Advogado é condenado por reter documentos de cliente
A 2ª câmara Criminal do TJ/PR manteve sentença que condenou advogado por ter retido indevidamente documentos de sua cliente, aplicando-lhe a pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa no valor de 1/10 do salário-mínimo vigente ao tempo do fato.
Da Redação
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Atualizado às 17:35
Pena
Advogado é condenado por reter documentos de cliente
A 2ª câmara Criminal do TJ/PR manteve sentença que condenou advogado por ter retido indevidamente documentos de sua cliente, aplicando-lhe a pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa no valor de 1/10 do salário-mínimo vigente ao tempo do fato.
A pena foi substituída por duas restritivas de direitos: a prestação de serviços à comunidade pelo período da pena privativa de liberdade e uma prestação pecuniária no valor de 1 salário-mínimo, que será destinada à APAE - Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Paranavaí.
O advogado, de acordo com os autos, reteve os documentos pessoais de uma cliente (RG, CPF e CNH) visando à satisfação de honorários unilateralmente fixados por ele.
Condenado em 1º grau, recorreu da sentença.
No recurso, o desembargador José Maurício Pinto de Almeida, relator, consignou que resotu "claro" a intenção do causídico ao não devolver os documentos pessoais da mulher: "era a de receber seus honorários".
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Processo : 826707-0
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APELAÇÃO CRIME Nº 826.707-0, DA COMARCA DE PARANAVAÍ (2ª Vara Criminal).Apelante: J.C.F.
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
Relator: Des. JOSÉ MAURÍCIO PINTO DE ALMEIDA.
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 305 DO CP (CRIME DE SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO). ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO LEGAL . INOCORRÊNCIA. MAGISTRADO QUE MOTIVOU, DE FORMA SUCINTA, MAS SUFICIENTE, O SEU CONVENCIMENTO. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO . INACOLHIMENTO. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS QUE DEMONSTRAM A PRÁTICA DO CRIME DESCRITO NA DENÚNCIA. DOSIMETRIA ESCORREITA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1.Consoante Denise Hamerschmidt, "na motivação o juiz analisa os motivos de fato, ou seja, os fundamentos fáticos em que se embasa a pretensão deduzida, valora as circunstâncias e as provas existentes nos autos de processo, os motivos de direito, isto é, as regras de direito aplicáveis ao caso e indica os artigos de lei arrolados" (HAMMERSCHMIDT, Denise. Sentença Penal. in: Direito Processual Penal: parte 1. PRADO, Luiz Regis (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 288). 2.A fundamentação sucinta não pode ser confundida com ausência de fundamentação, como já julgou o TJDFT: "Não se deve confundir 2 ausência de fundamentação com mera deficiência". (TJDFT. 2ª Turma Criminal. Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS. Apelação nº 20090710287323APR. Julgado em 29/07/2010. DJ 13/08/2010 p. 429. Unânime). I.
Trata-se de apelação criminal interposta por J.C.F., denunciado pela prática, em tese, do crime descrito no art. 305 do CP, em decorrência do seguinte fato narrado na denúncia:
"No dia 4 de maio de 2007, por volta das 19:03 h, na sede da 8ª Subdivisão policial situada neste Município e Comarca de Paranavaí/PR, o denunciado J.C.F. na qualidade de advogado, assistiu à vítima A.G.S. por ocasião de sua prisão em flagrante (f. 18/22), ocasião em que a vítima A.G.S. lhe entregou seus documentos de identificação pessoal - carteira de identidade (RG nº 8.252.631-5/PR), carteira nacional de habilitação nº 874288297 e cartão do cadastro de pessoa física (CPF nº 019.266.669-09) - para que os guardasse.
Entretanto, o denunciado J.C.F. agindo dolosamente, consciente da ilicitude e censurabilidade de sua conduta, visando à satisfação de honorários unilateralmente fixados por ele na quantia de R$ 300,00 (trezentos) reais, ocultou os precitados documentos públicos (RG, CNH e CPF), os quais não podia dispor, em prejuízo da vítima até o dia 18 de fevereiro de 2008, quando então os exibiu à autoridade policial que os apreendeu (AEA de f. 13) e os restituiu à ofendida (f. 14).
A vítima, após ser posta em liberdade, encontrou dificuldade na obtenção de trabalho e demais atos da vida civil, em virtude de não portar seus documentos" (fls. 2/3).
Julgada procedente a pretensão formulada na denúncia pela r. sentença de fls. 197/202, o nobre julgador de primeiro grau condenou o réu nas sanções do art. 305 do CP, aplicando-lhe a pena definitiva de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, considerando a situação econômica do sentenciado.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade pelo período da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário-mínimo, em prol da APAE - Paranavaí.
Condenou-o, igualmente, ao pagamento das custas processuais.
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma da decisão, alegando, em síntese, que:
a)-a sentença é nula por falta de fundamentação legal;
b)-respondeu a vários processos, porque foi vítima de perseguição por uma Promotora de Justiça atuante na Comarca de Paraíso do Norte;
c)-prestou serviços advocatícios à suposta vítima, mas não reteve seus documentos, condicionando a entrega ao pagamento de honorários que lhe eram devidos;
d)-quando tomou conhecimento da instauração do inquérito policial, imediatamente exibiu os documentos na Delegacia de Polícia;
e)-não foi instaurada representação disciplinar junto à OAB/PR, pois antes da protocolização da representação os referidos documentos foram devolvidos, não havendo que se falar em infração disciplinar;
f)-não há provas suficientes para a condenação;
g)-os documentos foram devolvidos antes do recebimento da denúncia, tornando-se a inicial sem objeto;
h)-os documentos somente não tinham sido entregues antes porque a suposta vítima não foi até seu escritório para buscá-los, para não pagar o que lhe devia; no entanto, sua entrega nunca foi vinculada ao pagamento dos honorários;
i)-"cumpriu suas obrigações para as quais fora contratado, não recebeu nenhum centavo pelos serviços prestados, e, por incrível que pareça, ainda se encontra condenado em sentença de primeiro grau por um fato que não cometeu" (fl. 214).
Em suas contrarrazões recursais, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 229/230).
A douta PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em parecer às fls. 240/244, manifestou-se o sentido de ser o recurso desprovido.
II.
A)-DA NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO:
Alega o insurgente ser nula a sentença condenatória por falta de fundamentação legal, asseverando que o Magistrado somente se limitou a transcrever trechos dos depoimentos testemunhais, sem dizer de onde tirou a conclusão sobre a sua culpa.
Sem razão o apelante.
Da leitura da r. decisão combatida, observa- se que, de fato, o d. Magistrado transcreveu excertos dos relatos da vítima, de testemunhas, de informantes e também do acusado (cf. fls. 198/199). Todavia, assim o fez com o intuito de analisar as provas produzidas, sendo que, logo em seguida, expôs sua fundamentação, qual seja:
"Portanto, a análise da prova permite concluir que o acusado na condição de advogado, fez o acompanhamento da vítima na delegacia de polícia por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante e obteve autorização para ficar com seus documentos pessoais com o fito de ingressar com Pedido de Liberdade Provisória (RG - CNH e CPF).
No entanto, extrai-se dos autos que não houve acerto no tocante aos honorários advocatícios e a ofendida e seus familiares passaram a procurar o acusado para que fizesse a restituição dos documentos públicos que estavam em seu poder.
A vítima e as testemunhas procuraram o acusado, que se recusava a efetuar a restituição dos documentos mencionados (RG - CNH e CPF), tanto é que somente depois da instauração de inquérito policial foram apresentados e restituídos (Fls.16/17).
A prova é robusta no sentido de que o acusado visava com seu comportamento à satisfação do pagamento de honorários advocatícios e prejudicar a então cliente que sofreu prejuízos com a perda de oportunidade de emprego e ter ficado dois meses sem receber os benefícios do programa bolsa família (Fls. 114).
Por outro lado, existe comprovação nos autos de que o acusado também estava na posse do cartão cidadão que foi entregue pelo acusado para a pessoa de S.C.A. (Fls. 115 e 168), tornando clara a intenção de não restituir os demais documentos públicos pertencentes à vítima A.G.S..
Para caracterização do tipo injusto previsto no artigo 305 do Código Penal, exige-se o dolo específico e o elemento subjetivo relativo ao especial fim de agir: finalidade de benefício próprio ou de outrem ou de prejuízo alheio.
Conforme Julio Fabbrine Mirabete comete o crime quem ocultar, esconder ou tirar da disponibilidade de outrem o documento, colocando-o em local onde não possa ser encontrado ou reconhecido. Não faz a lei nenhuma diferença quanto à forma com que o agente obtém a posse do documento, se lícita. Há crime de ocultação quando o agente sonega o documento que tinha o dever jurídico de apresentar (Código Penal Interpretado - 5ª Edição - pág. 2271)" (fl. 200).
Diante disso, ainda que a conclusão do d. Magistrado não tenha sido aquela esperada pelo réu/apelante, não se pode dizer que faltou fundamentação na decisão.
Pelo que se vê, o Juiz motivou seu convencimento nas provas carreadas aos autos, dispondo expressamente sua conclusão. A motivação, nesse caso, foi sucinta, mas suficiente para demonstrar em que se baseou o entendimento do Julgador.
Sobre a motivação das decisões judiciais, veja-se o que diz a doutrina:
"Na motivação o juiz analisa os motivos de fato, ou seja, os fundamentos fáticos em que se embasa a pretensão deduzida, valora as circunstâncias e as provas existentes nos autos de processo, os motivos de direito, isto é, as regras de direito aplicáveis ao caso e indica os artigos de lei arrolados" (HAMMERSCHMIDT, Denise. Sentença Penal. in: Direito Processual Penal: parte 1. PRADO, Luiz Regis (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 288).
Da leitura da decisão de fls. 197/202, infere-se que o Magistrado cumpriu os requisitos essenciais da sentença, quais sejam: relatório, fundamentação e dispositivo (art. 458 do CPC);1 e, em se tratando de sentença penal, foi observado também o art. 381 do CPP, que dispõe, in verbis:
"Art. 381. A sentença conterá: I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da acusação e da defesa; III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; V - o dispositivo; VI - a data e a assinatura do juiz".
Realce-se que a fundamentação sucinta não pode ser confundida com ausência de fundamentação.
Nesse sentido:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PEDIDO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE MOTIVAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCISA E SUCINTA. AUTORIA E MATERIALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CRIME CONTINUADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA CORRIGIR ERRO MATERIAL NO CÁLCULO DA PENA. 1. A sentença não violou o princípio da motivação, pois apesar de concisa e breve fundamentação, a condenação restou suficientemente embasada nas provas dos autos, produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Não se deve confundir ausência de fundamentação com mera deficiência". (TJDFT. 2ª Turma Criminal. Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS. Apelação nº 20090710287323APR. Julgado em 29/07/2010. DJ 13/08/2010 p. 429. Unânime) [grifou-se].
Ainda, e para que não se alegue omissão, em que pese a extensa argumentação do recorrente no sentido de que sofreu perseguição por parte da Promotora de Justiça Nadir Emília de Melo, razão pela qual respondeu a vários processos, e que "apenas por analisar a certidão onde constam processos que existiram contra o peticionário e que foram arquivados, o Magistrado prolator da decisão recorrida entendeu por bem condená-lo" (fl. 209), tal alegação não se mostrou evidenciada nos autos, sendo a condenação embasada nas provas produzidas durante a instrução criminal.
Desse modo, inacolhe-se a tese de nulidade da sentença por falta de fundamentação legal.
B)-DO MÉRITO:
O recorrente foi condenado pela prática do crime de supressão de documento público (art. 305 do CP), por ter retido/ocultado os documentos de RG, CNH e CPF da vítima, condicionando a entrega ao pagamento de honorários advocatícios.
Em sua defesa, J.C.F. nega os fatos, argumentando que prestou serviços advocatícios à suposta vítima, mas não reteve seus documentos, tanto que, quando tomou conhecimento da instauração do inquérito policial, imediatamente exibiu os documentos na Delegacia de Polícia.
Aduziu, ainda, que os documentos somente não tinham sido entregues antes porque a suposta vítima não foi até seu escritório para buscá-los - para não pagar o que lhe devia; no entanto, a entrega nunca foi vinculada ao pagamento dos honorários.
Ao ser ouvida em Juízo, a vítima A.G.S. declarou:
"Que (...) afirma que foi presa no dia 04.05.2007 e não tinha advogado sendo orientada pelo escrivão de que necessitava contratar um advogado para defender seus interesses; que o acusado J.C.F. estava na delegacia e conversou com a declarante para cuidar do caso; que o acusado pediu os documentos da declarante para fazer xerox mas quando foi para contratar o serviço entendeu que o valor da taxa era muito elevado dizendo que seu marido procuraria um advogado para fazer o trabalho mais barato; que o acusado se recusou a devolver os documentos da declarante dizendo que não trabalharia de graça pedindo o pagamento de R$ 150,00 ou R$ 300,00 que a declarante considerou elevado porque ele não perdeu mais do que trinta minutos no acompanhamento; que por diversas vezes o acusado foi procurado para fazer a devolução dos documentos mas se recusou; que a declarante ficou presa cerca de 04 meses e quando foi colocada em liberdade procurou o acusado que continuou negando a devolução dos documentos; que o acusado disse que a declarante deveria procurar seus direitos motivo pelo qual registrou queixa na delegacia de polícia; que os documentos foram entregues na delegacia de polícia e restituídos à declarante; que em razão da falta dos documentos a declarante perdeu uma oportunidade de emprego na empresa Mister Frango, bem como ficou dois meses sem receber os benefícios do bolsa família; que não efetuou nenhum pagamento para J.C.F.; que somente na delegacia de polícia conversou com o acusado acerca da contratação para a defesa de seus interesses; que não se recorda do acompanhamento do acusado na lavratura do auto de prisão em flagrante conforme fls. 21/22 dos autos; que na época o sobrinho da declarante chamado C.A.A. também foi preso em flagrante; que não sabe se o acusado participou da defesa de C.A.A.; que a declarante chegou a procurar o acusado em Paraíso do Norte onde ele mantém o escritório de advocacia; que o acusado sempre dizia que enquanto não fosse pago o valor de R$ 150,00 ou R$ 300,00 não faria devolução dos documentos; que a declarante possuía Carteira de Trabalho mas a empresa exigiu RG e CPF; que o cartão de bolsa família foi bloqueado e para a regularização necessitava de documentos dentre os quais RG e CPF; que Silvana é sobrinha da declarante não sabendo se ela recebeu das mãos do acusado o cartão do bolsa família; que em nenhuma oportunidade o acusado pediu autorização escrita para entrega de documentos à sobrinha Silvana; que esteve no escritório do acusado mas não conversou pessoalmente porque ele se escondeu; que não sabe se foi atendida pela esposa ou pela secretária no escritório mas ele não apareceu tendo permanecido no local o dia todo; que o acusado nunca disse que devolveria os documentos em (sic) que fosse feito o pagamento, sendo que tais conversas eram por telefone; que até então não sabia que o escritório do acusado ficava na cidade de Paraíso do Norte; que não conhece nenhuma pessoa identificada como Paulo Sérgio ou `Serginho da Pontal' 16 e nem a pessoa identificada como Rogério Gonçalves" (fls. 114/114 verso).
A testemunha S.C.A., perante o Juiz, esclareceu o seguinte:
"Que depois da prisão de A. a depoente ficou cuidando de seus filhos tendo procurado o acusado duas vezes em Paraíso do Norte e uma vez em Paranavaí para receber os documentos que estavam em seu poder e que pertenciam a A.G.S.; que a depoente perdeu várias viagens e nunca teve contato pessoal com o acusado; que conversou com o acusado por telefone sendo que ele marcava os locais para a entrega do documento mas não conseguia localizá-lo; que A.G.S. queria dos documentos em razão da necessidade do cartão cidadão das crianças; que a depoente confirma que recebeu apenas a carteira e o cartão cidadão das mãos da secretária do acusado em Paraíso do Norte; que a partir daí A.G.S. correu atrás dos documentos que necessitava para arrumar um serviço; que não sabe se o acusado prestou algum serviço profissional para A.G.S.; que tomou conhecimento que os documentos foram entregues na delegacia e recuperados por A.G.S.; que a secretária não pediu autorização por escrito porque a depoente se identificou como sobrinha de Dona A.G.S. não fazendo nenhuma menção do porque não entregou os documentos" (fl. 115).
O Sr. HELIO WANDERLEY ARAÚJO, Escrivão de Polícia, afirmou:
"Que o depoente é escrivão de polícia e Dona A.G.S. foi presa em flagrante, solicitando seus documentos para fazer xerox e anexá-los aos autos; que o depoente fez as cópias e quando lhe faria a devolução e a encaminharia para o setor de carceragem o advogado J.C.F. que estava em sua companhia disse que precisava dos documentos para elaborar uma procuração e postular a liberdade provisória; que naquela oportunidade Dona A.G.S. autorizou o depoente a fazer a entrega dos documentos para o acusado sendo encaminhada ao setor de carceragem; que tem conhecimento que o acusado acompanhou a lavratura do auto de prisão em flagrante; que nada sabe sobre eventual contrato celebrado entre o acusado e a presa; que posteriormente sobre que Dona A.G.S. tinha denunciado a retenção de documentos por parte do acusado; que não se recorda que o acusado já estava na delegacia ou sua presença foi solicitada no local; que o acusado também acompanhou C.A.A. que tinha vínculos de parentesco com A.G.S.; que tem conhecimento que o acusado tinha escritório de advocacia na cidade de Paraíso do Norte; que não se recorda de ter o acusado recebido um telefone do marido de A.G.S. conhecido como `marrom' por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante; que não se recorda se A.G.S. chegou a mencionar que depois do uso os documentos deveriam ser entregues ao marido; que não lembra se o acusado esteve depois posteriormente na delegacia para pegar cópias do APF" (fl. 116).
O testigo EDIVALDO DE ARAÚJO relatou:
"Que na época do fato a esposa do depoente e um sobrinho foram presos oportunidade em que estava trabalhando; que recebeu um telefone dizendo que tinha um advogado que estava lá acompanhando o caso; que a esposa disse que tinha dispensado o serviço do advogado porque ele pediu um valor muito alto que não teriam condições de pagar; que o advogado ficou com os documentos pessoais da esposa tomando conhecimento que se tratava de J.C.F. com escritório em Paraíso do Norte; que o depoente afirma ter se deslocado cinco vezes até Paraíso do Norte para buscar o documento mas nunca encontrou o acusado no local; que a esposa disse que o acusado não entregava os documentos porque queria receber R$ 150,00 pelo serviço mas que ele praticamente não fez nada; que foi o escrivão que disse ter feito a entrega dos documentos para o acusado; que o depoente não conhecia o acusado e não sabe se alguém o teria chamado para prestar atendimento em favor da esposa e do sobrinho; que tem conhecimento que uma parte foi entregue para a sobrinha consistente num cartão do cidadão e a carteira sendo que os documentos pessoais somente foram entregues na delegacia de polícia; que a esposa do depoente teve problemas para retirar dinheiro do bolsa família bem como com a expectativa de trabalho na Avícola Felipe; que o depoente não esteve na delegacia de polícia no dia da lavratura do flagrante; que quando soube da prisão estava trabalhando com caminhão na Usina Santa Terezinha de Terra Rica; que no dia do fato não teve contato com as pessoas de Serginho e Rogério Gonçalves mas que conhece tais pessoas `meio de longe'; que o escritório do acusado ficava entrando no primeiro trevo a esquerda numa quadra próximo a um posto de gasolina perto da esquina mas se voltar no local poderá identificá-lo porque lá esteve por cinco vezes; que não foi possível retirar o dinheiro unicamente com o cartão cidadão porque estava bloqueado porque houve demora na primeira retirada do benefício; que acredita que o acusado não segurou os documentos por maldade mas a verdade é que sempre que procurado ele nunca se encontrava" (fl. 117).
A Sra. D.A.S. (esposa do acusado), ouvida como informante, assim declarou:
"recordo que J.C.F. recebeu ligações no dia dos fatos pedindo que fosse até Paranavaí-PR acompanhar a lavratura do auto de prisão contra umas pessoas acusadas de tráfico de drogas; o J.C.F. saiu de casa por volta das 19:00 horas e voltou às 03:00 horas da madrugada; segundo J.C.F., ele trouxe documentos de uma mulher que estava presa para fazer a defesa dela; no dia seguinte o marido daquela mulher telefonou dizendo que não queria mais o serviço do J.C.F.; então ele disse que os documentos estavam à disposição para que viessem retirá-los; segundo o J.C.F., o marido da mulher telefonou outras vezes pedindo o documento, sendo que meu marido informava que estavam à disposição e que bastava que viessem buscá-los; o J.C.F. também me falou que chegou a combinar um local em Paranavaí-PR para entregar os documentos, mas o marido da mulher ou qualquer outra pessoa não compareciam no local para pegar os documentos; o marido da mulher que ficou presa atendia pelo apelido de `Marron'; presenciei umas três ligações em que meu marido e esse tal `Marron' tratavam da devolução dos documentos, oportunidade em que meu marido colocava os documentos à disposição para que viessem buscá-los" (fl. 142).
Por fim, em seu segundo interrogatório judicial, e confirmando o que já havia dito na primeira vez em que foi ouvido (fls. 77/78), relatou J.C.F.:
"Que o interrogado confirma que ficou com os documentos de A.G.S. por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante; quem A.G.S. disse que posteriormente os documentos seriam retirados pelo seu marido conhecido por `Marrom'; que no entanto tal pessoa nunca esteve no escritório em Paraíso do Norte para pegar os documentos; que afirma que uma pessoa identificada como Silvana esteve no escritório mas não houve entrega dos documentos porque era desconhecida e não havia nenhuma autorização por parte da cliente; que em outra oportunidade Silvana retornou ao escritório dizendo que havia uma criança doente e em razão de tal informação acabou entregando o cartão cidadão ou bolsa família recomendando que ela obtivesse uma autorização por escrito para receber os documentos de A.G.S.; que afirma que em nenhum momento condicionou a entrega dos documentos ao pagamento dos honorários advocatícios cujo valor era de trezentos reais proveniente do acompanhamento na lavratura do auto de prisão em flagrante de A.G.S. e de um sobrinho acusados de tráfico de entorpecentes; que afirma que saiu de Paraíso do Norte para atender a cliente e permaneceu na delegacia das 19:00 até 02:00 horas quando foi finalizada a lavratura do auto; que acredita que foi acusado da prática do fato porque A.G.S. achou que se procurasse diretamente o interrogado não receberia os documentos sem ter que fazer o pagamento dos honorários contratados mas que somente soube da situação quando foi surpreendido com uma intimação da delegacia acerca dos fatos; que afirma não ter recebido nenhum valor do trabalho efetuado na delegacia de polícia; que o interrogado afirma que fez o atendimento de A.G.S. porque recebeu telefonemas das pessoas identificadas com o `Marrom', Rogério e Paulo Sérgio para acompanhasse a diligência; que o flagrante foi lavrado numa sexta feira e no sábado recebeu uma ligação de `Marrom' perguntado quanto cobraria para ingressar com o pedido de liberdade provisória tendo solicitado oito mil reais que ele disse que não poderia pagar mas que faria o pagamento de trezentos reais referente ao acompanhamento da delegacia de polícia; que é casado, tem três filhas, que já foi processado mas nunca foi condenado" (fls. 168/168 verso).
Dos relatos acima transcritos conclui-se que, de fato, o recorrente esteve na Delegacia de Polícia e acompanhou o interrogatório da vítima, informação confirmada às fls. 21/24 (termos de interrogatório de A.G.S. e de C.A.A., nos quais consta o nome e a assinatura do advogado).
Há controvérsias sobre o recorrente ter sido chamado por alguém da família, ou se já estava no local e se ofereceu para acompanhar os conduzidos. O apelante afirma que recebeu um telefonema do marido da vítima, porém, tal alegação não foi confirmada pela vítima e por seu esposo.
No entanto, não há dúvidas que a SRA. A. autorizou o escrivão a fornecer os seus documentos para o SR. J.C..
Porém, no dia seguinte aos fatos, em contato telefônico feito pelo marido da vítima (E.), não houve acordo quanto ao valor a ser cobrado para que o apelante atuasse na defesa de A.A, de modo que E. informou ter contratado outro advogado, perguntando quanto seria cobrado pelo fato de J.C.F. ter estado na Delegacia e acompanhado o interrogatório de sua esposa, momento em que o recorrente cobrou o valor de R$300,00 (trezentos reais).
Pelo que se extrai dos depoimentos, o montante seria pago no momento em que o marido de A. fosse até o escritório para buscar os documentos que se encontravam em poder do advogado.
Entretanto, todas as vezes em que A., seu marido ou sua sobrinha estiveram no escritório, não conseguiram encontrar J.C.F., bem como não conseguiram reaver os documentos.
A vítima afirma que, nos contatos telefônicos que teve com o recorrente, este condicionou a entrega dos documentos ao pagamento do valor devido.
Não obstante J.C. negue que condicionou a entrega dos documentos ao pagamento dos honorários, não é essa a conclusão a que se chega a partir dos relatos feitos ao Juiz.
Em seu depoimento, A. disse que "ficou presa cerca de 04 meses e quando foi colocada em liberdade procurou o acusado que continuou negando a devolução dos documentos".
J.C., ao prestar declarações na Delegacia, afirmou que "em certa data, A. telefonou falando que tinha sido solta da cadeia e precisava dos documentos, informando a ela que ela (sic) estavam à disposição e pediu que a mesma aproveitasse a viagem e levasse os R$ 300,00 devidos, porém ela nunca compareceu..." (fl. 19).
Outrossim, em seu primeiro interrogatório judicial, declarou o acusado que "passado muito tempo a vítima foi solta e em seguida telefonou para o interrogado, o qual confirmou que estava na posse dos documentos pessoais dela, dizendo que estavam à sua disposição para que buscasse, acrescentando que era para a vítima aproveitar a viagem e trazer os trezentos reais que ela devia pelos serviços já prestados" (fls. 77/78) [grifou-se].
Por outro lado, em que pese o recorrente alegue não ter vinculado a entrega ao pagamento de seus honorários, dos relatos acima transcritos, observa-se que houve, sim, um condicionamento.
Se o advogado diz que é para A. ir buscar seus documentos e aproveitar para trazer o dinheiro que lhe é devido, naturalmente, se A. não tem o dinheiro ou pensa que não deve aquele valor, ela não vai buscar os documentos, porque entende que a entrega está condicionada ao pagamento.
Ao contrário do alegado pela defesa, tal conclusão não é nada absurda, e, de um cotejo das demais provas, vê- se que é até lógica.
A esposa do recorrente afirmou ter presenciado várias ligações entre J.C. e o marido da vítima, nas quais o advogado deixava os documentos à disposição do SR. E.
Todavia, E. relatou que esteve por cinco vezes no escritório do advogado, e ele nunca estava lá.
O recorrente alegou que não entregou os documentos para S., sobrinha da vítima, porque não a conhecia, mas que se ela trouxesse uma autorização de A. ou do esposo dela (E.), ou até mesmo se .A desse um telefonema autorizando (fl. 217), ele devolveria os documentos.
Ora, E. era o marido de A., e J.C. sabia disso, já que, como sua própria esposa D. falou, conversaram várias vezes ao telefone, ocasiões em que o advogado disse ter colocado os documentos à disposição.
Então, por que, nas vezes em que E. esteve no escritório, os documentos não lhe foram entregues?
Observe-se que os documentos ficaram na posse do recorrente por 9 (nove) meses (desde a prisão de A., em 04/05/07, até a entrega na Delegacia, em 18/02/08 - fl. 16).
Durante esse tempo, por várias vezes, a vítima e seus familiares tentaram reaver os documentos, porém, sem sucesso.
O apelante alega ser "evidente que o peticionário foi entregar os documentos somente após a abertura de inquérito policial, pois se não tinha conhecimento sequer que A. havia saído da cadeia, e que havia feito a citada armação, não poderia o mesmo ter agido de outra forma. Caso ao menos o apelante tivesse conhecimento que A. estava atrás de seus documentos, jamais o apelante teria esperado instaurar inquérito policial para exibi-los na Delegacia de Polícia" (fl. 218).
Entretanto, como já transcrito neste acórdão, por duas vezes o recorrente afirmou que, ao sair da prisão, A. entrou em contato com ele, requerendo os documentos, ocasião em que os colocou à disposição, "acrescentando que era para a vítima aproveitar a viagem e trazer os trezentos reais que ela devia pelos serviços já prestados" (fl. 77).
Resta claro que a intenção de J.C.F. era a de receber seus honorários, e que ocultou os documentos com essa finalidade, consumando-se o crime do art. 305 do CP:
"Art. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular".
Destaque-se que a ocultação2 dos documentos, nesse caso, trouxe prejuízo à vítima, que perdeu uma oportunidade de emprego porque não os portava. Além disso, apesar de o cartão do "bolsa família" ter sido devolvido à sobrinha da vítima após insistentes pedidos, não foi possível efetuar o saque, pois, diante da demora para a primeira retirada do benefício, o cartão foi bloqueado, e só podia ser desbloqueado com a apresentação, inclusive, do RG e do CPF.
Importante ressaltar que a apresentação dos documentos na Delegacia antes do recebimento da denúncia não torna a inicial sem objeto, pois não existe qualquer previsão legal nesse sentido.
Ainda, o fato de não ter sido instaurada representação disciplinar na OAB/PR em razão da devolução dos documentos antes da protocolização da representação, não significa que o recorrente não deva responder penalmente pelo fato, pois a esfera administrativa e a penal são independentes.
A prova testemunhal produzida durante a instrução, em comparação com as declarações inquisitoriais, aponta para a prática da conduta imputada ao apelante, não havendo que se falar em absolvição por insuficiência de provas ou in dubio pro reo.
Por fim, no tocante à dosimetria, observa- se que ao réu foi aplicada a pena mínima, a qual foi substituída por duas restritivas de direitos, inexistindo qualquer reparo a ser feito nesse ponto.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de fls. 197/202 na sua íntegra.
III.
Ante o dito, ACORDAM os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Determinou o Colegiado, outrossim, a remessa das razões recursais e deste acórdão à Excelentíssima.
Promotora de Justiça Nadir Emília de Melo, para ciência.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador VALTER RESSEL, sem voto, e dele participaram os Excelentíssimos Magistrados: Juiz Substituto em Segundo Grau, NAOR R. DE MACEDO NETO, revisor, e Desembargadora LÍDIA MAEJIMA.
Curitiba, 15 de dezembro de 2011.
José Maurício Pinto de Almeida Relator
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1 "Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem".
2 "Ocultar significa esconder, encobrir, de modo que o documento permanece intacto, mas inacessível pelas demais pessoas, que não conhecem o seu paradeiro" (GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 2. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2009. p. 722).