Militares acusados de torturar presos políticos não podem mais ser condenados
A 6ª turma do TRF da 3ª região decidiu que os militares acusados de torturar presos políticos na Operação Bandeirantes durante a ditadura não podem mais ser condenados porque seus supostos crimes já prescreveram.
Da Redação
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Atualizado às 08:18
Ditadura
Militares acusados de torturar presos políticos não podem mais ser condenados
A 6ª turma do TRF da 3ª região decidiu que os militares acusados de torturar presos políticos na Operação Bandeirante, durante a ditadura, não podem mais ser condenados porque seus supostos crimes já prescreveram.
O juiz Federal convocado Santoro Facchini, relator, considerou que os fatos narrados nos autos "não indicam a ocorrência de tortura, como fato ocasional ou delimitado, mas, ao revés, revelam a sua prática, sistematizada e institucionalizada, contra parte da própria população nacional, composta, à época, por opositores do governo militar instalado no Brasil em 1964."
Tais condutas, na visão do magistrado, podem ser tipificadas no Tratado que instituiu o Tribunal Penal Internacional. No referido caso, concluiu o juiz Federal que, uma vez que o STF não reconheceu a aplicação do Tratado sobre os crimes de tortura descritos nos autos, "não existem fundamentos para afirmar que os seus efeitos civis possam ter repercussão no ordenamento nacional."
Assim, o magistrado considerou a legislação constitucional brasileira no que tange à alegada imprescribilidade dos crimes, afirmando que "mesmo que se considerasse o prazo máximo de vinte anos de prescrição previsto no artigo 177 do então vigente Código Civil de 1916 (clique aqui), e que tal prazo somente fosse contado a partir da promulgação da nova Constituição Federal (clique aqui), ter-se-ia sua fluência em outubro de 2008." A decisão da turma foi unânime.
-
Processo : 2011.03.00.025470-4
__________
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0025470-28.2011.4.03.0000/SP
2011.03.00.025470-4/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado Santoro Facchini
AGRAVANTE : JOAO THOMAZ
ADVOGADO : MARCUS VINICIUS MARQUES DOS SANTOS
AGRAVADO : Ministerio Publico Federal
PARTE RE' : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM
PARTE RE' : Estado de Sao Paulo
: HOMERO CESAR MACHADO e outros
: INNOCENCIO FABRICIO DE MATTOS BELTRAO
: MAURICIO LOPES LIMA
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 4 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00219676620104036100 4 Vr SAO PAULO/SP
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECLARAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE OS RÉUS E A SOCIEDADE BRASILEIRA ASSIM COMO COM AS VÍTIMAS DA DENOMINADA OPERAÇÃO BANDEIRANTES - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR OS PEDIDOS - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - IMPRESCRITIBILIDADE DO DIREITO DE REGRESSO PRETENDIDO.
1. A competência cível estendida à Justiça Militar Estadual pela Emenda Constitucional nº 45, restringe-se a questões envolvendo infrações disciplinares, do que ora são se trata. Precedente (Conflito de Competência nº 100.682/MG; Primeira Seção; Rel. Min. Castro Meira; v.u.; DJe: 18/06/2009).
2. A análise dos pedidos formulados na inicial indica a necessidade de decisão uniforme da lide, tanto para a União, quanto para o Estado de São Paulo. Trata-se, pois de litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 47 e seguintes do CPC, fato que remete a competência do julgamento para a Justiça Federal.
3. O Ministério Público Federal pretende, por meio do reconhecimento do pretenso direito de regresso, proteger o patrimônio público em razão das indenizações desembolsadas pelas pessoas jurídicas de direito público, como reparação civil de condutas criminosas que, no aspecto individual, são atribuídas ao agravante. Legitima-se a atuação do "parquet" federal pela inércia, em tese, das próprias pessoas jurídicas de direito público em buscar a recomposição do erário público - Constituição Federal, artigo 129, III; Lei Complementar nº 75/1993, artigo 6º, inciso VII, "b", "d".
4. O Brasil não subscreveu a Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de Guerra e dos crimes contra a Humanidade de 1968, e somente reconheceu a autoridade da Corte Interamericana em 2002, através do Decreto nº 4463/2002. Pode-se, por outro lado, afirmar que os fatos narrados nos autos não indicam a ocorrência de tortura, como fato ocasional ou delimitado, mas, ao revés, revelam a sua prática, sistematizada e institucionalizada, contra parte da própria população nacional, composta, à época, por opositores do governo militar instalado no Brasil em 1964.
5. Em princípio, tais condutas não podem ser excluídas daquelas previstas no tratado que conduziu à criação do Tribunal Penal Internacional. Neste passo, o Brasil é signatário do Tratado que instituiu o Tribunal Penal Internacional, criado pela Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, realizada em julho de 1.988. O referido tratado, assinado pelo Brasil, foi aprovado pelo Decreto Legislativo 112, que, a seu turno, foi promulgado pelo Decreto Presidencial 4.388, de 25.09.2002.
6. Em tese, as condutas descritas na ação civil pública podem ser tipificadas no referido Tratado Internacional, que, a seu turno, contém, dentre outros, os princípios da imprescritibilidade dos crimes e da responsabilização individual dos perpetradores, independentemente da responsabilização dos Estados.
7. Considerando as disposições do artigo 5º, inciso LXXVIII e respectivos parágrafos, da Constituição Federal, as disposições sobre direitos humanos têm aplicação imediata no Brasil. Exemplos de tal aplicação imediata de tratados internacionais sobre direitos humanos extraem-se de julgados do Supremo Tribunal Federal, que afastaram a prisão civil prevista no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, por conflitar com disposições advindas de tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil (STF, RExt 349.703 e 466.343 e HC 87.585).
8. A questão que se coloca é se a incorporação do referido tratado no ordenamento nacional também abrange os crimes praticados antes de sua vigência, e, no caso, antes mesmo da promulgação da atual Constituição Federal. A resposta, neste caso, é negativa, tanto que o Ministério Público não ofereceu denúncia criminal contra o agravante, firmando-se que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a recepção, pela Constituição Federal, da lei 6.683/79, a chamada lei da anistia, não obstante a adesão, pelo Brasil, ao referido tratado que instituiu o Tribunal Penal Internacional, e do reconhecimento da autoridade das decisões emanadas da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
9. Não reconhecendo o Supremo Tribunal Federal a aplicação do referido Tratado sobre os crimes de tortura descritos na inicial, não existem fundamentos para afirmar que os seus efeitos civis possam ter repercussão no ordenamento nacional.
10. A questão da alegada imprescritibilidade de se obter a indenização pelos crimes pretensamente praticados pelo agravante deve ser analisada sob o enfoque da própria legislação constitucional brasileira, excluindo-se, como visto, as disposições contidas nos Tratados Internacionais supracitados.
11. Como já anotado, a lei de anistia- Lei nº 6.683/79, editada em momento anterior, foi recepcionada pela atual Carta Constitucional, segundo decisão do E. Supremo Tribunal Federal, na ADPF nº 153. Argumenta-se que a referida concedeu, apenas, a anistia penal, mas não afastou a responsabilização civil.
12. A tese da imprescritibilidade da indenização civil encontra eco no E. Supremo Tribunal Federal, "ex vi" da decisão proferida pelo Eminente Ministro Ayres Britto, na Reclamação nº 12131, publicado no DJe em 06/10/2011, quando analisou o que fora decidido na ADPF nº 153.
13. No âmbito constitucional, o crime de tortura não é imprescritível (artigo 5º, inciso XVIII da CF), resultando, ainda, que o fundamento para a imprescritibilidade não reside em tratados internacionais.
14. A pretensão do Ministério Público Federal escorou-se, ainda, na aplicação do artigo 37, parágrafo 5º, da Constituição Federal. Não se extrai, da dicção do artigo 37, parágrafo 5º, da Constituição Federal referido normativo constitucional, que existam restrições ao direito de ressarcimento em decorrência de atos ilícitos, praticados por agentes públicos, que causem prejuízos ao Erário.
15. A nova ordem constitucional pode respeitar ou não o direito adquirido, a coisa julgada ou o ato jurídico perfeito ocorridos na ordem anterior. No caso da atual Carta Constitucional, promulgaram-se as disposições constitucionais transitórias para disciplinar o chamado direito de transição entre a velha e a nova ordem constitucional. Não há nenhuma disposição no sentido de estender a imprescritibilidade da indenização devida por agentes públicos aos fatos pretéritos, nem quando foi disciplinada, especificamente, a questão da anistia e da reparação a ser paga pelo Estado aos perseguidos políticos, conforme o artigo 8º, do ADCT.
16. No que tange a aplicação da legislação ordinária, mesmo que se considerasse o prazo máximo de vinte anos de prescrição previsto no artigo 177 do então vigente Código Civil de 1916, e que tal prazo somente fosse contado a partir da promulgação da nova Constituição Federal, ter-se-ia sua fluência em outubro de 2008.
17. Prescrição da pretensão de responsabilização civil/administrativa dos supostos torturadores da OBAN e do DOI/CODI, ante a ausência de posição sedimentada pela Excelsa Corte sobre o tema. Prejudicadas as demais questões alvitradas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 27 de outubro de 2011.
Santoro Facchini
Juiz Federal Convocado
__________