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Decisão

Legítima defesa putativa: absolvido PM que matou morador

O juiz de Direito Murilo André Kieling Cardona Pereira, da 3ª vara Criminal do RJ, absolveu sumariamente o policial militar Leonardo Albarello que, após confundir uma furadeira manual com uma arma de fogo, atirou contra o morador Hélio Barreira Ribeiro, causando a sua morte. O fato ocorreu durante operação policial realizada pelo Bope - Batalhão de Operações Especiais no Morro do Andaraí, em maio de 2010.

Da Redação

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Atualizado às 08:35

Decisão

Legítima defesa putativa: absolvido PM que matou morador

O juiz de Direito Murilo André Kieling Cardona Pereira, da 3ª vara Criminal do RJ, absolveu sumariamente o policial militar Leonardo Albarello que, após confundir uma furadeira manual com uma arma de fogo, atirou contra o morador Hélio Barreira Ribeiro, causando a sua morte. O fato ocorreu durante operação policial realizada pelo Bope - Batalhão de Operações Especiais no Morro do Andaraí, em maio de 2010.

No momento da operação policial, Hélio estava no terraço de sua casa, executando serviço de fixação de uma lona na fachada do terraço com o emprego de uma furadeira manual, quando foi avistado pelo policial militar, que se encontrava a uma distância de aproximadamente 30m do local. E ao confundir o objeto com uma arma de fogo, o PM atirou contra o morador, acarretando a sua morte.

De acordo com o magistrado, é possível identificar a incidência de uma descriminante putativa: "as circunstâncias conduziram o atuar do agente informado erroneamente sobre a realidade".

"Na retrospectiva histórica do fato, qualquer policial teria a mesma ação que o agente, nas mesmas circunstâncias em que este se encontrava. Em síntese, é isento de pena quem, por erro plenamente justificado, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima e não atípica, como sustenta a teoria dos elementos negativos do tipo", afirmou o juiz.

O PM foi representado pelos advogados Clovis Murillo Sahione de Araujo  e Yuri Saramago Sahione de Araujo Pugliese.

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Sentença

Descrição: Vistos, examinados etc.

Arquiteta o Ministério Público provocação da tutela jurisdicional do Estado através de ação penal pública incondicionada lastreada em pretérita persecução administrativa deflagrada através de Inquérito Policial, originário da 20ª Delegacia de Polícia, mediante denúncia, onde imputa ao acusado LEONARDO ALBARELLO, a prática dos seguintes fatos:

Na manhã do dia 19 de maio de 2010, na Rua Ferreira Pontes nº 688, casa 16, apartamento 201, Andaraí, nesta cidade, Helio Barreira Ribeiro foi morto pelo ora denunciado, o qual, agindo com animus necandi, de forma livre e consciente, efetuou contra ele disparo de arma de fogo, causando-lhe sua morte.

De acordo com os elementos coligidos, restou apurado que naquela oportunidade o denunciado participava de uma operação policial do BOPE que tinha por objetivo apurar informações obtidas através de disque denúncia, quanto não apenas à ocorrência de tráfico de drogas no local, mas também, quanto à presença de elementos ligados ao tráfico de outras comunidades.

Enquanto uma equipe policial militar entrava por uma das ruas (ou vilas) do Morro do Andaraí, o acusado e mais um colega de farda permaneceram em uma rua (ou vila) ao lado, com a tarefa de fazer o perímetro de segurança, ou seja, resguardar a integridade da equipe.

Na mesma, Helio Barreira Ribeiro estava no terraço de sua residência, no local suso informado, executando serviço de fixação de uma lona na fachada do terraço com o emprego de uma furadeira manual. Foi nesta oportunidade que o acusado o avistou, a aproximadamente 30 (trinta) metros de distância.

A distância foi determinada pelo laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (fls. 93). Deve ser ressaltado que a distância, a influência dos raios solares e a presença de vasos do tipo xaxim pendurados no terraço não permitiam que o acusado tivesse certeza na identificação do objeto que Helio segurava, consoante aponta o laudo de reprodução simulada acostado às fls. 91/108.

No entanto, o acusado, mesmo estando em dúvida sobre a situação que se apresentava, decidiu efetuar um disparo de arma de fogo com o objetivo de atingir o homem que avistava, assumindo assim o risco de atingir um inocente, homem trabalhador e pai de família, como de fato ocorreu.

O disparo de arma de fogo efetuado pelo acusado atingiu Helio lacerando-lhe o pulmão e o coração, acarretando sua morte, de acordo com o laudo de exame de necropsia juntado à fl. 41. Procedendo desta forma, sendo objetiva e subjetivamente típica a conduta descrita, está o denunciado incurso nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal. (Ipsis literis, com supressões decorrentes da síntese).

Recebida a denúncia (fls. 119) e satisfeito o ato citatório, o denunciado LEONARDO ALBARELLO deposita sua resposta, arrolando testemunhas, subscrita por advogado constituído (fls. 171/200).

Audiência de Instrução, com a oitiva de MARCELO COSTA LEMOS (fls. 229/230); REGINA CÉLIA CANELLAS RIBEIRO (fls. 231/232) e MARCELO COUTO SANCHES (fls. 233/234) testemunhas arroladas pelo Ministério Público, que na oportunidade, desistiu da oitiva das testemunhas remanescentes.

No interesse da defesa foram ouvidas as testemunhas BIANCA SANTANNA DE SOUZA CIRILO (fls. 235); GEORGE RULFF BENTO (fls. 236) e EDUARDO DE LIMA (fls. 237/238), testemunhas arroladas pela defesa, que mais adiante, desistiu das demais testemunhas, sendo homologado pelo Juiz (fls. 267).

Interrogatório do acusado LEONARDO ALBARELLO, pelo método audiovisual (fls. 268), oportunidade em que apresenta versão diversa da descrita na denúncia. Das peças técnicas e documentos relevantes: a) Auto de Apreensão 01 furadeira marca Bosch Super Hobby e 01 fuzil calibre 7,62, Parafal (fls. 22); b) Auto de Apreensão 01 munição CBC (cartucho) calibre 7,62 mm NATO (fls. 23); c) Laudo de Exame de Material 01 furadeira marca Bosch Super Hobby (fls. 57/59); d) Laudo de Exame em Local (fls.60/76); e) Laudo de Exame de Corpo de Delito NECROPSIA e Esquema de Lesões (fls. 77/80); f) Termo de Reconhecimento e Identificação de Cadáver (fls. 81/81vº); g) Laudo de Exame de Reprodução Simulada (fls. 91/108); h) Laudo de Exame do Serviço de Perícia em Arma de Fogo (fls. 121/122); i) Folha de Antecedentes Criminais do acusado (fls. 123/127); Alegações escritas das partes. Reclama o Ministério Público (fls. 271/276) pela absolvição sumária do imputado. A Defesa Técnica (fls. 278/306) comunga com a tese da absolvição sumária. Eis, em apertada síntese, o RELATÓRIO.

Examinados, passo a DECIDIR.

Vencida a instrução criminal, nada obsta ao imediato enfrentamento do judicium acusationis, pois ausente qualquer questão instrumental impeditiva. Caracteriza-se o procedimento do Júri, essencialmente, pela existência de duas fases distintas: o judicium acusationis e o judicium causae.

O marco divisor se dá pelo denominado exame de admissibilidade da acusação. A sentença declaratória incidental de pronúncia, portanto, como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado de suspeita, não o juízo de certeza que se exige para a condenação.

É a favor da sociedade que nela se resolvem as eventuais incertezas propiciadas pelas provas in dubio pro societate.

Preserva-se, pois, pelo próprio fumus boni iuris reclamado e demonstrado quando da provocação da tutela jurisdicional, não havendo a dissipação categórica dos indícios de autoria. In casu, vicejam do conteúdo probatório, ricas evidências da concretização dos fatos alinhados pela denúncia na vida de relação, estando bem delineada a questão afeta a materialidade, ganhando destaque o exame de necropsia (fls. 77/80).

Errar sobre o tipo é, simultaneamente, errar sobre a proibição do fato. Quem não tem a exata representação da realidade, tampouco terá idéia da dimensão jurídica do seu ato. O erro de tipo implica, também, um erro de proibição. No sentido oposto, isoedricamente, encontramos a mesma assertiva: quem erra sobre a proibição do fato erra, simultaneamente, sobre elemento do tipo, qual seja, a ilicitude do comportamento.

Eis, em sua essência a 'teoria dos elementos negativos do tipo'. Antes da reforma da parte geral do Código Penal Brasileiro de 1984, este assunto estava disposto no art. 17, § 1º e 2º do mesmo estatuto, e este estabelecia: Art. 17 - É isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que constitui, ou quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. § 1º - Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. § 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Para NELSON HUNGRIA, antes da reforma de 1984 do Código Penal, o erro de fato excluía o dolo, sendo o tema classificado, assim, dentro da teoria da culpabilidade. Vale a lembrança: Viciando o processo psicológico, o error facti cria representações ou motivos que determinam uma conduta diversa da que o agente teria seguido, se tivesse conhecido a realidade.

A sua relevância jurídico-penal assenta, num princípio central da teoria da culpabilidade: non rei veritas, sed reorum opinio inspicitur. A ignorantia facti, quando insuperável, acarreta uma atitude psíquica oposta à da culpabilidade, isto é, falta de consciência da injuridicidade (ausência de dolo) e da própria possibilidade de tal consciência (ausência de culpa).

Quando inexiste a consciência da injuridicidade (que, como já vimos, nada tem a ver com a obrigatória scientia legis), não é reconhecível o dolo, e desde que inexiste até mesmo a possibilidade de reconhecer a ilicitude da ação (ou omissão), encontra-se no domínio do caso fortuito. Não pode ser reconhecido culpado o agente, quando lhe era impossível cuidar que estava incorrendo no juízo de reprovação que informa o preceito incriminador. A temática era tratada com as denominações erro de fato e erro de direito.

O erro de fato, era o erro do agente que recaia sobre as características do fato típico ou sobre qualquer circunstância justificante, ou seja, erro sobre os fatos incriminadores, estando na situação estrutural ou circunstancial. Enquanto o erro de direito era o erro do agente que recaia sobre a obrigação de respeitar a norma por ignorância da antijuridicidade de sua conduta, ou seja, desconhecimento da ilicitude devido à ignorância perante conceitos jurídicos. Após a reforma passamos a uma nova dicção: erro de tipo e erro de proibição.

Na substancialidade penal pátria encontramos três modalidades de erro: erro de tipo, erro de proibição e erro de tipo permissivo, observando que o último, não recebe status de autonomia e acaba sendo absorvido pelo erro de proibição ou pelo erro de tipo, de acordo com a natureza da teoria da culpabilidade adotada: aos discípulos da teoria extrema da culpabilidade erro de proibição e aos seguidores da teoria limitada da culpabilidade o encontrará assentado no erro de tipo.

Pois bem. Reavivando o conjunto dos elementos sensitivos herdados pela instrução criminal e pelos sedimentos construídos ainda na fase de persecução penal administrativa, é possível identificar a incidência de uma descriminante putativa: as circunstâncias conduziram o atuar do agente informado erroneamente sobre a realidade. Apesar de sua larga experiência, acreditava, piamente, na licitude de sua conduta.

Naquelas circunstâncias, o acusado acreditava na figura de um homem empunhando uma arma de fogo e pronto para o confronto. A falsa percepção da realidade, a propósito, fora igualmente construída pelos paralelos personagens, pois o último diálogo entre o casal incidiu, exatamente, sobre essa possibilidade: algum policial poderia acreditar que ele, a vizinha vítima, estivesse empunhando uma arma de fogo.

Um pressentimento que não foi vencido pela percepção de linhas energéticas ou espirituais que se cruzam no espaço e se condensam em nosso mundo palpável e perecível. Não houve mão mais poderosa. O infausto não desejado. No erro de tipo inevitável é excluído o dolo e a culpa. Na retrospectiva histórica do fato, qualquer policial teria a mesma ação que o agente, nas mesmas circunstâncias em que este se encontrava.

Em síntese, é isento de pena quem, por erro plenamente justificado, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima e não atípica, como sustenta a teoria dos elementos negativos do tipo. Averbe-se que o erro não decorreu de uma circunstância isolada. Em verdade, foi motivado por um expressivo conjunto: o ínfimo espaço de tempo para reflexões; a pressão de uma operação policial, sob o dever específico de proteger seus companheiros; a razoável distância para o alvo e a forma da ferramenta empunhada similar a de uma arma de fogo.

Assim comunga o Ministério Público. Sendo a prova o meio objetivo pela qual o espírito humano se apodera da verdade, sua eficácia será tanto maior, quanto mais clara, mais plena e mais seguramente ela induzir no espírito a crença de estarmos de posse da verdade.

Para se conhecer, portanto, a eficácia da prova, é preciso conhecer como se refletiu a verdade no espírito humano, é preciso conhecer, assim, qual o estado ideológico, relativamente à coisa a ser verificada, que ela induziu no espírito com sua ação.

Sob tais fundamentos e após o exame de todos os elementos probatórios, JULGO IMPROCEDENTE o pedido acusatório para absolver sumariamente o acusado LEONARDO ALBARELLO com arrimo no artigo 415, IV do Código de Processo Penal.

Alcançada preclusão pro judicato, dê-se baixa e arquive-se.