STJ começa a decidir se ação de sojicultores gaúchos contra royalties da Monsanto tem alcance nacional
A 3ª turma do STJ começou a analisar o recurso que firmará o alcance da decisão na ação coletiva que sindicatos rurais do RS movem contra a cobrança de royalties pela utilização da semente transgênica de soja Round-up Ready, ou "soja RR".
Da Redação
domingo, 18 de dezembro de 2011
Atualizado em 16 de dezembro de 2011 15:15
Nacional
STJ começa a decidir se ação de sojicultores gaúchos contra royalties da Monsanto tem alcance nacional
A 3ª turma do STJ começou a analisar o recurso que firmará o alcance da decisão na ação coletiva que sindicatos rurais do RS movem contra a cobrança de royalties pela utilização da semente transgênica de soja Round-up Ready, ou "soja RR". Os valores envolvidos chegariam a R$ 15 bilhões.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, reconheceu a legitimidade das entidades de classe para propor a ação na Justiça gaúcha e afirmou que é importante que a eficácia das decisões se produza de maneira ampla, atingindo produtores de soja em todo o território nacional. Esta posição foi seguida pelo presidente da 3ª turma, ministro Massami Uyeda.
A ministra Nancy afirmou que a ação foi proposta para tutelar, de maneira ampla, os interesses de todos os produtores rurais que trabalham com sementes de "soja RR", ou seja, para a proteção de toda a categoria profissional, independentemente da condição de associado de cada titular.
"Não é possível conceber tutela jurídica que isente apenas os produtores do Rio Grande do Sul do pagamento de royalties pela utilização de soja transgênica", ponderou a relatora. "A eventual isenção destinada apenas a um grupo de produtores causaria desequilíbrio substancial no mercado atacadista de soja", avaliou.
Na sequência, o ministro Sidnei Beneti pediu vista dos autos para examinar melhor a matéria. O julgamento será retomado a partir de fevereiro de 2012, mas ainda não há data prevista. Aguardam para votar os ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Villas Bôas Cueva.
A soja
Introduzida no Brasil na década de 1990 a partir do RS, a "soja RR" é capaz de gerar mudas resistentes a herbicidas formulados a base de glifosato, o que rende ganho à produção. A Monsanto, visando obter proteção da patente no processo de criação das sementes, estabeleceu um sistema de cobrança baseado em royalties, taxas tecnológicas e indenizações pela sua utilização. Para tanto, os adquirentes da "soja RR" retém, e repassam diretamente à multinacional, 2% do preço da soja transgênica adquirida. A cobrança é feita desde a safra de 2003/04.
A ação
A ação coletiva foi proposta por dois sindicatos rurais. Eles entendem que a questão deveria ser analisada pela ótica da lei de cultivares, e não pela lei de patentes. Com isso, diz que seria permitido aos produtores, independentemente do pagamento de qualquer taxa à Monsanto, a reserva de sementes para replantio, a venda de produtos como alimento e, quanto a pequenos produtores, a multiplicação de sementes para doação e troca.
Na ação, pediram liminar para possibilitar o depósito judicial das taxas tecnológicas e indenizações (2%) e a publicação em edital no Diário Oficial e na grande imprensa, alertando os compradores da "soja RR" para que promovessem o depósito dessa taxa em juízo.
Decisões
Inicialmente, a liminar foi concedida para determinar o depósito em juízo. Posteriormente, o juiz de 1º grau reconsiderou em parte a medida, para reduzir o valor do depósito a 1% do preço da soja adquirida.
Contestando vários pontos, a Monsanto recorreu ao TJ/RS, por meio de agravo de instrumento. O TJ/RS reconheceu o cabimento da ação coletiva, a legitimidade das entidades rurais para propor a demanda judicial, mas negou o alcance nacional das decisões no processo. Também cassou a liminar quanto ao depósito judicial, por entender não existir risco de dano irreparável até que o mérito da ação seja decidido.
Tanto a Monsanto quanto os sindicatos recorreram ao STJ. A multinacional quer o reconhecimento da ilegitimidade das entidades rurais para propor a ação, sob a alegação de que a relação é entre cada produtor e a Monsanto, detentora da tecnologia patenteada.
A Monsanto diz que o alcance da sentença em ação coletiva está ligado ao limite da competência do órgão prolator e, por isso, as decisões não teriam eficácia nacional (erga omnes). Afirma, também, que não há interesse social relevante em discussão. Haveria direitos individuais, disponíveis, dos produtores que optaram pela utilização da semente RR da Monsanto. As entidades rurais contestam esse ponto - querem o reconhecimento da eficácia das decisões para todo o Brasil, já que haveria mais de quatro milhões de pequenas propriedades rurais em situação idêntica.
Direitos coletivos
Em seu voto, a relatora concordou com a interpretação dada pelo TJ/RS quanto ao tipo de direito de que trata a ação. Para Nancy Andrighi, são direitos coletivos aqueles "transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de base".
No caso dos autos, a ministra ressaltou que se trata de um modelo de cobrança imposto a um grupo determinável de cultivadores de soja: "A invalidade de tal cobrança, como tese jurídica, aproveita a todos indistintamente, não consubstanciando um direito divisível."
Quanto ao pedido das entidades de repetição de indébito, a ministra Nancy ratificou a posição do TJ/RS, de que caberá a cada agricultor pleitear a cobrança do montante que teria pago a mais, na hipótese de procedência do pedido da ação coletiva.
Em outro ponto analisado, a ministra classificou de "evidente" a relevância social do processo. Ela observou que, se a cobrança de royalties feita por uma empresa a um universo de agricultores que trabalham no cultivo da soja transgênica for considerada realmente indevida, o significativo impacto no preço final do produto, para consumo, já seria motivo suficiente para justificar a tutela coletiva desses direitos.
Legitimidade
A relatora rechaçou a argumentação da Monsanto de que os sindicatos não teriam legitimidade para atuar no processo. De acordo com a ministra, "a legitimidade dos sindicatos para atuarem em processos coletivos deve ser considerada de maneira ampla", sob pena de violar a Constituição Federal, a qual assegura a essas entidades a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.
Segundo os autos, 354 sindicatos representativos de produtores rurais já se encontram habilitados nesta ação coletiva.
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Processo relacionado: REsp 1.243.386 - clique aqui.