Acusado de falsidade ideológica, goleiro Rogério Ceni tem HC negado
Jogador levou uma multa de trânsito com um veículo de uma empresa e assinou seu nome no campo reservado ao proprietário do carro.
Da Redação
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Atualizado às 12:32
A 11ª câmara de Direito Criminal do TJ/SP não concedeu HC em favor do goleiro Rogério Ceni, do São Paulo, para determinar o trancamento da ação penal em que o jogador é acusado de falsidade ideológica (crime previsto no artigo 299 do CP) por assinar um documento do Detran - Departamento de Trânsito de SP com informações falsas.
Em 2008, Rogério Ceni levou uma multa de trânsito com um veículo de uma empresa e, erroneamente, assinou seu nome no campo reservado ao proprietário do carro. O espaço destinado ao condutor foi preenchido por um despachante com os dados de uma outra condutora, que perdeu pontos na CNH - Carteira Nacional de Habilitação em decorrência da infração cometida pelo jogador.
Os impetrantes Antônio Claudio Mariz de Oliveira, Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga e Gustavo Francez alegaram ausência de justa causa contra o paciente. Segundo eles, a "assinatura no campo 'proprietário do veículo' é absolutamente irrelevante para a consumação do crime em questão, já que a falsidade perpetrada era indiferente para que o paciente obtivesse a alteração da verdade jurídica que a própria acusação imputou como desejada: transferência de pontos".
De acordo com o desembargador designado Guilherme G. Strenger, "não há falar-se em falta de justa causa para a instauração da ação penal, pois a questão veiculada no writ exige análise da matéria probatória".
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Processo: 0261026-35.2011.8.26.0000
Veja a íntegra da decisão.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n° 0261026-35.2011.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente ROGÉRIO CENI, Impetrantes ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA, SÉRGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA e GUSTAVO FRANCEZ.
ACORDAM, em 11a Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, DENEGARAM A ORDEM, CASSADA A LIMINAR, VENCIDO O RELATOR SORTEADO QUE A CONCEDIA, NOS TERMOS DE SUA DECLARAÇÃO DE VOTO. ACÓRDÃO COM O 2º JUIZ.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores XAVIER DE SOUZA (Presidente sem voto), GUILHERME G.STRENGER, vencedor, ANTÔNIO MANSSUR, vencido e MARIA TEREZA DO AMARAL.
São Paulo, 4 de abril de 2012.
GUILHERME G.STRENGER
RELATOR DESIGNADO
VISTOS.
Os advogados Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga e Gustavo Francez impetram a presente ordem de habeas corpus em favor de ROGÉRIO CENI, que se encontra respondendo a processo-crime (n° 0072535-93.2008.8.26.0050), perante o MM. Juízo da 4a Vara Criminal da Capital, por suposta infração ao artigo 299 do Código Penal.
Alegam, em síntese, estar o paciente sofrendo constrangimento ilegal, por ver-se processado em ação penal carente de justa causa, devido à atipicidade objetiva e subjetiva da conduta, eis que: a) "não existe qualquer evidência (...) acerca de um suposto liame subjetivo entre o paciente e o denunciado Dorival Soares" (fls. 08); b) a conduta do paciente, consistente na "assinatura no campo 'proprietário do veículo' (fls. 09): b.1) é absolutamente irrelevante para a consumação do crime em questão, já que a falsidade perpetrada era indiferente para que o paciente obtivesse a alteração da verdade jurídica que a própria acusação imputou como desejada: transferência de pontos" (fls. 09); b.2) "não tem o condão de evidenciar adesão dolosa do paciente á indigitada prática criminosa" (fls. 09); c) "quanto ao proprietário, qualquer formulário ou questionamento seria despiciendo, pois o DETRAN possui tal informação em seus arquivos" (fls. 17). Sustentam, ainda, que, não ostentando o paciente registro de pontuação em sua Carteira Nacional de Habilitação, não possuiria ele razão para "se arriscar a passar quatro pontos para a habilitação de um estranho" (fls. 57).
Por esses motivos, pleiteiam o deferimento de liminar e, ao final, a concessão da ordem, a fim de que seja trancado o feito originário.
Deferida a liminar (fls. 28/29), foram requisitadas e prestadas informações (fls. 34/35), tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça opinado pela denegação da ordem (fls. 50/53, 80/88 e 96/97).
É o relatório.
De acordo com as informações prestadas pela douta autoridade apontada como coatora, o paciente foi denunciado como incurso no artigo 299 do Código Penal.
Postula-se, neste writ, o trancamento da ação penal instaurada em desfavor do paciente, por ausência de justa causa - em razão da atipicidade objetiva e subjetiva da conduta - e, também, sob o argumento de que, inexistindo qualquer registro de pontuação na Carteira Nacional de Habilitação do acusado, não possuiria ele razão para use arriscar a passar quatro pontos para a habilitação de um estranho" (fls. 57).
Em que pesem os argumentos esposados pelo í. Des. Relator, reputo ser o caso de se denegar a segurança.
Insta salientar, ab initio, que o pleito em questão, por meio de habeas corpust somente comporta cabimento em situações excepcionais, quando ficar evidenciada a ausência de justa causa, sem necessidade de exame mais aprofundado de provas, o que não é o caso dos autos.
Compulsadas as cópias que instruem a presente impetração, constata-se que a denúncia está formalmente em ordem (fls. 36/41 dos autos principais e fls. 01/06 do apenso), contendo todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
Consta que, em data incerta, porém entre os dias 16.01.2008 e 14.02.2008, o paciente, agindo em concurso com o correu Dorival Soares, teria feito inserir e inserido, em formulário de indicação de condutor/infrator (atinente à multa atribuída, em 03.01.2008, ao condutor do veículo de placas DEX-4773/Mauá-SP), declaração falsa e diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar a verdade
sobre fato juridicamente relevante e, com isso, prejudicar direito e criar obrigação em detrimento de Olga de Carvalho Scola.
Assim, vislumbrando-se presentes prova da materialidade delitiva e indícios de autoria - principalmente em virtude da existência, nos autos do feito originário, de laudo de exame documentoscópico (fls. 179 / 1 81 do apenso), atestando que "a assinatura atribuída ao proprietário do veículo aposta na Indicação do Condutor de fls. 74, procedeu do punho de ROGÉRIO CENI" (fls. 181 do apenso) -, não há que se falar em trancamento da ação penal.
A esta altura, aliás, cumpre salientar que, como bem observou o douto Procurador de Justiça preopinante, os elementos indiciários do feito originário estão a demonstrar que "o veículo com o qual se praticou a infração de trânsito foi cedido ao paciente em comodato, rezando o contrato com a sua responsabilidade em caso de multas. Isto afasta a alegação no sentido de que sua inércia em relação à notificação da falta administrativa redundaria nas consequências observadas, como com propriedade explanaram a ilustre subscritora da manifestação copiada a fls. 42/46, acolhida pela douta impetrada (fls. 47/48). A seu turno, a perícia afirmou que a assinatura que consta do documento falsificado emanou do punho do paciente, provando a materialidade do delito cuja autoria é a ele imputada. E, ao contrário do que pretende fazer crer a inicial, as assertivas da inicial a respeito do liame entre as condutas do paciente e as efetivadas pelo correu Dorival Soares não têm o condão de tornâ-la inepta. É certo que o primeiro era responsável pelas infrações de trânsito na condução do veículo apontado e, como tal, assinou o campo destinado ao proprietário do veículo, no documento destinado a apontar seu condutor, o qual foi preenchido falsamente pelo correu, no que diz respeito a tais informações, redundando em falsa atribuição da infração a Olga, que sofreu as conseqüências de tais atos, com a imputação dos respectivos pontos em seu prontuário. Não menos certo é que, para fins de acusação, desnecessário discorrer a respeito do desenrolar dos fatos entre a ação de Rogério e a de Dorival, não se constituindo a afirmativa no sentido de que o paciente contratou pessoa de qualificação ignorada que manteve contato com Dorival ausência de evidência do liame contestado. Por fim, eventual discussão a respeito da atipicidade da conduta, por ausência de dolo, demanda dilação probatória, a qual exige o desenrolar da ação penal que é promovida dentro dos ditames legais em primeiro grau" (fls. 52/53).
Nesse passo, oportuno ressaltar o entendimento esposado pelo saudoso Desembargador SÉRGIO PITOMBO:
"No mais, cumpre notar que justa causa, em palavras simples, cifra-se, de maneira prevalente, no binômio, já mencionado: prova da existência material do fato ilícito e típico e, ao menos, indícios de autoria, ambos em grau necessário, só e unicamente, para acusar, em Juízo. Há quem lhe some a imputabilidade. O trancamento da ação penal, qual modo de julgamento antecipado da causa, proferido em grau superior de jurisdição, importa em admitir-se a improbabilidade da acusação. Precisa a imputação, de modo evidente, ostensivo, irromper inviável, seja em razão da clara atipia da conduta; seja pela ausência completa de meios de prova a arrimá-la; ou, ainda, pela ocorrência manifesta de causa extintiva da punibilidade, por exemplo" (HC n° 259.710).
Ademais, é cediço que, em sede de habeas corpus, não se pode examinar com profundidade, matéria de prova. Apenas quando dos autos emerge ilegalidade flagrante é que o remédio heróico se presta para correção.
Assim, por óbvio que as teses veiculadas pelos impetrantes na petição inicial do presente habeas corpus - as quais se acham minudentemente arroladas no relatório do presente aresto - deverão ser apreciadas, oportunamente, pelo MM. Juízo a quo, pois tais questões, afetas ao mentum causae do feito originário, refogem ao restrito âmbito de cognição do writ, imprestável para exames valorativos de prova Este tem sido o entendimento de nossos Tribunais:
"Não é possível no âmbito estreito do habeas corpus, o exame aprofundado, interpretativo, valorativo ou analítico da prova, para trancamento da ação penal, por falta de justa causa" (Rei. WALTER TINTORI - RJDTACRIM 05/218).
"Em sede de habeas corpus, não é cabível a valoração do quadro probatório para aferição da responsabilidade criminal do paciente. Incabível a concessão de habeas corpus para trancamento de ação penal, se alegada falta de justa causa não se revela indiscutível, exigindo exame aprofundado de provas" (HC n° 1.882/4 - 5a Turma - Rei. Min. FLAQUER SCARTEZZINI - j. 18/08/93 - DJU 20/09/93 - p. 19.184).
"Não constitui o Habeas Corpus medida apropriada para apreciar aspectos que envolvam o exame acurado de elenco probatório. Recurso desprovido" (RHC n° 729/SP - 6a Turma - j. 21 /OS/90 - Rei. Min. WILLIAM PATTERSON - DJU 03/09/90 - RJDTACRIM 08/ 281)
Sendo assim, não há falar-se em falta de justa causa para a instauração da ação penal, pois a questão veiculada no writ exige análise da matéria probatória.
Diante do exposto, revogada a liminar, denega-se a ordem.
GUILHERME G. STRENGER
Relator Designado