Globo não terá que retirar matéria que mostrou homem sendo preso
Juíza do caso entendeu que não se pode apagar a história.
Da Redação
quinta-feira, 22 de março de 2012
Atualizado em 21 de março de 2012 15:37
Liberdade de imprensa
Globo não terá que retirar matéria que mostrou homem sendo preso
A juíza de Direito Hertha Helena Rollemberg Padilha, da 4ª vara Cível de SP, julgou improcedente pedido de um homem para que a Globo retirasse da internet matéria que deu ampla divulgação a operação policial que culminou com a prisão dele.
O autor da ação pedia também que a Globo fizesse uma retratação em horário nobre na TV, informando sobre sua absolvição.
No entanto, a magistrada entendeu não existir o que se falar em retratação. Isto porque, não foi a Globo quem fez qualquer imputação ao autor, ela apenas se limitou a noticiar as imputações que lhe foram feitas pelo Estado, por meio da Polícia Civil e do MP. E concluiu que "uma vez que a ré não tem qualquer dever de retratação, não cabe ao Estado determinar o que ela deve ou não publicar em relação ao desfecho do caso em tela".
Para a juíza, "não se apaga a história. Muito menos os documentos históricos, que nada mais são do que os registros dos fatos que ocorreram no passado. Quer eles sejam agradáveis ou desagradáveis".
O advogado Maurício Joseph Abadi, do escritório Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados, representou a TV Globo no caso.
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Processo: 0245780-61.2009.8.26.0002
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Juiz(a) de Direito: Dr(a). Hertha Helena Rollemberg Padilha
VISTOS, ETC
Virgílio Cesar Braz propôs a presente ação condenatória à obrigação de fazer, cumulada com indenização por danos morais, em face de Rede Globo de Televisões alegando, em síntese, que a ré deu ampla divulgação a operação policial que culminou com a prisão do autor, sob a supeita de que participasse de quadrilha envolvida com roubo de cargas e receptação, ocorrida em 11 de dezembro de 2007.
Entretanto, após responder a processo criminal, o autor foi absolvido das imputações que lhe foram feitas, restando- lhe apenas a condenação, com suspensão condicional da pena em relação ao art. 12 da lei 10.826/03. No entanto, a ré não deu a mesma divulgação ao fato, e mantém, ainda, na internet as matérias divulgadas por ocasião de sua prisão.
Foi humilhado e tachado e marginal. Perdeu clientes e continua tendo o nome veiculado de forma humilhante, sem a informação quanto à sua absolvição. Requereu a condenação da ré a retirar as reportagens veiculadas na internet onde o nome do autor seja veiculado de forma humilhante, assim como condena-la a veicular retratação em horário nobre e por escrito em sua página eletrônica, informando a absolvição do autor, sob pena de multa diária.
Requereu ainda, a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no montante 100 salários mínimos salários mínimos. Juntou documentos. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido.
Regularmente citada a ré contestou alegando, em síntese, que inépcia da inicial, e no mérito, sustenta a improcedência da ação, porque limitou-se a informar sobre fatos que efetivamente ocorreram, e que foram amplamente divulgados pela imprensa em geral.
A investigação e a prisão do autor não são fatos mentirosos, e a matéria produzida teve o cunho exclusivamente informativo, não atribuindo nenhum adjetivo à pessoa do autor.
Não há como se retirar os arquivos da internet, posto que equivalem aos arquivos de uma biblioteca, limitando-se a reproduzir o que foi publicado e divulgado na época da investigação. Pugnou pela improcedência da ação. Procedeu-se à tentativa de conciliação que restou infrutífera.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
O feito comporta julgamento antecipado nos termos do art. 330, I do CPC.
Afasto a alegada inépcia da inicial.
Com efeito, a reprodução da matéria jornalística exibida à época dos fatos não é documento essencial à propositura da ação. Mormente porque, o que o autor discute não é propriamente o conteúdo do que foi divulgado à época, mas sua manutenção nos sítios de internet.
Por outro lado, ainda que se discutisse o conteúdo da matéria jornalística, por ofensiva à honra do autor, a reprodução da matéria seria questão de prova, atinente, portanto, ao mérito da demanda.
No mérito, no entanto, a pretensão do autor não pode prosperar.
O autor pretende ver retirado do sítio da internet, mantido pela ré, pelo que compreendi de sua pretensão, as referências e eventuais reproduções das matérias jornalísticas produzidas por ocasião de usa prisão, no ano de 2007.
Tanto a prisão do autor, como os fatos relacionados com a investigação criminal que ocorreu à época, foram noticiados, não só pela ré, como por diversos veículos de comunicação, como se observa dos impressos de página de busca que o próprio autor junta com a inicial.
Pois bem. Quanto à divulgação da prisão e os motivos que levaram a ela, tratando-se de uma investigação oficial, conduzida pela autoridade policial, e posterior ação penal, não há qualquer ilegalidade.
A este respeito, já decidi, reiteradamente, quando integrante da 9ª câmara de Direito Privado, que a reprodução do conteúdo de investigação criminal, com a indicação da fonte e sem juízo de valor quanto à pessoa dos investigados, não gera dano moral indenizável, porque caracteriza exercício regular do direito de informar, que é um dos pilares da democracia.
A este respeito, confira-se voto da lavra do MM. Juiz Jayme Martins de Oliveira, exarado na Apelação Cível c/ revisão n. 212.902.4/2-00:
"O autor move a presente demanda para buscar indenização por dano moral com alegação de que a recorrida praticou ato ilícito ao divulgar lista denúncia com o nome de 253 policiais que estariam envolvidos com a criminalidade, nela constando o nome do recorrente.
A lista foi obtida pelo jornal junto à CPI do narcotráfico e a matéria faz referência à origem daquele rol, sem qualquer juízo de valor.
Verifica-se assim, que a matéria circunscreveu-se aos limites do bom jornalismo, com a divulgação de fatos que naquele momento estavam sendo investigados e divulgados pela "CPI do narcotráfico".
Importa destacar, por oportuno, que o direito à informação não é prerrogativa de empresa jornalística ou de jornalista, mas prerrogativa do povo, titular da soberania. Não se trata de um direito, mas de um dever, pois o acesso à informação caracteriza-se por um direito fundamental da pessoa humana, a ser exercido dentro de certas condições regulamentadas pelo direito positivo.
No caso brasileiro, a Constituição Federal garante o exercício dessa liberdade com certos contornos imprescindíveis à boa convivência em sociedade, de maneira que o dever correspondente ao direito do próprio povo não pode ser exercido de maneira arbitrária, com excessos, ou seja, fora dos limites do próprio contorno constitucional. Se o fizer, deixa de se caracterizar com direito para apresentar-se como abuso e a partir daí pode ofender a esfera individual de alguém e, então, sujeitar o ofensor à indenização por danos materiais e/ou morais.
Na hipótese contudo, a reportagem foi puramente jornalística e exercida dentro do dever constitucional de informar a comunidade sobre os passos da investigação levada a efeito pelos parlamentares."
E não há nos autos nenhuma prova, ou indício sequer, de que a ré tenha prestado informações inverídicas sobre os fatos ou sobre a investigação que ocorria naquele momento.
Agora, o que o autor pretende é que estas reportagens, realizadas á época dos fatos, não estejam mais acessíveis a quem quer que seja, por meio da internet, nos sites de busca. E esta pretensão não tem sentido.
Equivale, mais ou menos, como pretender que todos os exemplares de uma determinada revista ou jornal sejam destruídos, alguns anos depois, para que as pessoas não possam ter acesso ao que foi noticiado nos anos anteriores. Simplesmente não há lógica nesta pretensão.
Isto porque os sites de busca limitam-se a acessar aquilo que foi publicado, nos moldes em que foi publicado, e com a indicação das datas em que foram publicados.
Menos lógico ainda é pretender que a ré destrua os registros de suas publicações, para que eles não estejam acessíveis aos sites de busca.
Não se apaga a história. Muito menos os documentos históricos, que nada mais são do que os registros dos fatos que ocorreram no passado. Quer eles sejam agradáveis ou desagradáveis.
Por fim, não há que se falar em retratação. Isto porque, não foi a ré quem fez qualquer imputação ao autor. A ré limitou-se a noticiar as imputações que lhe foram feitas pelo Estado, por meio da Polícia Civil e do Ministério Público.
E uma vez que a ré não tem qualquer dever de retratação, não cabe ao Estado determinar o que ela deve ou não publicar em relação ao desfecho do caso em tela.
Por todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação e CONDENO o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor da causa corrigido.
P. R. I.
São Paulo, 09 de março de 2012.
Custas de preparo R$ 92,20.
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