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Entrevista - José Roberto F. Gouvêa

José Roberto F. Gouvêa é coordenador da Coleção que homenageia Theotonio Negrão

Da Redação

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

Atualizado em 25 de agosto de 2005 15:46

 

Entrevista

 

José Roberto F. Gouvêa

 

 
Responsável pela brilhante e precisa atualização dos monumentais Códigos de Theotonio Negrão, José Roberto Ferreira Gouvêa coordena uma nova coleção homenageando o saudoso jurista, que será lançada amanhã, em SP (clique aqui).
 
Hoje, os migalheiros terão o privilégio de conhecer um pouco mais do trabalho e dos pensamentos de José Roberto Ferreira Gouvêa* em uma entrevista exclusiva concedida ao site Migalhas. Confira logo abaixo.
 

 

Migalhas - A editora Saraiva lança agora uma nova coleção homenageando o saudoso jurista Theotonio Negrão, coordenada pelo senhor. O sr. responsável pela atualização dos monumentais Códigos, intitulados na práxis de "Theotonio", como vê mais esta iniciativa ?

 

J.R.F.G - Ao escolher novos autores, que inauguram as suas carreiras com os trabalhos publicados nessa colecão, pretende-se lembrar que Theotonio Negrão sempre incentivou os jovens que o procuravam no início de suas vidas profissionais. Os próximos livros a serem editados na coleção continuarão a prestigiar esses jovens.

 

 

Migalhas - Se o sr. pudesse, em poucas palavras, sintetizar a maior virtude do autor Theotonio Negrão, qual seria ela ?

 

J.R.F.G - Profissionalmente, a sua maior virtude era a imensa capacidade de organização. Theotonio tinha milhares de decisões jurisprudenciais catalogadas de modo impecável, quando ainda não existiam computadores. Em seus arquivos constavam todas as leis e decretos federais editados. Para se ter idéia dessa capacidade, lembre-se do enorme sucesso de seu Dicionário da Legislação Federal, que era consultado por todos os profissionais do direito e até mesmo pelos poderes da república encarregados do processo legislativo.

 

 

Migalhas - A coleção ora lançada traz obras de novos autores da doutrina jurídica brasileira. São os novos enaltecendo o velho mestre. Como o senhor avalia a contribuição desses jovens pensadores do mundo jurídico?

 

J.R.F.G - Ainda que, em princípio, eu possa ser suspeito para falar da qualidade dos livros, na medida em que os selecionei, garanto que são excelentes obras. Esses quatro primeiros volumes tiveram como base trabalhos acadêmicos, onde os autores também se preocuparam grandemente em dar soluções aos problemas práticos relativos aos temas neles tratados. Sem dúvida, serão preciosos instrumentos de trabalho para todos os advogados, juízes e promotores de justiça.

 

 

Migalhas - A processualística pátria vive momentos que antecedem profundas mudanças. No Congresso, alguns projetos prevêem alterações importantes. Tem-se dito, aqui e ali, que seriam a solução para a lentidão do Judiciário. O sr. concorda com isso ?

 

J.R.F.G - Infelizmente, até agora as reformas do Processo Civil não se apresentaram suficientes para solucionar o dramático momento que vivemos quanto à lentidão da Justiça.

 

Quanto aos projetos que estão no Congresso, encaro com bons olhos o fim da dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução, mas não concordo com a redefinição do conceito de sentença, que deixa de ser o ato que põe fim ao processo para ser o ato cujo conteúdo se amolde aos incisos dos arts. 267 e 269. Isso trará de volta os fantasmas que o Código de 73 quis eliminar ao definir os pronunciamentos judiciais e os meios para impugná-los e poderá levar à criação da bizarra figura da "apelação de instrumento", voltada, por exemplo, contra o ato do juiz que, no curso do feito, exclua do processo um dos litisconsortes por ilegitimidade de parte.

 

As reformas pontuais têm vantagens no que diz respeito à celeridade, mas talvez já seja hora de se pensarnum novo Código de Processo Civil. Aliás, excessivas alterações no texto legal acabam sempre trazendo problemas colaterais, como as questões de direito intertemporal, que contribuem, em última análise, para o congestionamento dos tribunais. Ademais, os processos de alteração legislativa deveriam ser melhor pensados. Faltam dados estatísticos a lhes dar suporte. Por exemplo, quando se pensa em retirar o efeito suspensivo da apelação, é preciso, antes, ter em conta o número de sentenças reformadas pelos tribunais.

 

Ainda dentro dessa idéia de repensar o processo legislativo, falta também uma maior sensibilidade prática na hora de mexer nas leis. Modificar o conceito de sentença trará enormes conseqüências para o andamento do processo e isso acaba sendo esquecido na hora de se propor alterações. Trago mais dois exemplos disso. O primeiro deles remete ao próprio Theotonio, que já em 1973 vaticinava que a recorribilidade de todas as decisões interlocutórias então introduzida pelo Código iria prejudicar muito o processo civil. Dito e feito: hoje os tribunais encontram-se congestionados por milhares de agravos de instrumento e a distribuição de uma apelação em São Paulo demora 6 anos. Por que ninguém pensou nisso na época? O segundo deles diz respeito ao chamado agravo interno (art. 557).

 

É louvável a busca pela tempestividade da tutela jurisdicional e o aumento dos poderes do relator para julgar recursos isoladamente vai nessa direção. Todavia, como os tribunais superiores não conhecem de recurso especial ou extraordinário contra decisão monocrática e batem no esgotamento dos recursos ordinariamente cabíveis, a parte é praticamente obrigada nas instâncias ordinárias a interpor o agravo interno para ver sua causa julgada pelo STJ ou pelo STF. Moral da história: em vez de se acelerar a obtenção da tutela jurisdicional, criou-se mais um recurso. Lamentavelmente, ninguém pensou nisso.

 

Por fim, não podemos esquecer que a universalização da tutela jurisdicional, acontecida de forma mais sensível a partir da Constituição Federal de 1988, não veio acompanhada por uma estrutura materialmente capaz de absorvê-la. Vivemos num país de terceiro mundo e não se pode cobrar um Judiciário de primeiro mundo. Até penso que o serviço jurisdicional está acima da média dos demais serviços oferecidos pelo Estado brasileiro. No entanto, é inegável que a falta de recursos é um fator relevante para a lentidão da Justiça e, por enquanto, intransponível.

 

 

Migalhas - O que o sr. teria a dizer a um jovem que começasse agora a sua vida profissional?

 

J.R.F.G - O segredo do sucesso profissional está na dedicação e no respeito rigoroso à ética profissional. Ser bem sucedido profissionalmente não significa apenas demonstrar conhecimentos e galgar postos de prestígio, mas, sobretudo, dar uma função social ao seu trabalho. A minha geração lutou contra adversidades dramáticas e venceu algumas delas, mas é evidente que não conseguiu fazer do Brasil um bom lugar para se viver, basta ver o que acontece com a miséria sempre presente e a corrupção generalizada. Se as pessoas não tiverem em vista apenas objetivos pessoais com o seu trabalho, mas também procurarem dar-lhe uma dimensão social, haveremos de fazer do nosso país um bom lugar para a posteridade.

 

________

 

*José Roberto F. Gouvêa é graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), turma de 1973, foi aluno, em Paris, da École Nationale de la Magistrature. Foi advogado em São Paulo, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Fundação Instituto de Ensino para Osasco e Presidente do Conselho Nacional da Defesa do Consumidor (Governo Sarney). Co-autor, com Theotonio Negrão, desde 1993, do Código Civil e Legislação Civil em Vigor e do Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil em Vigor, editados pela Edito0ra Saraiva. Desde 2000 é Serventuário da Justiça, tendo obtido os 1º e 3º lugares no 1º Concurso para Outorga de Delegações de Registro de Imóveis e de Protesto de Títulos promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.