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Defesa prévia de José Dirceu ao Conselho de Ética

Da Redação

quarta-feira, 24 de agosto de 2005

Atualizado às 11:26

Defesa prévia de José Dirceu ao Conselho de Ética

Resumo da defesa prévia apresentada pelo deputado José Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados em 22 de agosto de 2005.

O Representado repele, com toda a veemência e de modo categórico, a prática dos atos sugeridos na representação, frutos exclusivos de uma mente doentia ou de mirabolante estratégia destinada a desviar o rumo da investigação que efetivamente merece ser feita, que é a relacionada com a comprovada prática de corrupção por funcionário de empresa estatal ligado ao Deputado Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro.

Representação inepta: a petição inicial não contém os elementos mínimos para identificar a conduta que alega ser indecorosa:

a) não indica qual ou quais trabalhos legislativos teriam tido seu regular andamento fraudado, nem qual ou quais deliberações teriam tido seu resultado alterado;

b) não indica quais seriam os parlamentares favorecidos e quais os projetos cuja votação teria sido viciada;

c) a forma genérica em que é deduzida a acusação impede que o Representado seja específico em relação a algum caso particular, na medida em que a defesa deve estar, necessariamente, relacionada aos fatos apontados pela acusação.

Acusação delirante: o Representado nunca participou de qualquer conluio com a finalidade de levantar fundos para pagar parlamentares, a fim de que votassem projetos a favor do governo.

a) os depoimentos prestados por Marcos Valério e sua mulher Renilda mostra que nunca houve levantamento de fundos para pagar parlamentares. O que existiu, segundo as declarações das pessoas diretamente envolvidas nos episódios - e o Representado só veio a conhecer os detalhes disso recentemente - foi a realização de empréstimos junto a instituições bancárias para fazer frente a obrigações de campanhas eleitorais.

b) esses empréstimos, de acordo com o que declarado por Delúbio Soares e Marcos Valério, teriam sido tomados a partir de fevereiro de 2003, após o Representado haver se afastado das funções partidárias, em razão dos relevantes encargos que assumiu no Governo do Presidente Lula. Neles, porém, o Deputado José Dirceu não teve nenhuma participação, quer em relação à decisão de buscar recursos no mercado, quer no que diz respeito à concretização de tal decisão.

c) as pessoas referidas pela representação se limitaram a dizer que tinham sido informadas por terceiros de que o Deputado José Dirceu tinha conhecimento desses empréstimos. Marcos Valério disse que Delúbio Soares lhe havia dito isso, mas Delúbio não confirmou tal fato. Pelo contrário, declarou que nunca tratou desse assunto com o Representado. Renilda, por sua vez, disse que seu marido comentou que alguém lhe havia dito que o Deputado José Dirceu sabia, mas foi contraditória ao informar quem teria sido essa terceira pessoa, ora Delúbio Soares (que nega), ora diretores de banco (que também negam).

d) o que se tem é apenas referências ou suposições, deduzidas por participantes dos empréstimos em investigação que, como linha de defesa, buscam envolver outras pessoas.

e) todas as pessoas relacionadas com os empréstimos obtidos foram unânimes em informar que os recursos obtidos com os empréstimos destinavam-se a saldar dívidas de agremiações políticas, essencialmente ligadas a campanhas eleitorais.

f) o Deputado Roberto Jefferson, acusado de manter um esquema de arrecadação irregular de recursos em empresas pública com o auxílio de pessoas indicadas por seu partido político, procurou vincular os recursos destinados ao pagamento de dívidas relacionadas com campanhas eleitorais a um suposto pagamento de propinas em troca de apoio em votações de projetos de interesse do governo. O imprudente e suspeito parlamentar é voz isolada nas referências a essa atividade irregular, da qual não foi apresentada nenhuma prova e que, de qualquer modo, nunca contaria com o apoio ou a concordância do Representado.

g) a absoluta ausência de provas tem sido o fundamento adotado por esse Egrégio Conselho para determinar o arquivamento de uma série de representações que também tiveram por origem as despropositadas alegações do Deputado Roberto Jefferson.

h) é público e notório que o Representado não se ocupou da parte financeira da campanha eleitoral de 2002, tendo sido um dos coordenadores políticos da campanha presidencial e também candidato no pleito proporcional federal, no Estado de São Paulo, no qual recebeu, honrado, significativo apoio dos eleitores paulistas.

i) encerrada a campanha, o Representado participou ativamente da montagem do novo governo e após a posse do Presidente Lula assumiu importante cargo, cujas funções - que desempenhou com dedicação, denodo, correção e total interação com o Presidente da República, junto com todos os integrantes do primeiro escalão e demais auxiliares -, ocupavam todo seu tempo, impossibilitando qualquer participação nas decisões executivas do Partido dos Trabalhadores. Pelas mesmas razões também não teve nenhuma participação na administração financeira das campanhas municipais de 2004, o que seria incompatível com as elevadas funções de que se ocupava.

j) não é razoável supor que o Representado pudesse ter conhecimento das condições e dos detalhes dos empréstimos obtidos ou das dívidas existentes. Sabia genericamente, como já declarou, que o Partido dos Trabalhadores estava com problemas financeiros e que buscava empréstimos junto a bancos, mas não conhecia os detalhes e - é importante que isso fique muito claro - não participou de qualquer negociação relativa a empréstimos, nem prometeu favores aos bancos envolvidos.

k) sobre os contatos com os bancos mencionados, cabe registrar que efetivamente participou de algumas reuniões com seus dirigentes, mas nunca tratou - com eles ou com qualquer outra pessoa - sobre empréstimos para o Partido dos Trabalhadores ou para Marcos Valério, fato que as duas instituições confirmaram (nota do Banco Rural; declaração do Dr. Sérgio Bermudes, advogado do Banco BMG - Docs. 3 e 4 -).

Incompetência manifesta: além de improcedente e frágil a acusação, não pode haver desrespeito ao decoro porque o Representado não estava no exercício do mandato no período em que os atos apontados teriam sido praticados:

  • os precedentes apontados na consulta feita pelo Conselho de Ética examinaram situações diversas;
  • o próprio Deputado Federal Roberto Jefferson, que não esconde seus instintos primitivos e sua intenção de atingir a honra do Representado, reconheceu, nesta mesma Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, por ocasião do depoimento nela prestado pelo Representado, que a representação oferecida estava fadada ao insucesso, porque os atos que atribuía ao Deputado José Dirceu teriam sido por ele praticados quando afastado do exercício do mandato (conforme notas taquigráficas da audiência realizada em 2.8.2005).
  • notórios especialistas também defendem essa tese, conforme matéria publicada no jornal "O Globo" do dia 3 de agosto de 2005:

    "A responsabilidade do agente público se dá em função do cargo que ele está exercendo. A Constituição prevê mecanismos diferentes de sanção para parlamentares e agentes públicos do Executivo, que estão sujeitos a processo de crime de responsabilidade, que leva à perda do cargo e à inabilitação para o exercício de qualquer função pública por um período de tempo. São dois regimes jurídicos distintos e não se pode responder pelo mesmo fato duas vezes" (Luiz Roberto Barroso, professor de direito constitucional da UERJ - grifamos -).

    "Estando afastado das funções de deputado, não há como falar em quebra de decoro" (José Eduardo Alckmin, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral - grifamos -).

    "Com relação aos fatos que são objeto do Conselho de Ética, não é possível falar em eventual penalização de José Dirceu porque ele não era deputado quando os fatos se deram. Mas se concluídas as CPIs, se houver algo contra ele, a comissão deve recomendar ao órgão competente, o Supremo Tribunal Federal, que o processe" (Ricardo Penteado, especialista em direito eleitoral - grifamos-).

    "Ele não estava atuando como deputado, por isto pode escapar de outras acusações e manter o mandato" (Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral - grifamos -).

    d) a própria representação reconhece que o Deputado José Dirceu, na forma do que lhe assegura o artigo 235, inciso IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, estava licenciado da Câmara dos Deputados para exercer as funções do cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República;

    e) o que também se confirma pela simples consulta ao banco de dados da Câmara dos Deputados, acessível pela internet;

    f) como os atos atribuídos ao representado teriam sido por ele praticados fora do exercício do mandato parlamentar, não podem caracterizar falta de decoro parlamentar e, conseqüentemente, não estão abrangidos pelo juízo político do douto Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, até em respeito ao princípio da separação de poderes determinada pela Constituição da República, que também assegura que não perderá seu mandato o Deputado investido no cargo de Ministro de Estado.

    g) a própria Câmara dos Deputados considera que a quebra do decoro parlamentar exige que o ato seja praticado no exercício do mandato parlamentar;

    h) o Representado pede seja liminarmente determinado o arquivamento da representação ora contestada, em respeito ao devido processo legal, visto que os atos que se pretende examinar, se existentes, não se enquadrariam na competência do Conselho.

Desabafo e preocupação: o Representado tem plena convicção que responde a um processo político, no qual as questões jurídicas não possuem o mesmo valor e importância que teriam em um processo judicial.

a) por esse motivo, resolveu não renunciar ao mandato, o que se feito em tempo certo, poderia preservar todos os seus direitos políticos e a possibilidade de, eventualmente, retornar ao Congresso Nacional na próxima legislatura. O Representado vai defender seu mandato e demonstrar sua inocência.

b) o Representado tem uma história de luta e de ideais, conforme esclareceu quando de seu depoimento como testemunha no processo contra o Deputado Roberto Jefferson.

c) independentemente das conseqüências específicas do caso concreto - perda do mandato e inelegibilidade até 2014 - o que mais preocupa o Representado é o precedente, é a possibilidade de se cassar o mandato de um parlamentar não pelo que ele fez (e no caso nada se fez de irregular), mas pelo que ele representa.

d) o Representado pode, agora, pagar pela firmeza com que agiu por toda a sua vida na defesa das idéias e ideais que acreditou e acredita, que muitos preferem confundir com arrogância?

e) ai o Deputado, fica o precedente. E amanhã a solução pode ser novamente aplicada. A maioria pode resolver punir um líder da minoria sem prova firme e cabal de ele haver faltado com o decoro, mas apenas para afastar o desafeto do palco político. Será isso bom para a Casa? O processo democrático, que já custou tanto sangue, estará sendo preservado?

Testemunhas: Representado arrola as seguintes testemunhas que deverão ser notificadas para prestar esclarecimentos:

  • Márcio Thomaz Bastos, advogado
    Ministro da Justiça
  • José Aldo Rebelo Figueiredo (Aldo Rebelo), jornalista Deputado Federal
  • Eduardo Henrique Accioly Campos (Eduardo Campos), economista
    Deputado Federal
  • Arlindo Chinaglia Júnior (Arlingo Chinaglia), médico
    Deputado Federal
  • Fernando Gomes de Morais (Fernando Morais)
    Jornalista Profissional

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