É cabível exceção de pré-executividade para discutir valor de astreinte
A 3ª turma do STJ considerou possível o manejo de exceção de pré-executividade com objetivo de discutir matéria relativa ao valor da multa diária executada (astreinte).
Da Redação
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Atualizado às 08:02
Multa
É cabível exceção de pré-executividade para discutir valor de astreinte
A 3ª turma do STJ considerou possível o manejo de exceção de pré-executividade com objetivo de discutir matéria relativa ao valor da multa diária executada (astreinte). No caso analisado, o juízo de primeiro grau havia imposto multa diária de R$ 50 mil em favor do comprador de um imóvel, por suposto descumprimento de acordo pelo vendedor.
"Sendo possível ao magistrado a discricionariedade quanto à aplicação da astreinte, com maior razão poderá fazê-lo quando provocado pelas partes, ainda que em sede de exceção de pré-executividade", afirmou o ministro Massami Uyeda.
O relator ainda lembrou a jurisprudência pacífica do STJ segundo a qual a decisão que arbitra a astreinte não faz coisa julgada material. Ele esclareceu que é facultado ao magistrado impor a multa, de ofício ou a requerimento da parte, cabendo a ele, da mesma forma, a sua revogação nos casos em que se tornar desnecessária.
Inconformado com o alto valor da astreinte, o vendedor do imóvel havia recorrido ao TJ/MT, discutindo também a execução provisória da sentença, já que estava pendente de julgamento apelação interposta por terceiros. Por sua vez, o TJ/MT excluiu a multa, por considerar seu valor abusivo e por não constar dos autos da execução a prova da mora do executado.
"Se a multa fixada como astreinte pelo juízo singular é absurdamente exagerada e corresponde a um verdadeiro prêmio de loteria, o tribunal deve expurgar a penalidade, notadamente porque o processo é instrumento ético de garantias constitucionais, não podendo ser utilizado para o alcance de abusos ou para promover o enriquecimento ilícito", disse a decisão do TJ/MT.
A exceção de pré-executividade é um meio disponível à defesa do executado, cabível nas hipóteses de flagrante inexistência ou nulidade do título executivo, e nas hipóteses referentes à flagrante falta de pressupostos processuais ou condições da ação. Já a astreinte só tem cabimento quando houver deliberado descumprimento de ordem judicial.
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Processo relacionado: REsp 1019455
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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RelatorSuperior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.019.455 - MT (2007/0288196-5)
RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA
RECORRENTE : VILSON COVOLAN E OUTROS
ADVOGADOS : MARCO ANTÔNIO PIZZOLATO E OUTRO(S)
JOSÉ ANTÔNIO CARDINALLI
RECORRIDO : JERONIMO ROQUE STECCA E OUTRO
ADVOGADOS : MIGUEL ROMANO JUNIOR
MARCELO AUGUSTO EDAES S. RODRIGUESEMENTA
RECURSO ESPECIAL - ASTREINTE - APLICAÇÃO E REVOGAÇÃO -DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR - APRECIAÇÃO EM SEDE DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - POSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO.
1 - A decisão que arbitra a astreinte não faz coisa julgada material, pois ao magistrado é facultado impor essa coerção, de ofício ou a requerimento da parte, cabendo a ele, da mesma forma, a sua revogação nos casos em que a multa se tornar desnecessária.
2. É cabível exceção de pré-executividade com objetivo de discutir matéria atinente à astreinte.
3 - Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 18 de outubro de 2011(data do julgamento)
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por VILSON COVOLAN E OUTROS, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 183, 461, §6º, 473 e 644 do CPC e divergência jurisprudencial.
Os elementos existentes nos autos dão conta de que VILSON COVOLAN E OUTROS ajuizaram ação de execução de obrigação de fazer em desfavor de JERONIMO ROQUE STECCA E OUTRO sob o argumento de que eles não teriam cumprido o instrumento particular de cessão de direitos e compromisso de venda e compra de imóvel. Realizada audiência, as partes formalizaram termo de conciliação, na qual os adquirentes VILSON COVOLAN E OUTROS se comprometeram a efetuar os pagamentos e os vendedores JERONIMO ROQUE STECCA E OUTRO se comprometeram a fornecer uma carta de anuência do Sr. Gregório Roverio Maschieto e da Sra. Tânia Tonin Maschieto, proprietários das glebas de terras negociadas.
Homologada a conciliação por sentença (fls. 27/28), o Sr. Gregório Roverio Maschieto e Outro interpuseram apelação (fls. 31/41).
Descumprido o acordo, o Sr. VILSON COVOLAN E OUTROS propuseram execução provisória de sentença (fls.98/111), momento em que fora determinada satisfação da obrigação, sob pena multa diária no valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do parágrafo único do artigo 621 do CPC (fls. 244/245 e-STJ).
Citados (fl. 275 e-STJ), os executados ofereceram exceção de pré-executividade (fls. 278/297 e-STJ), que, por sua vez, fora rejeitada (fls. 584/586 e-STJ).
Contra essa decisão foi interposto agravo de instrumento, tendo o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso dado parcial provimento ao recurso, em acórdão assim ementado:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE REJEITADA - ALEGAÇÃO DA COBRANÇA DE ASTREINTE EXAGERADA - SUSTENTAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA MORA, DESCUMPRIMENTO DO PACTO PELA PARTE CREDORA, BEM COMO A IMPOSSIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA EXECUÇÃO DIANTE DA EXISTÊNCIA DE RECURSO DE APELAÇÃO MANEJADO POR TERCEIROS, ONDE HÁ PEDIDO DE NULIDADE DA AUDIÊNCIA ONDE FOI PROFERIDA A SENTENÇA - ALEGAÇÕES DEPENDENTES DA PRODUÇÃO DE PROVAS - VIA CORRETA DOS EMBARGOS - MULTA EXAGERADA - ART. 621 DO CPC - AGRAVO PROVIDO PARCIALMENTE.
Correta a decisão singular que rejeita a exceção de pré-executividade diante das alegações de impropriedade do título para render ensejo a execução e de inexistência da mora, porque tais situações são dependentes da produção de provas.
A existência de recurso manejado por terceiros e que visa a anulação da audiência onde foi proferida a sentença em execução, por si só, não impede a execução provisória do julgado, porque o apelo foi recebido somente no efeito devolutivo e, acaso provido, ensejará a nulidade da execução provisória.
Se a multa fixada como astreinte pelo juízo singular é absurdamente exagerada e corresponde a um verdadeiro prêmio de loteria, o Tribunal deve expurgar a penalidade, notadamente porque o processo é instrumento ético de garantias constitucionais, não podendo ser utilizado para o alcance de abusos ou para se promover o enriquecimento ilícito." (fls. 731/732).Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 787/793 e 818/821 e-STJ).
Irresignados, VILSON COVOLAN E OUTROS interpõem recurso especial, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 183, 461, §6º, 473 e 644 do CPC e divergência jurisprudencial.
Sustentam os recorrentes, em síntese, preclusão do direito de se discutir a aplicação da astreinte, assim como a impossibilidade de exclusão da multa diária imposta, mormente em sede de exceção de pré-executividade, na qual veda-se a dilação probatória (fls. 832/846 e-STJ).
Em contrarrazões, defendem os recorridos, preliminarmente, o não conhecimento do recurso por ausência de impugnação aos fundamentos do acórdão recorrido. No mérito, advogam que não há que se falar em preclusão quanto à matéria referente às astreintes, pleiteando a manutenção do acórdão recorrido (fls. 884/901 e-STJ).
Admitido o apelo nobre pelo Juízo Prévio de Admissibilidade (fls. 904/906 e-STJ), os autos ascenderam a este Superior (fls. 910/912 e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):
O recurso não merece prosperar.
Com efeito.
O cerne da questão posta em julgamento está na incidência do fenômeno da preclusão quanto à determinação de incidência de multa diária em caso de descumprimento de decisão judicial.
Acerca do tema, é consabido que o valor da multa diária fixada não faz coisa julgada material e pode ser revista a qualquer tempo pelo magistrado (ut. AgRg no Ag 1350371/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 02/03/2011; AgRg no Ag 1144150/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 31/03/2011; AgRg no REsp 1230809/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 24/03/2011; AgRg no Ag 1133970/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 09/12/2010; AgRg no Ag 1311941/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina, Terceira Turma, DJe 24/11/2010; AgRg no Ag 960.846/RJ, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 11/11/2010; REsp 691.785/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 20/10/2010; REsp 1151505/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 22/10/2010 e AgRg no Ag 878.423/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 15/09/2010).
No que se refere à própria decisão que fixa a astreinte , da mesma forma, não há que se falar em coisa julgada material e, tampouco em preclusão. Isso porque, se ao magistrado é facultado impor a multa, de ofício, quer dizer, independente de manifestação das partes, não seria razoável vedar-lhe a sua suspensão. Tendo o julgador a discricionariedade em aplicar o ato intimidatório ao devedor, nos casos em que vislumbrar a necessidade dessa coerção para se alcançar a tutela específica, poderá, também, revogá-la quando ela for desnecessária.
Cabendo ao magistrado a discricionariedade quanto à aplicação da astreintes, com maior razão poderá fazê-la quando provocado pelas partes, ainda que em sede de exceção de pré-executividade.
Como se sabe, a exceção de pré-executividade, fruto de construção pretoriana, é meio idôneo de defesa disponível ao executado, não prevista expressamente em lei, com cabimento nas hipóteses excepcionalíssimas e restritas de flagrante inexistência ou nulidade do título executivo, bem assim nas hipóteses referentes à flagrante falta de pressupostos processuais e/ou condições da ação.
In casu, o Tribunal de origem, afastou a possibilidade de se apreciar em sede de exceção de pré-executividade as questões referentes à inexigibilidade do título, mora e culpa, ante a necessidade de dilação probatória. Todavia, quanto à astriente, na esteira jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, acatou-se o pedido dos excipientes Jeronimo Roque Stecca e Outro, haja vista a exorbitância do valor executado e por não terem os exequentes Vilson Covolan e Outros comprovado, no ajuizamento da execução, o descumprimento do acordo judicial.
Mostra-se, pois, perfeitamente possível o manejo da exceção de pré-executividade com objetivo de discutir matéria atinente ao valor da multa diária executada, quanto mais se a matéria poderia ser conhecida até mesmo de ofício.
Ademais, o acórdão recorrido não reconsiderou a decisão que fixou a multa diária, mas sim a excluiu ante a abusividade do seu valor e por não constar dos autos da execução a prova da mora do executado, como se observa da parte final do voto condutor do acórdão recorrido, in verbis:
"Como se sabe, a astreinte só tem cabimento quando houver deliberado descumprimento da ordem judicial, hipótese ausente dos autos, ao menos nesta quadra recursal. Além disso tudo, não se pode admitir o enriquecimento ilícito de uma parte sobre a outra, através da cobrança de astreinte que corresponda a um verdadeiro prêmio de loteria. Com essas considerações, dou provimento parcial ao recurso pra acolher a exceção de pré-executividade somente na parte que sustenta a ilegalidade da cobrança da multa, que fica excluída da execução. É como voto." (fls. 739/740 e-STJ)
Destarte, escorreito o pronunciamento do Tribunal de origem em apreciar a aplicação da astreinte em sede de exceção de pré-executividade. Nega-se, portanto, provimento ao recurso especial.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA