferir as suas aptidões. Consequentemente, não devem ser admitidos métodos que, sub-repticiamente, tem por objetivo "desvendar" aspectos da personalidade do candidato, no que diz respeito à sua esfera íntima e privada. Isso não significa que não possam ser realizados exames psicotécnicos, grafológicos ou, até mesmo, astrológicos, mas a investigação deve ater-se aos aspectos profissionais (como, por exemplo, se o candidato tem espírito de equipe). (grifou-se, A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado - São Paulo: LTr, 2000. p. 130)
Nesse sentido, precedente do C.TST:
I) RECURSO DE REVISTA DA EMPRESA-RÉ - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER - OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS NO SERASA - REQUISITO PARA A REALIZAÇÃO DE CONTRATAÇÕES. 1. Conforme dispõe o art. 5º, XXXIII, da CF, todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. 2. No caso, o Regional manteve a sentença na parte em que condenou a Empresa-Ré a abster-se de utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou a candidatos a emprego. Salientou que o SERASA não se destina ao fim pretendido pela Ré, que somente poderia consultá-lo para verificar a idoneidade de seus clientes (futuros devedores) e não de seus empregados ou candidatos a emprego, que são, ou passariam a ser, credores dos salários. 3. O acórdão recorrido não viola o dispositivo constitucional mencionado, pois não restou demonstrado qual o interesse da Empresa em obter tais informações sobre seus empregados e os candidatos a emprego. Na verdade, o Regional entendeu que o empenho da Ré em granjear essas informações tinha o único objetivo de discriminar. Ademais, não aproveita à Recorrente a tese de afronta ao art. 5º, "caput", da CF, que contém norma genérica e somente poderia ser violado de forma reflexa, o que não se coaduna com o art. 896, "c", da CLT. Recurso de revista da Empresa-Ré não conhecido. II) RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS - CERTIDÕES DE ANTECEDENTES CRIMINAIS E DE AÇÕES TRABALHISTAS AJUIZADAS. 1. Segundo a diretriz da Súmula 126 do TST, é incabível o recurso de revista para reexame de fatos e provas. 2. No caso, o Regional deixou claro que o fato de a Empresa-Ré exigir que os candidatos a empregos apresentassem certidões de antecedentes criminais, por si só, não é suficiente para ensejar o pagamento da indenização por danos morais, nem caracteriza ato discriminatório a ser vedado. Salientou que o intuito da Ré era conhecer o perfil exato das pessoas recrutadas e colocá-las em função compatível, impossibilitando, por exemplo, que uma pessoa com antecedentes de furto ocupasse a função de caixa. Além disso, frisou que cabia ao Autor o ônus de provar a conduta discriminatória, principalmente a alegada compra de informações acerca do ajuizamento de ações por parte dos candidatos a empregos, a lesão à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, ônus do qual não se desincumbiu a contento. 3. Sendo assim, não há como divisar violação dos arts. 1º da Lei 9.029/95, 186 e 927 do CC e 5º, X, da CF, dados os pressupostos fáticos nos quais se lastreou o Regional, não mais discutíveis nesta Instância, de natureza extraordinária. Recurso de revista do Ministério Público do Trabalho não conhecido. (grifou-se ED-RR - 9892100-27.2004.5.09.0014 , Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 21/05/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 30/05/2008)
Cumpre, ainda, transcrever ementas de acórdãos proferidos em outros Tribunais, com o mesmo entendimento de que é vedada a consulta ao SPC e ao SERASA para fins de processo seletivo de trabalhadores:
TRT-PR-08-07-2011 CONSULTA JUNTO AO SPC E AO SERASA PARA FINS DE CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO. DANO MORAL CONFIGURADO. A consulta a órgãos que prestam serviços de proteção ao crédito apenas se mostra aceitável na hipótese de concessão de empréstimo ou na possibilidade de se firmar contrato oneroso em que o trabalhador figurasse como devedor. Se o obreiro possui dívidas, tal não pode configurar fato impeditivo para que obtenha o emprego ou nele permaneça, e a consulta a pendências financeiras constitui flagrante ofensa à intimidade, o que enseja o pagamento de compensação por dano moral, nos termos dos arts. 5º, X, da CRFB, 186 e 927, do CC. (TRT-PR-30471-2009-084-09-00-3-ACO-27089-2011 - 2A. TURMA; Relator: ROSALIE MICHAELE BACILA BATISTA; Publicado no DEJT em 08-07-2011)
TRT-PR-20-01-2009 PROCESSO SELETIVO PARA CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIO - CONSULTA AO SERASA - EXCLUSÃO / NÃO ADMISSÃO DO CANDIDATO - CONDUTA DISCRIMINATÓRIA - DANO MORAL - PRECEDENTE DO C. TST
A não admissão ou exclusão do processo seletivo para estágio na PETROBRÁS, pela circunstância de ter ser nome inscrito no SERASA, gera abalo moral, o qual não necessita de comprovação, visto que a conduta da ré, por si só, já é geradora de dor psíquica e sentimento de invasão de privacidade e de exposição da vida pessoal do autor perante a família e a sociedade. O dano moral não exige prova cabal, eis que se trata de abalo interno, psíquico, que não necessita de demonstração robusta, bastando a análise dos fatos em que estava inserida a vítima.
Os males acarretados pela conduta da ré violaram diretamente a honra subjetiva do autor, elemento integrante da honra em sentido lato, ligada intimamente à auto estima do trabalhador, o que trouxe transtornos morais à sua pessoa, ferindo em última análise a própria dignidade do homem enquanto homo faber.
Para fins legais, a atitude da ré possui a mesma consequência do ato ilícito, ou seja, dela se origina o dever de indenizar o sujeito de direito lesado (Novo Código Civil, art. 187. Ademais, a pretensão inicial também e contra amparo nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da não discriminação. (grifou-se, TRT-PR-05811-2007-594-09-00-4-ACO-00278-2009 - 2A. TURMA; Relator: ANA CAROLINA ZAINA; Publicado no DJPR em 20-01-2009)
É sabido que a empresa possui poder diretivo em contratar o candidato que melhor lhe interessar, no entanto deve atentar para os limites impostos pela sua função econômica/social, e, inclusive, pela boa-fé e bons costumes.
A prática de atos discriminatórios na fase pré-contratual possui previsão na Lei 9.029/95, que estabelece no art. 1º:
Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (grifou-se)
Dessa forma, verifico que a empresa Santo Anjo da Guarda Ltda. usou de forma indevida o acesso aos bancos de dados de restrição ao crédito, de maneira que agiu de modo discriminatório ao negar oferta de emprego a trabalhador com nome inscrito no SERASA, razão pela qual dou provimento ao recurso do Ministério Público do Trabalho para determinar que a ré se abstenha de utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou candidatos a emprego; e de exigir de candidatos a emprego ou empregados certidões, atestados ou quaisquer informações creditícias, sob pena de multa de R$1.000,00 por acesso comprovadamente desviado das finalidades dos cadastros de inadimplentes (art. 461, §5º, do CPC).
Quanto aos pedidos de determinação da empresa demandada para se abster de adotar qualquer critério de seleção de pessoal que se revele discriminatório, nos termos do art. 3º, inc. IV, da CF e legislação correlata, bem como seja estabelecido à recorrida que respeite a vida íntima e privada dos candidatos a emprego e empregados, deixando de fazer questionamentos que não se relacionem diretamente à qualificação para a atividade ou à formação profissional, entendo como genéricos, o que implicaria em sentença condicional, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico.
No que diz respeito ao pedido de indenização, embora seja atualmente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência a possibilidade de acolhimento do dano moral coletivo, entendo pela inocorrência na hipótese dos autos de repercussão na esfera de uma comunidade, assim considerada as gerações presentes e futuras.
Nessa senda, adoto como razões de decidir os fundamentos expendidos em acórdão desta Turma da lavra do Desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo:
Para a configuração do dano moral coletivo, seria necessária que a extensão do dano decorrente da conduta ilícita ou contrária à lei atingisse maiores proporções, repercutindo socialmente e violando direitos transindividuais de uma coletividade, isto é, da própria sociedade instituída. Não se identifica, contudo, esta repercussão social propugnada pelo Parquet em suas razões recursais. (TRT da 4ª Região, 7a. Turma, 0000184-05.2010.5.04.0701 RO, em 24/08/2011, Desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo - Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno, Juiz Convocado Marcelo Gonçalves de Oliveira)
Corrobora o indeferimento da pretensão ministerial trecho citado de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região em acórdão do TST, em que foi mantida em sede de Recurso de Revista:
Igualmente, deve ser mantida a determinação para que a ré se abstenha de exigir de empregados e candidatos a emprego informações sobre antecedentes trabalhistas ou creditícios (fls. 586/587).
-Contudo, no presente caso, razão assiste à recorrente quando afirma que não restou configurado este dano moral coletivo.
O fim precípuo desta Ação Civil Pública foi determinar que a ré se abstivesse de utilizar banco de dados e exigir certidões ou atestados para tomar informações trabalhistas, criminais ou creditícias de empregados ou candidatos a emprego, bem como se abstivesse de adotar qualquer outro critério discriminatório de seleção de pessoal.
A necessidade da Ação Civil Pública para esta pretensão, como já explanado, se justifica porque visa a proteção de interesses e direitos difusos, uma vez que, em tese, qualquer pessoa interessada a uma vaga de emprego na ré (agora e no futuro) poderia ter sua dignidade, intimidade e vida privada violada pelo sistema de seleção utilizado pela recorrente.
Trata-se, pois, de uma coletividade indeterminada de pessoas, que potencialmente poderia ter estes direitos personalíssimos violados.
Assim, a presente ação visou precipuamente evitar uma conduta social indesejável por parte da ré, que poderia, em tese, potencialmente atingir a dignidade, intimidade e vida privada de uma coletividade indeterminada de pessoas.
No entanto, até o momento em que uma pessoa desta coletividade se disponha a ser submetida ao processo seletivo para vaga de emprego na ré, não há caracterização de qualquer dano moral (extrapatrimonial) contra esta. Ou seja, a coletividade não foi atingida diretamente pelos critérios de seleção da recorrente. Vale dizer não houve dano efetivo a esta coletividade, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial (moral). Logo, não há que se falar em dano moral coletivo.
O caso dos autos é diverso, por exemplo, de uma comunidade de pescadores que sofre as consequências diretas de um acidente ecológico, decorrente de vazamento de substância tóxica, que tem seus meios de subsistência atingidos por várias gerações.
Nesta hipótese, além do dano patrimonial, restaria configurado o dano moral coletivo decorrente de uma ação lesiva significante, praticada por uma pessoa contra o patrimônio de uma coletividade (considerada esta as gerações presentes e futuras), que atinge sua esfera moral, causando-lhe sentimentos de insatisfação e angústia, por exemplo.
In casu, se, eventualmente, houve dano moral, este foi individual e atingiu apenas aqueles que realmente se habilitaram a uma vaga de emprego e aceitaram submeter-se ao processo de seleção da recorrente.
Portanto, apenas estes teriam interesse efetivo de buscar uma eventual indenização por dano moral. Logo, a presente Ação Civil Pública não se revela adequada para buscar esta indenização. Salvo melhor juízo, eventual indenização deve ser pretendida individualmente pelas pessoas que, de fato, sofreram eventual dano moral, o que deverá ser avaliado caso a caso. (grifou-se, RR - 9890900-82.2004.5.09.0014, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 29/09/2010, 5ª Turma, Data de Publicação: 08/10/2010)
Nessas circunstâncias, dou parcial provimento ao recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho para determinar que a ré se abstenha de utilizar banco de dados, tomar ou prestar informações creditícias relativas a empregados ou candidatos a emprego e de exigir de candidatos a emprego ou empregados certidões, atestados ou quaisquer informações creditícias; sob pena de multa de R$1.000,00 por acesso comprovadamente desviado das finalidades dos cadastros de inadimplentes (art. 461, §5º, do CPC). Custas revertidas à empresa ré, no valor de R$4.000,00, sobre o valor atribuído à causa de R$200.000,00.