"Lula não caiu, mas terminou", diz Fábio Konder Comparato
Da Redação
quarta-feira, 17 de agosto de 2005
Atualizado às 11:52
"Lula não caiu, mas terminou", diz Fábio Konder Comparato
Em debate sobre a situação política, o jurista e coordenador da Campanha Nacional de Defesa da República e da Democracia, Fábio Konder Comparato, afirmou que a única forma do governo Lula superar a crise é dar poder direto ao povo brasileiro via mecanismos como o plebiscito e o referendo.
O professor titular da Faculdade de Direito da USP, participou nesta segunda-feira, de um debate sobre a crise política promovido pela organização Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE). Na pauta, a possibilidade de criação de uma Assembléia Constituinte Exclusiva para tratar de reformas político-partidárias, como vem sendo proposto por alguns setores da oposição. Radicalmente contrário à idéia, Comparato afirma que Assembléias Constituintes são para momentos onde não há uma ordem constituída, no caso de revoluções, golpes de Estado e governos de exceção. Além disso, ele não acredita que isso resolveria o problema institucional criado no governo Lula.
"A Assembléia Constituinte agora é panacéia pra tudo. Mas uma iniciativa como essa pode decidir mexer só no sistema eleitoral, tributário ou partidário e não no resto. Qual a diferença disso para uma PEC feita pelo Congresso hoje? Serão decisões que "eles" tomarão", explica Comparato. Para um sistema que denominou "empodrecido", em que a "sucessão de escândalos é uma febre recorrente", o jurista defende idéias mais radicais.
Ele acredita que os controles estabelecidos na Constituição Federal são horizontais; um poder controla o outro, o que facilita sua fraude. Neste sentido, mesmo com uma reforma política que aprove o voto em lista, o financiamento público de campanhas e que até mesmo altere o sistema de governo no país, a oligarquia que sempre controlou o destino do Brasil não terá dificuldades de se adaptar.
"Não adianta simplesmente reformar este sistema. É preciso mudar sua estrutura. Vejam o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso. Ele fez sua roubalheira nas privatizações, só que com mais precisão e mais tato. Então, se todo mundo põe dinheiro público no bolso ou não declara o dinheiro privado, não adianta; o sistema vai continuar corrupto. E nos casos de corrupção, o controle vertical é indispensável. A República no Brasil sempre foi um sistema em que o povo elege, mas não decide. Hoje, isso se tornou insustentável. Por isso é essencial dar poderes ao povo. Daí a proposta do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular, implementada nas regras da Constituição", diz.
A idéia, baseada numa concepção republicana, é a de que o povo brasileiro se torne cada vez mais igual, com igualdade de direitos e de poder de decisão sobre os rumos do país. Há um risco evidente da população ser manipulada neste processo. Mas a este argumento Comparato responde com uma crítica aos governantes que temem perder poder com a instalação de mecanismos de participação popular mais democráticos.
"Quer dizer que o povo é manipulado quando tem que decidir diretamente e não é quando tem que eleger candidatos? O povo pode errar e já errou várias vezes, mas a medida em que é chamado a decidir e se faz uma discussão ampla, o povo começa a aprender. Foi o que mostrou o Orçamento Participativo em Porto Alegre. Nos dois primeiros anos, as pessoas só enxergavam seus interesses; depois, se passou a ver o conjunto da cidade e todos compreenderam que estavam no mesmo barco. Este círculo vicioso em que estamos só começará a se romper quando o povo tiver mais poder de controle dentro do sistema, poder de responsabilização, de decisão", acredita.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o mecanismo do recall permite a revogação de mandatos eletivos quando a população sente que um governante não está agindo da forma para a qual foi eleito. Quando isso acontece, o governante geralmente renuncia. No Brasil, atualmente, a perda de mandatos políticos só acontece em caso de crimes cometidos.
"Mas a indignação do povo não diz respeito a crimes somente. Quando alguém é eleito para algo e faz outra coisa, como aconteceu agora, o voto foi fraudado. A falta de confiança do povo não pode, portanto, esperar quatro anos, mesmo que não haja crime político", diz Comparato.
Na sua opinião, reforçar por emenda constitucional o poder do povo de decidir por plebiscito todas as políticas sociais e econômicas, questões acerca da alienação do patrimônio nacional e tratados internacionais, revogar mandatos eletivos e incentivar as leis de iniciativa popular significariam, para o governo Lula, o início da instauração de uma democracia mais autêntica e a única alternativa para a superação desta crise.
"Quando o Presidente da República tem um mínimo de talento e competência, ele domina o Congresso. Quem não faz isso, cai. Lula não caiu, mas terminou", afirma Comparato.
"O que o governo Lula precisa fazer, e eu penso que ele tem consciência disso, além de dar poder para o povo, é mudar esta política econômica ruinosa para o país e evidentemente ruinosa pra ele. Essa é a principal causa dessa crise política. E também a política de alianças, que foi feita para garantir essa política econômica. O governo Lula não quer mexer nessas questões agora porque as eleições estão aí. Mas se não caminharmos com elementos de pressão, não conseguiremos mudar. Estamos todos no mesmo barco, e todos com enjôo. E o momento de fazer pressão é agora. Mas temos que fazer isso dentro dos parâmetro constitucionais", ressalta.
"Mas há males que vem para o bem. Uma coisa boa nesta crise toda que nos abate é que afinal começamos a pensar no Brasil. Esta crise desnudou uma realidade obscena: o fato de nós termos aprofundado a dominação oligárquica. Seria a ocasião agora de procurar um remédio radical para isso. Se nós deixarmos passar a oportunidade talvez não haja mais outra dentro de muitos anos", conclui Comparato.
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