Em defesa da advocacia
Leia o artigo de Rubens Approbato e a repercussão do mesmo
Da Redação
quinta-feira, 10 de abril de 2003
Atualizado em 7 de abril de 2003 11:03
Em defesa da advocacia
Veja abaixo o artigo "Em defesa da advocacia", de autoria do presidente da OAB, Rubens Approbato Machado, publicado na Folha de S. Paulo e como o artigo foi repercutido.
"O clamor nacional por um combate mais efetivo ao crime organizado e a cobertura jornalística envolvendo Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, estão a merecer um posicionamento público para dirimir dúvidas sobre a missão do advogado e repor alguns conceitos que são interpretados de forma enviesada até por grupos formadores de opinião.
De início, lembremos: em um verdadeiro Estado de Direito, todo acusado tem direito à defesa, independente da gravidade do delito ou da repercussão do fato. A decisão judicial, para ser justa, passa necessariamente pelo devido processo legal, em que a amplitude de defesa é apanágio dos povos civilizados. Não se pode nem se deve confundir a figura do acusado com a de seu defensor. O advogado não defende o pecado, mas aquele tido como pecador.
A Constituição garante aos cidadãos o direito à ampla defesa (art. 5, inciso LV). Ao advogado compete a missão de assegurar o pleno exercício desse direito constitucional, ligado indissoluvelmente à cidadania. E, para cumprir fielmente a missão, o advogado se ampara nos pressupostos da lei, dentre os quais o dever de resguardar o sigilo profissional. A propósito da polêmica sobre as revistas feitas por ocasião das visitas a presos, há de esclarecer que os advogados não se negam a passar pelo detector de metais, sendo essa precaução aceita pela OAB, em defesa da sociedade, e que deve ser adotada não só em relação ao advogado, mas a todos os que trabalham na administração da Justiça.
De outro lado, para ser cumprida a lei, sem resvalar na prática ilegítima e ilegal de "revista" do advogado, propõe-se que tal revista seja feita no preso, quando for à entrevista com seu defensor. Ao término da entrevista, deve ser novamente revistado.
Quanto à remuneração, urge deixar as coisas bem claras. A advocacia, ainda que não seja uma atividade mercantilista, não tem caráter filantrópico ou de gratuidade. O profissional, por seu trabalho, há de ser remunerado. Além dos pressupostos legais e regulamentares, com a edição de Tabela de Honorários pela OAB, o código de ética determina a moderação na contratação dos honorários, não permitindo que o advogado se associe ao cliente. Como qualquer trabalhador ou profissional, o advogado há de receber remuneração pelo trabalho desenvolvido. Nunca se soube, na história das profissões, do caso, por exemplo, de um médico cirurgião perguntar a seu paciente sobre a origem do dinheiro que iria remunerá-lo.
É certo, contudo, que não se pode permitir ao profissional se acumpliciar com o cliente para a prática criminosa ou dela se beneficiar indevidamente. Os trabalhadores em geral e os profissionais não perguntam a seus patrões ou clientes de onde vem o dinheiro que os remunera. Se esta fosse condição para o exercício profissional, todas as pessoas eventualmente acusadas de crime, não só de tráfico de drogas, mas de corrupção ou sonegação, deveriam declinar a origem de seus recursos.
A lógica da vida impõe que o trabalho do profissional, sendo honesto, merece e deve ser remunerado. Cabe às autoridades fazendárias, policiais, ao Ministério Público buscar saber a origem dos recursos daqueles a quem imputam prática deliquencial. Ao cobrar honorários, o advogado não está, de forma nenhuma, compactuando com os atos criminosos atribuídos ao cliente. Interpretação diferente só pode ser levada à conta de maléfica emoção ou de demagógica interpretação provinda de pessoas despreparadas ou mal-intencionadas.
É claro que a OAB está atenta para desvios e atitudes de advogados que não se coadunam com a postura ética. Como artífice da defesa e da realização de direitos fundamentais dos cidadãos, sendo o primeiro formador de opinião, o primeiro formador de jurisprudência e da ação da Justiça, o advogado há de se impregnar de duas vertentes da advocacia: a diceologia e a deontologia. Uma voltada à defesa das prerrogativas profissionais, outra ao rígido cumprimento da ética.
Aos direitos dos advogados, soma-se a necessária conduta ética, cujo balizamento imprime dignidade à classe. Desvios nesse campo são punidos com rigor. A OAB, nesse ponto, não é e nunca foi corporativista. Obediente ao preceito constitucional do devido processo legal, a OAB pune com rigor os transgressores de normas éticas. Para ter uma pálida idéia desse rigor, basta dizer que a OAB-SP, neste ano, já comunicou a suspensão de 43 advogados e a exclusão de três. Nos anos de 2001 e 2002, a mesma seccional propôs a aplicação da 1.007 penas de suspensão e de 71 de exclusão, além de 806 de advertência e censura.
Nesse momento de conturbação, agravado pelo assassinato bárbaro de dois juízes e pela morte de inocentes, não há por que deixar de se pautar pelo equilíbrio e racionalidade. A advocacia só se legitima em seu exercício, quando trilha pelos caminhos da independência e da liberdade. Não pode a advocacia sofrer restrição, ofensa, agravo.
Preocupa a OAB a constatação de que, em setores da sociedade e até dentro do próprio meio jurídico, alguns defendem soluções extravagantes e emotivas, inclusive execuções sumárias, pena de morte, "esquadrões da morte", mais crueldade nas prisões. Essa "psicose coletiva da violência" poderá se transformar em cegueira capaz de ofuscar os caminhos civilizados do nosso próprio destino. Quem defende o conceito de que bandido bom é bandido morto está tendo o mesmo comportamento do assassino. Pretende-se, com isto, transferir a execução das mãos do bandido para as mãos do Estado. No fundo, é o mesmo ato. É aplicação da lei de talião; é a volta à barbárie, um golpe frontal contra as instituições democráticas.
Não há dúvida de que o crime organizado precisa ser combatido, com força, pertinácia, de maneira mais eficaz pelo Estado, que não pode se acovardar. A punição há de ser severa, mas com justiça. Para tanto, precisamos criar um cinturão de solidez em torno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, particularmente deste último.
Um Judiciário claudicante, frágil, desestruturado, apático, inerte é um Poder sem poder, uma fenda no Estado de Direito. O combate ao crime organizado começa pelo fortalecimento do Judiciário, e não com um orçamento público já muito pequeno, do qual se pretende retirar parcela de valores indispensáveis ao bom funcionamento da Justiça."
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Foi animador contemplar o bisturi da respeitável OAB lancetando tumores tão antigos, históricos. Com um presidente assim, deduziram homens de bem, a entidade talvez estivesse pronta para rever o código ético que rege o exercício de profissão tão relevante. Porque algo havia a ser feito, como sugeria o desempenho atrevido dos bacharéis a serviço dos fiscais ladrões do Rio.
Não há limites para o trabalho do advogado?, perguntou-se quem viu em ação esse elenco de canastrões. Pode, por exemplo, mentir para defender um cliente? Se o suspeito lhe confessa, particularmente, ter cometido o crime de que é acusado, faz sentido permitir-se ao advogado ocultar a verdade, como um padre mantém sob sigilo segredos colhidos no confessionário? Pode o advogado simular que desconhece provas ou evidências prejudiciais à defesa?
Confrontado com tais interrogações, o presidente da OAB preferiu desconversar. Sim, admitiu Machado, certas questões éticas precisam ser reexaminadas, outras pedem atualização. Mas a voz de Machado, desta vez, nem roçou os habituais decibéis da indignação: pelo tom, as coisas vão bem no universo que lhe cabe liderar. Ou o presidente anda precisando de óculos para enxergar de perto ou só acha o corporativismo condenável quando essa praga acomete outras categorias.
Para azar de Machado, irrompeu no meio do filme, pronta para roubar o papel principal, uma personagem da pesada: Cecília Machado. (nenhum parentesco), integrante do grupo de 17 bacharéis a serviço do delinqüente Luiz Fernando da Costa, dito Fernandinho Beira-Mar. A advogada informou ao JB, quase com candura, que é paga ''pelo dinheiro do narcotráfico''. O repórter Hugo Marques insistiu no assunto. Cecília pareceu espantada: ''E de onde você achava que poderia vir o dinheiro'', indagou?
Mais perguntas óbvias ocorreram a cabeças sensatas. É correto receber honorários sabidamente originários de atividades criminosas? Quem trabalha regularmente para uma quadrilha não deve ser considerado, no mínimo, cúmplice dos meliantes? Além de estimular interrogações do gênero, Cecília atestou, com seu desempenho, o desembaraço dos bacharéis incorporados à tropa recrutada pelos comandantes do crime organizado. E Rubens Approbato Machado afinal se dispôs a tratar do assunto com menos ligeireza.
Na segunda-feira passada, a Folha de S. Paulo publicou um artigo do presidente da OAB. O texto dificilmente passaria pelo crivo de um Provão. A errática procissão de parágrafos começa com obviedades tão antigas quanto a primeira toga (''todo acusado tem direito à defesa''). Lembra que médicos não perguntam pela origem do cheque. (Nem dão entrevistas dizendo que são empregados de latrocidas). E tergiversa a cada cinco linhas. ''Quem defende o conceito de que bandido bom é bandido morto está tendo o mesmo comportamento do assassino'', diz Machado. Os partidários da luta contra o crime organizado não defendem a adoção da pena de morte. Só querem que sejam punidos, em cadeias de verdade, os bandidos que instituíram e vêm aplicando, eles sim, a pena capital. Há semanas, condenaram à morte dois juízes de direito e cuidaram de executá-los.
Aos matadores desses homens da lei não faltarão advogados, dispostos a trabalhar em tempo integral e com muita dedicação. As quadrilhas pagam bem.
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