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Competência

Juízo da recuperação deve decidir sobre créditos trabalhistas de arrendatário de parque industrial

A 2ª seção do STJ, seguindo voto da ministra Nancy Andrighi, entendeu que é do juízo em que se processa a recuperação judicial a competência para decidir sobre a responsabilização por créditos trabalhistas da empresa que arrendou parque industrial da sociedade em recuperação.

Da Redação

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Atualizado às 09:09

Competência

Juízo da recuperação deve decidir sobre créditos trabalhistas de arrendatário de parque industrial

A 2ª seção do STJ, seguindo voto da ministra Nancy Andrighi, entendeu que é do juízo em que se processa a recuperação judicial a competência para decidir sobre a responsabilização por créditos trabalhistas da empresa que arrendou parque industrial da sociedade em recuperação.

A questão chegou ao Tribunal por um conflito de competência suscitado pela Fundição Apolo, sociedade constituída especialmente para operar o parque industrial arrendado da Metal Metalúrgica Apolo Ltda. A irresignação surgiu depois que o juízo da vara do Trabalho de Itaúna/MG, nos autos de uma reclamação trabalhista, entendeu por bem responsabilizar a Fundição Apolo por débitos trabalhistas da empresa em recuperação.

A sociedade alega que não há sucessão trabalhista nas alienações promovidas em conformidade com plano de recuperação judicial, uma vez que tal norma deve abranger o arrendamento. De acordo com a Fundição Apolo, a inexistência de sucessão foi disciplinada expressamente no contrato homologado judicialmente. Assim, para a sociedade, o juízo da recuperação seria exclusivamente o competente para decidir sobre o patrimônio da empresa, sob pena de inviabilização do plano.

Inicialmente, a ministra Nancy Andrighi afirmou que o fato de ter sido proferida sentença pelo juízo trabalhista, ainda não transitada em julgado, não impede, em princípio, a apreciação do conflito de competência.

A ministra observou que as decisões do STJ, quanto a atos de execução incidentes sobre patrimônios de empresas em recuperação judicial, têm levado em consideração o princípio da continuidade da empresa. Ocorre que o conflito analisado não trata de atos de execução praticados pela JT contra patrimônio da empresa alienado; trata, sim, de julgamento acerca da possibilidade de responsabilizar a sociedade que sucedeu a recuperanda na operação de seu parque industrial.

Preservação da empresa

Contudo, ainda assim, "é possível reconhecer a invasão da competência do juízo de recuperação judicial". A ministra relatora destacou que, para que o objetivo maior de preservação da empresa seja implementado de maneira eficaz, é imprescindível que seja atribuída a um único juízo a competência, mesmo para decidir acerca das responsabilidades inerentes às sociedades que participarem dos esforços de recuperação de um empreendimento.

"Se, na hipótese dos autos, um dos mecanismos utilizados para a recuperação judicial da empresa foi o de autorizar a alienação do estabelecimento industrial, e se, no contrato pelo qual se promoveu a medida, optou-se pela transferência do bem mediante arrendamento, as consequências jurídicas dessa operação no que diz respeito aos bens envolvidos no processo de recuperação judicial devem ser avaliadas e decididas pelo juízo perante o qual a recuperação se processa", disse a ministra.

A decisão da JT, alertou a relatora, acabaria por gerar tumulto e, possivelmente, inviabilizar os procedimentos implementados, sob a fiscalização judicial, para o reerguimento e manutenção daquela atividade econômica. Por fim, a ministra Nancy concluiu que o contrato de arrendamento firmado pode ser enquadrado no amplo conceito de "alienação judicial de bens".

"O arrendamento do parque industrial é medida comum no ambiente empresarial, e seus efeitos devem ser equiparados aos da alienação, para os fins de recuperação da sociedade empresária", esclareceu. A constituição de uma empresa apenas para gerir o empreendimento não constitui irregularidade no procedimento, salvo demonstração na via judicial, afirmou a relatora.

Veja abaixo o acórdão.

________

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 118.183 - MG (2011/0162516-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

AUTOR : FUNDIÇÃO APOLO LTDA

ADVOGADO : MARCUS V. SOUSA E OUTRO(S)

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CÍVEL DE ITAÚNA - MG

SUSCITADO : JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE ITAÚNA - MG

INTERES. : R.C.S.

ADVOGADO : MARCOS HELENO PEREIRA E OUTRO(S)

INTERES. : METALÚRGICA APOLO LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

ADVOGADO : ANA TEREZA CAMPOS NOGUEIRA E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DE PARQUE INDUSTRIAL MEDIANTE ARRENDAMENTO. CONSTITUIÇÃO DE NOVA EMPRESA PARA ADMINSITRÁ-LO. SUCESSÃO TRABALHISTA RECONHECIDA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. CONFLITO CONHECIDO.

1. Aprovado o plano de recuperação judicial, dispondo-se sobre a transferência parque industrial, compete ao juízo da recuperação verificar se a medida foi cumprida a contento, se há sucessão quanto aos débitos trabalhistas e se a constituição de terceira empresa exclusivamente para administrar o parque.

2. O fato de a transferência se dar por arrendamento não retira do juízo da recuperação a competência para apurar a regularidade da operação.

3. O julgamento de reclamação trabalhista no qual se reconhece a existência de sucessão trabalhista, responsabilizando-se a nova empresa constituída pelos débitos da arrendante do parque industrial, implica invasão da competência do juízo da recuperação judicial.

4. Conflito de competência conhecido, estabelecendo-se o juízo da 1ª Vara Cível de Itaúna/MG, como competente para declarar a validade da transferência do estabelecimento a terceiros, inclusive no que diz respeito a eventual sucessão trabalhista, declarando-se nulos os atos praticados pelo juízo da vara do trabalho de Itaúna/MG.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do conflito de competência, estabelecendo-se o Juízo da 1ª Vara Cível de Itaúna - MG como competente para declarar a validade da transferência do estabelecimento a terceiros, inclusive no que diz respeito a eventual sucessão trabalhista, declarando-se nulos os atos praticados pelo Juízo da Vara do Trabalho de Itaúna - MG, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Marco Buzzi. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 09 de novembro de 2011(Data do Julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de conflito de competência estabelecido entre o JUÍZO DA 1ª VARA CÍVEL DE ITAÚNA, MG e o JUÍZO DA VARA DO TRABALHO DE ITAÚNA, MG.

Ação: de recuperação da sociedade METAL METALÚRGICA APOLO LTDA., deferida em 25/6/2010 (fls. 35 a 37, e-STJ). Tendo em vista a grave crise econômica mundial de 2008 e considerando as restrições ao crédito disponível para a empresa, não foi a esta possível cumprir o plano de recuperação inicialmente apresentado, de modo que, por proposta do administrador judicial, a sociedade em conjunto com seus credores decidiram pelo arrendamento de seu parque industrial, que se concretizou por contrato de arrendamento de parque industrial firmado em 24/1/2011 com a sociedade Minas Gusa Siderurgia Ltda. (fls. 46 a 58, e-STJ), devidamente homologado em juízo (fl. 40, e-STJ)

Autorizada por contrato, a arrendatária constituiu nova empresa, a FUNDIÇÃO APOLO LTDA., para operar o parque industrial arrendado. No âmbito dessa operação, todos os funcionários da recuperanda receberam aviso prévio em 29/1/2011, sendo contratados a partir de 3/3/2011 pela nova sociedade. A pretensão da sociedade constituída, expressa no próprio contrato de arrendamento homologado judicialmente, seria a de atuar no estabelecimento arrendado sem solução de continuidade ou sucessão nos contratos de trabalho.

Segunda ação: reclamação trabalhista ajuizada por R.C.S. (fls. 61 a perante a Vara do Trabalho de Itaúna, MG (Proc. nº 0000417-69.2011.503.0062), o juízo trabalhista, ponderando que "o arrendamento do parque industrial da 2ª reclamada não abarcou qualquer decisão acerca da responsabilidade da 1ª reclamada pelos eventuais débitos trabalhistas", mesmo porque, em sua forma de ver, "carece o juízo da recuperação judicial de competência para apreciar questões de cunho eminentemente trabalhista", entendeu por bem responsabilizar a FUNDIÇÃO APOLO LTDA por débitos trabalhistas da empresa em recuperação.

Suscitação do conflito: a sociedade FUNDIÇÃO APOLO suscita este conflito por dois fundamentos: (i) em primeiro lugar, o de que, consoante os arts. 60 e 141 da Lei 11.101/2005, não há sucessão trabalhista nas alienações promovidas de conformidade com plano de recuperação judicial (e tal norma deve abranger o arrendamento aqui discutido inclusive porque a inexistência de sucessão foi disciplinada expressamente no contrato homologação judicialmente ) de modo que seria exclusivamente do juízo da recuepração a competência para decidir acerca do patrimônio da empresa sob pena de inviabilização do plano; (ii) ainda que assim não fosse, caso o crédito decorrente da reclamação trabalhista em questão fosse adimplido com o patrimônio arrendado de conformidade com o plano de recuperação judicial, haveria o pagamento ao reclamante em detrimento, não apenas de todos os demais credores trabalhistas incluídos no quadro geral, mas também dos credores privilegiados relacionados no art. 84 e seguintes da Lei 11.101/2005.

Na petição inicial do conflito é dito, outrossim, que a Justiça do Trabalho, até a data do protocolo da inicial (14 de julho de 2011), já havia proferido sentença de conteúdo semelhante à do Proc. 0000417-69.2011.503.0062 em 2 outros processos de idêntica natureza: Procs. 0000471-35.2011.503.0062; e 0000357-96.2011.503.0062.

Parecer do MPF: subscrito pelo i. Subprocurador-Geral da República, Dr. João Pedro de Sabóia Bandeira de Mello Filho, opinou pelo conhecimento do conflito e estabelecimento da competência da 1ª Vara Cível de Itaúna, MG.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Objeto do conflito

Cinge-se a lide a estabelecer qual o juízo competente para deliberar sobre os bens abrangidos por plano de recuperação judicial aprovado em juízo. Na hipótese dos autos, a discussão se estabelece acerca da possibilidade de vincular ao adimplemento de débitos trabalhistas a empresa que adquiriu, mediante contrato de arrendamento homologado em juízo, o bem imóvel no qual estava instalado o parque industrial da sociedade em recuperação.

A sentença proferida na Reclamação Trabalhista nº 00417-2011.0062 fundamentou da seguinte forma o entendimento de que é possível responsabilizar a sociedade FUNDIÇÃO APOLO LTDA.:

"Alega a 2ª reclamada que o Juízo da recuperação judicial homologou o contrato de arrendamento, no qual constou a inexistência de sucessão trabalhista entre as reclamadas, decisão que transitou em julgado. Portanto não caberia, no caso dos autos, qualquer discussão nesse aspecto.

Na verdade, a decisão proferida pela Justiça Comum Estadual que autorizou o arrendamento do parque industrial da 1ª reclamada não abarcou qualquer decisão acerca da responsabilidade da 2ª reclamada pelos eventuais débitos trabalhistas decorrentes da presente ação. Nem poderia ser diferente, pois carece o juízo da recuperação judicial de competência para apreciar questões de cunho eminentemente trabalhista, de competência desta especializada.

Caso condenada nos presentes autos, poderá a 2ª reclamada se valer de eventual direito de regresso contra a 1ª reclamada perante a Justiça Comum Estadual, todavia não há que se falar em ocorrência de coisa julgada material no presente aspecto.

(...)

Cumpre ressaltar que a Lei 11.101/05 exclui a sucessão em caso de falência, caso em que ocorre a extinção da empresa. Já na recuperação judicial, a empresa continua existindo, sendo, na hipótese dos autos, através do contrato de arrendamento. Aliás, tanto continua ativa que poderá, no futuro, retomar por si só as suas atividades."

No fundamento da sentença, o juízo trabalhista cita precedente do TRT/3ª Região no qual se pondera que:

"O legislador estabeleceu consequências diversas pelo pagamento do passivo da empresa, cujo patrimônio é transferido nos casos de recuperação judicial e falência. O confronto dos dispositivos legais contidos nos artigos 60 e 141 da lei 11.101/05 evidencia que ao disciplinar a falência o legislador previu, de modo expresso, que não seriam transferidos ao adquirente os débitos tributários, trabalhistas e os decorrentes de acidente de trabalho, enquanto que ao tratar da recuperação judicial, a referência expressa cinge-se apenas aos débitos tributários, inexistindo confronto entre a Legislação Trabalhista (artigo 448 da CLT) e a Lei de Recuperação Judicial. Não fosse assim, o crédito trabalhista não seria guarnecido pela administração da empresa em recuperação judicial, pois nesta fase não há vinculação ou destinação específica dos valores vendidos, ao contrário da falência, o que dá margem a fraudes aos direitos trabalhistas. Nesta linha de idéias, não há o fim da sucessão trabalhista na recuperação judicial, e, portanto, o arrematante da parte produtiva da empresa em recuperação dela não fica isento, devendo responder pelos créditos trabalhistas"

A esses argumentos responde a empresa que suscitou o conflito argumentando que: (i) o arrendamento do parque industrial se deu em cumprimento aos arts. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005; (ii) o STF julgou ser constitucional tal disposição, ao apreciar a ADI 3.934-2/DF; (iii) a homologação do contrato de arrendamento pelo juízo da recuperação abrangeu, não apenas a cláusula que expressamente exlcuía a sucessão trabalhista no empreendimento, como também a cláusula que possibilitava a constituição de nova empresa para operar o parque industrial, nas mesmas condições; (iv) os contratos de trabalho anteriores foram, todos, encerrados, mediante entrega de aviso prévio 29/1/2011; (v) a decisão sobre a sucessão deveria competir ao juízo da recuperação porquanto a responsabilização do arrendatário inviabilizaria o cumprimento do pl ano de recuperação judicial; (vi) as disposições relativas à alienação judicial de estabelecimento são válidas também para o arrendamento de bens; (vi) a decisão do juízo cível não seria apenas autorizativa do arrendamento sem ônus, mas homologatória do contrato que o promoveu.

Conquanto muitas alegações tenham sido feitas pelo suscitante, para a solução da questão basta que três temas amplos sejam enfrentados. Em primeiro lugar, apurar se há conflito de competência na espécie, tendo em vista que já foi proferida sentença na ação trabalhista; em segundo lugar, verificar se há conflito tendo em vista que não se trata, propriamente, de atos de execução praticados pelo juiz do trabalho incidindo sobre o patrimônio da empresa em recuperação judicial, mas de julgamento, por sentença, de uma causa que foi regularmente submetida à sua apreciação, versando sobre a responsabilidade trabalhista dessa empresa; e em terceiro lugar, apurar se a assinatura de um contrato de arrendamento permitiria a aplicação do disposto no art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005 à espécie, tendo em vista que essa norma trata, de modo específico, da alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor.

I - A existência de sentença na reclamação trabalhista

O fato de ter sido proferida sentença pelo juízo trabalhista não impede, em princípio, a apreciação do conflito de competência. Com efeito, por ocasião do julgamento do CC 108.717/SP (de minha relatoria, 2ª Seção, DJe de 20/09/2010), esta Corte estabeleceu que a existência de sentença não transitada em julgado somente impediria a apreciação de um conflito de competência nas hipóteses em que esse conflito se baseasse em uma regra de conexão . Em situações nas quais a competência para o julgamento é absoluta , por outro lado, a suscitação do incidente somente é obstada pelo trânsito em julgado da sentença proferida, nos moldes da Súmula 59/STJ. Eis a ementa do julgado:

"PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SENTENÇA SEM TRÂNSITO EM JULGADO. POSSIBILIDADE, EM PRINCÍPIO, DE CONHECIMENTO. SÚMULAS 59 E 235/STJ. AÇÕES ORIGINÁRIAS DISTINTAS. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO.

1. Se o conflito positivo de competência se estabelecer por força de uma regra de conexão, ele não poderá ser conhecido se uma das sentenças foi proferida, ainda que sem trânsito em julgado, por força da Súmula 235/STJ.

Mas se o conflito decorre de outra regra de estabelecimento da competência, não há restrição a seu conhecimento após prolatada a sentença, desde que não haja trânsito em julgado (Súmula 59/STJ).

2. Em que pese a possibilidade, em princípio, de conhecimento do conflito não obstante uma das sentenças tenha sido proferida - já que ele não se fundamenta em uma regra de conexão - não há conflito positivo de competência se as ações que supostamente lhes deram origem discutem matérias distintas.

3. Conflito de competência não conhecido."

A hipótese dos autos é de competência quanto à matéria, portanto, absoluta.

Com efeito, deve-se estabelecer quem pode declarar a responsabilidade trabalhista de empresa adquirente, por contrato de arrendamento, de estabelecimento industrial. Nessas condições, o fato de ter sido proferido sentença pela Justiça do Trabalho não impede a apreciação do conflito.

II - O conflito quanto a declaração de responsabilidade, sem atos de execução

Tem sido comum que esta Corte enfrente situações nas quais é necessário definir que juízo detém a competência jurisdicional para praticar atos de execução incidentes sobre o patrimônio de empresas falidas ou em recuperação judicial. Nessas situações, as decisões proferidas sempre têm, como norte, a necessidade de preservação da par conditio creditorum, nas falências, ou do princípio da continuidade da empresa, nas recuperações judiciais.

Assim, a título exemplificativo, o STJ já decidiu que "a execução trabalhista voltada contra sociedade tida como pertencente ao mesmo grupo econômico da empresa em recuperação judicial não dá ensejo à configuração de conflito positivo de competência" (...) "se os bens objeto de constrição pelo Juízo trabalhista não estão abrangidos pelo plano de reorganização da recuperanda" (CC 115.272/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, DJe de 20/5/2011). Também já decidiu, por outro lado, que "há manifesta incompatibilidade entre o cumprimento do plano e recuperação judicial previamente aprovado e homologado e o prosseguimento das execuções individuais ajuizadas em face da empresa em recuperação" (CC 109.531/DF, minha relatoria, 2ª Seção, DJe 28/4/2011). Ou já se pronunciou, ainda, no sentido de que "uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, ao Juízo Laboral compete tão-somente a análise da matéria referente à relação de trabalho, vedada a alienação ou disponibilização do ativo em ação cautelar ou reclamação trabalhista" (CC 112.799/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, DJe de 22/3/2011); e assim por diante.

A hipótese dos autos é diversa. Aqui, não se está a analisar um ato de execução do patrimônio da empresa alienada , mas um julgamento , promovido pela Justiça do Trabalho, acerca da possibilidade de se responsabilizar a sociedade que sucedeu a recuperanda na operação de seu Parque Industrial. E mais: tendo sido, tal ato de declaração de responsabilidade, praticado no momento em que proferida a sentença trabalhista, poder-se-ia entender que o que a parte busca, neste incidente, é utilizar o conflito de competência como sucedâneo de um recurso ordinário trabalhista , objetivando, assim, promover um controle de mérito com a reforma da decisão proferida.

Contudo, em que pese o presente conflito não se estabelecer a partir de atos de execução praticados pela Justiça do Trabalho, é possível reconhecer a invasão da competência do juízo da recuperação judicial na espécie.

Nesse sentido, em primeiro lugar, não se pode perder de vista o objetivo maior de preservação da empresa que orientou a introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, da regra do art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005. O que buscou o legislador, com tal regra, foi implementar a ideia de que a flexibilização de algumas garantias de determinados credores, conquanto possa implicar aparente perda individual, numa análise imediata e de curto prazo, pode significar ganhos sociais mais efetivos, numa análise econômica mais ampla, à medida que a manutenção do empreendimento pode implicar significativa manutenção de empregos, geração de novos postos de trabalho, movimentação da economia, manutenção da saúde financeira de fornecedores, entre inúmeros outros ganhos.

Para que esse objetivo possa ser implementado de maneira eficaz, é imprescindível que seja atribuída a um único juízo a competência, não apenas para executar o patrimônio de sociedades falidas ou em recuperação judicial, mas mesmo para decidir acerca das responsabilidades inerentes à sociedades que participarem dos esforços de recuperação de um empreendimento. Nesse sentido, por ocasião do julgamento do CC 110.941/SP, ponderei que:

"Com a edição da Lei 11.101/05, esta Corte firmou o entendimento de que a partir da data de deferimento da recuperação judicial, todas as questões relacionadas à recuperanda ficarão afetas ao juízo da recuperação. Prevalece, assim, a lógica de que é preciso preservar, na sua integralidade, o sistema instituído por esse diploma legal, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

(...)

A questão da sucessão da empresa recuperanda pelo adquirente da empresa é, indubitavelmente, uma das mais instigantes do direito falimentar.

Como salienta Fábio Ulhoa Coelho (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperações de Emrpesas. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 364) 'se o adquirente da empresa anteriormente explorada pela falida tiver de honrar todas as dívidas dessas, é evidente que menos empresários terão interesse no negócio".

Se, na hipótese dos autos, um dos mecanismos utilizados para a recuperação judicial da empresa foi o de autorizar a alienação do estabelecimento industrial, e se no contrato pelo qual se promoveu a medida optou-se pela transferência do bem mediante arrendamento, as consequências jurídicas dessa operação no que diz respeito aos bens envolvidos no processo de recuperação judicial devem ser avaliadas e decididas pelo juízo perante o qual a recuperação se processa.

Vale observar que, na hipótese dos autos, a Justiça do Trabalho vinculou, ao adimplemento de obrigações trabalhistas anteriores ao arrendamento, a empresa que fora constituída especificamente para o fim de operar o parque industrial arrendado .

Vale dizer, o patrimônio dessa empresa seguramente se resume a esse bem, transferido de conformidade com o plano de recuperação judicial, e, mais que isso: a sua constituição se deu sob o pressuposto de que estava autorizada, pelo juízo da recuperação, a tentar manter o empreendimento sem os ônus a ele relacionados.

Essas questões estão de tal forma relacionadas ao processo de recuperação que é forçoso reconhecer que a decisão, pela Justiça do Trabalho, acerca da responsabilidade decorrente dessa transferência acabaria por gerar tumulto e, possivelmente, inviabilizar os procedimentos implementados, sob a fiscalização judicial, para a reerguimento e manutenção daquela atividade econômica.

É, portanto, fundamental que se reconheça a existência de conflito e que se estabeleça, na espécie, a competência do juízo cível para a decisão da controvérsia.

III - O contrato de arrendamento

Resta, por fim, analisar se o contrato de arrendamento firmado, na hipótese dos autos, pode ser enquadrado no amplo conceito de "alienação judicial de bens" regulado pelo art. 60 da LF.

A resposta só pode ser positiva. A Lei de Falências e Recuperações Judiciais, ao autorizar a venda de estabelecimento como medida de reerguimento econômico do devedor, na verdade apenas materializa mais uma medida inserida no amplo espectro do princípio da preservação da empresa. Esse princípio, portanto, tem de ser mantido como o norte para a interpretação de todos os dispositivos legais que tratam da matéria.

A alienação de um estabelecimento industrial dificilmente se processa mediante pagamento a vista. Restrigi-la a tais situações implicaria esvaziar sobremaneira o âmbito de aplicação do art. 60 da LF. O arrendamento do parque industrial é medida comum no ambiente empresarial, e seus efeitos devem ser equiparados ao da alienação, para os fins de recuperação da sociedade empresária. Se, dentro desse amplo sistema de alienação mediante arrendamento, as partes optam, com a autorização do juízo da recuperação, por constituir uma terceira empresa apenas para gerir aquele empreendimento, também não se afirmar, ao menos de plano, a existência de irregularidades no procedimento - sem prejuízo, naturalmente, da eventual demonstração, no futuro, da existência de fraude no processo, de que aqui não se cogita.

De todo modo, até mesmo a verificação da existência de eventual fraude competirá ao juízo da recuperação judicial.

Forte nessas razões, conheço do conflito e estabeleço a competência do juízo da 1ª Vara Cível de Itaúna, MG, perante o qual se processa a recuperação judicial da METAL METALÚRGICA APOLO LTDA., como o competente para declarar a validade da transferência do estabelecimento industrial a terceiros, inclusive no que diz respeito a eventual sucessão trabalhista. Declaro, com isso, nulos os atos praticados pelo Juízo da Vara do Trabalho de Itaúna, MG, incompetente para decidir acerca da matéria.