Justiça suspende pagamento de auxílio-paletó a deputados de SP
O juiz de Direito Luís Fernando Camargo de Barros Vidal, da 3ª vara da Fazenda Pública de SP, determinou que a Alesp não ordene ou pague a ajuda de custo conhecida por "auxílio-paletó", destinada a compensar despesas com transporte e outras "imprescindíveis para o comparecimento à sessão ordinária ou das decorrentes da convocação extraordinária."
Da Redação
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Atualizado às 08:55
Benefício
Justiça suspende pagamento de auxílio-paletó a deputados de SP
O juiz de Direito Luís Fernando Camargo de Barros Vidal, da 3ª vara da Fazenda Pública de SP, determinou que a ALESP não ordene ou pague a ajuda de custo conhecida por "auxílio-paletó", destinada a compensar despesas com transporte e outras "imprescindíveis para o comparecimento à sessão ordinária ou das decorrentes da convocação extraordinária."
Para o MP, autor da ação, trata-se de verba que afronta os princípios da moralidade e da honestidade. Já a Assembleia alega que a verba tem natureza indenizatória.
A decisão do magistrado também ordena que a Fazenda Pública do Estado "não disponibilize sob qualquer fundamento o dinheiro do orçamento público para fazer frente às despesas respectivas".
Pelas regras da Casa, os deputados receberiam nos próximos dias um salário a mais (R$ 20.042,37), relativo à segunda parcela do benefício - a primeira é paga integralmente no início do ano, a outra em dezembro aos que compareceram a pelo menos dois terços das sessões.
O MP/SP calcula em cerca de R$ 1,88 milhão a economia ao erário com o corte do auxílio. A ação, subscrita pelos promotores Saad Mazloum e Silvio Antonio Marques, da Promotoria do Patrimônio Público e Social, denuncia "afronta aos princípios da moralidade e da honestidade".
Os promotores advertem que todos os parlamentares recebem a primeira parcela sem a comprovação de nenhum gasto e auferem a segunda apenas pelo mero registro da presença em dois terços da sessão legislativa.
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Processo : 0034068-31.2011.8.26.0053 - clique aqui.
Veja abaixo a decisão.
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DECISÃO
Processo nº: 0034068-31.2011.8.26.0053
Classe - Assunto Ação Civil Pública - DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO
Requerente: Ministério Público do Estado de São Paulo
Requerido: Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e outro
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luis Fernando Camargo de Barros Vidal
Vistos.
Na presente ação civil pública o Ministério Público pede (a) que antecipadamente o juízo obste o pagamento da verba denominada nos autos como ajuda de custo, prevista no art. 1.º da Lei n.º 11.328/02, e no art. 88, §§ 2.º, 3.º e 4.º, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa de São Paulo. Argumenta com a inconstitucionalidade da vantagem instituída porque se trata de verba desprovida de caráter indenizatório, na medida em que parcela dela é paga ao início da sessão legislativa e independentemente da prática de qualquer ato ou despesa do parlamentar que a justifique. Deste modo, a vantagem se caracteriza como verdadeira remuneração cujo pagamento afronta a moralidade administrativa e afronta o disposto no art. 18 da Constituição do Estado de São Paulo que, por expressa remissão ao disposto no art. 39, § 4.º, da Constituição Federal, determina o pagamento da remuneração dos parlamentares sob a forma de subsídio fixado em parcela única. Argumenta, ainda, que o suposto caráter indenizatório da vantagem em questão coincide e é satisfeito com o pagamento do Auxílio Encargos Gerais de Gabinete de Deputado, criado pela Resolução n.º 783/97. Pede, também, e pelos mesmos motivos, que o juízo proíba a criação ou instituição de novas vantagens semelhantes.
Pede ainda o autor, e de igual modo antecipadamente, (b) que o juízo obste o pagamento da vantagem denominada nos autos como parcela indenizatória por convocação extraordinária, prevista no art. 9.º, § 6.º, da Constituição Estadual, para o que argumenta com a desconformidade de seu comando com aquele contido no art. 57, § 7.º, da Constituição Federal, e que o proíbe.
A Mesa da Assembléia Legislativa requerida manifestou-se sobre o pedido de tutela antecipada. Apresentou defesa processual. No mérito, argumenta (a) que a ajuda de custo impugnada é paga conforme o modelo remuneratório federal instituído pelo Decreto Legislativo n.º 07/95, e com fundamento na simetria estabelecida pelo art. 27, § 2.º, da Constituição Federal, e ainda que a implantação do modelo de pagamento por subsídios não exclui o pagamento de parcelas remuneratórias, para o que cita precedentes no âmbito da administração do Poder Judiciário. Argumenta, também, com a impropriedade da definição de problema de constitucionalidade em sede de tutela antecipada.
Afirma, ainda, (b) que a vantagem relativa às convocações extraordinárias não é paga desde o ano de 2004 conforme o documento de fl. 57.
É o relatório. Decido.
Observo inicialmente que na presente fase não cabe analisar a defesa processual apresentada pela requerida, posto que a oportunidade adequada para tanto é aquela do saneamento do feito ou de seu julgamento, após o cumprimento da fase postulatória. Anoto, tão somente, que é absolutamente irrelevante no presente feito o fato de câmaras municipais efetuarem pagamento similar com base na noção de paridade ou mesmo vinculação, já que o objeto da presente ação não lhes diz respeito.
Analiso o primeiro pedido.
(a) Sobre a remuneração dos deputados estaduais, a Constituição do Estado de São Paulo assim dispõe em seu art. 18:
Artigo 18 O subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais, observado o que dispõem os artigos 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, da Constituição Federal.
O § 4.º, do art. 39, da Constituição Federal, a que remete o dispositivo transcrito, assim dispõe:
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
Disto, o que se tem é a necessidade de que a remuneração dos deputados estaduais se dê pela forma de subsídios a serem pagos em parcela mensal única, proibido qualquer acréscimo remuneratório.
Tal é a correta interpretação das normas, para o que vem em abono a lição de José Afonso da Silva:
O conceito de "parcela única" há de ser buscado no contexto temporal e histórico e no confronto do § 4.º do art. 39 com outras disposições constitucionais, especialmente o § 3º do mesmo artigo. Sendo uma espécie remuneratória de trabalho permanente, significa que é pago periodicamente. Logo, a unicidade do subsídio correlaciona-se com essa periodicidade. A parcela é única em cada período, que, por regra, é o mês. Trata-se, pois, de parcela única mensal. Historicamente, "subsídio" era uma forma de retribuição em duas parcelas: uma fixa e outra variável. Se a Constituição não exigisse parcela única, expressamente, essa regra prevaleceria. A primeira razão da exigência de parcela única consiste em afastar essa duplicidade de parcelas que a tradição configurava nos subsídios (Comentário Contextual à Constituição art. 39, Malheiros Editores, 3ª Ed.).
A Lei Estadual n.º 11.328/02, naquilo que ora interessa, assim dispõe:
Artigo 1º - A remuneração do Deputado à Assembléia Legislativa é fixada em 75% (setenta e cinco por cento) do que percebem ou venham a perceber, a igual título, em espécie, os Deputados Federais, inclusive dos valores devidos no início e final de cada sessão legislativa, ordinária ou extraordinária; incluindo-se também os valores resultantes da aplicação do Ato nº 104/88, da Mesa da Câmara dos Deputados, e alterações posteriores, recebidos a título remuneratório reconhecido por decisão judicial e assim abrigado nos termos do § 3º, artigo 1º, da Lei federal nº 10.474 e do § 4º, artigo 1º, da Lei federal nº 10.477, ambas de 27 de junho de 2002.
Não é difícil de perceber que a Lei Estadual em questão, ao compor a remuneração dos deputados estaduais com os valores devidos no início e final de cada sessão legislativa, ordinária ou extraordinária, acresce duas parcelas de subsídios, pagas no começo e no final de cada ano.
Disto decorre que a norma em questão excede os limites impostos pela Constituição Federal e pela Constituição Estadual, posto que não observa o regime dos subsídios nelas previsto na medida em que acresce duas parcelas às ordinárias.
Se assim é, o ato administrativo radicado da Lei Estadual em questão, e concretizado com o art. 88, § 2.º, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa, que segundo os termos do documento de fl. 57, ofertado pela própria Casa Legislativa, autoriza o pagamento em questão, ofende os preceitos da Constituição Estadual e da Constituição Federal, e não pode prevalecer.
Logo, sob tal perspectiva, a Mesa da Assembléia Legislativa não pode praticá-lo.
Sob outro ângulo, é de se ponderar que o sistema remuneratório de subsídio não exclui a possibilidade de pagamento de verbas indenizatórias, que objetiva a reposição de gastos efetuados pelo agente político com o exercício da função, que deveriam ser custeados pelo Poder por ele integrado, e que não se confundem com a remuneração.
Em parecer ofertado à Assembléia Legislativa de Minas Gerais, e que envolvia questão relacionada, Ives Gandra da Silva Martins cuidou de apartar e esclarecer os conceitos de remuneração e indenização.
Indenização é reposição de valor de bem material ou imaterial quantificável, que já pertencia ao indenizado, não sendo, portanto, acréscimo patrimonial lato sensu. O bem material ou imaterial perdido é reposto pela indenização que, embora, na maioria dos casos, revista-se de forma pecuniária, de rigor, recompõe a totalidade do patrimônio atingido.
Remuneração é contraprestação por serviço ou trabalho, apenas deste tipo de subsídio tendo o constituinte cuidado, na disposição constitucional (Subsídios de deputados estaduais, verbas indenizatórias e limites constitucionais, in Revista do TRF 1.ª Região janeiro/2002, p. 20-33).
A verba discutida nos autos, é fácil perceber, é desprovida de caráter indenizatório, pois, no rigor das coisas, apenas e tão somente remunera o trabalho parlamentar.
Não é por outra razão que é paga ao início da sessão legislativa tão só pelo seu termo inicial, independentemente de qualquer condição, e, depois, ao final, é paga sob condição da frequência mínima a 2/3 das sessões. Não é apenas a exigência da frequência que revela o caráter remuneratório da verba, mas também o quantitativo mínimo exigido e que, reversamente, permite o recebimento da verba sem comparecimento, isto, é, sem a realização de despesas com o efetivo exercício do mandato legislativo.
E tal haveria de ser a razão de ser do pagamento nos exatos termos do já citado § 2.º do art. 88 do Regimento Interno da Assembléia Legislativa, assim redigido:
§ 2.º Considera-se ajuda de custo a compensação de despesa com transporte e outras imprescindíveis para o comparecimento à sessão legislativa ordinária ou à sessão decorrente de convocação extraordinária.
Logo, a evidência é própria da luz solar, não há como compreender-se que a verba discutida nos autos tenha caráter indenizatório, e possa ser paga em acréscimo ao subsídio mensal em parcela única.
Deste modo, também sob o relevante ângulo da natureza da verba em questão, que se afigura em exame preliminar desprovida de qualquer caráter indenizatório, o seu pagamento não se sustenta.
Por fim, é ainda de se ponderar, com reserva de maior aprofundamento de tais pontos para o momento da sentença, que é pago o Auxílio Encargos Gerais de Gabinete de Deputado, nos termos da Resolução n.º 822/01, e que como argumentado na inicial compreende despesas supostamente indenizadas com a ajuda de custo discutida nos autos, evidenciando-se aparente duplicidade de pagamentos, e, ainda, que a indeterminação do conceito de despesas imprescindíveis, como contido no § 2.º do art. 88 do Regimento Interno, aparentemente desprovê a vantagem em questão de fundamento racional, tudo em desfavor do princípio da moralidade administrativa e da exigência da razoabilidade, que cumpre acautelar.
Assim, evidencia-se a relevância do direito afirmado na inicial, o que impede o pagamento da ajuda de custo discutida.
Em sua manifestação preliminar a Mesa da Assembléia Legislativa não trouxe qualquer argumento relevante que conduzisse o juízo a conclusões diversas das que acima foram expostas, de modo que não cabe seu acolhimento para o fim de impedir a medida antecipatória postulada pelo Ministério Público.
Cabe considerar que o argumento de que a verba deve ser paga porque a Câmara Federal paga é desprovido de razoabilidade, lógica e coerência. A matéria em análise não é o que outrem faz, e a redação do art. 27, § 2.º, da Constituição Federal não permite identificar qualquer possibilidade de replicar acréscimos remuneratórios ou pagamento de verbas indenizatórias tão só por conta da simetria entre as funções legislativas nas diversas esferas de governo: basta a tanto considerar que, já na partida, o texto constitucional limita os vencimentos dos deputados estaduais ao máximo de 75% dos vencimentos dos deputados federais. E os componentes da remuneração, ao contrário do afirmado, são aqueles dados nos textos constitucionais, sob a regência do já reconhecido sistema de subsídio em parcela única, que não compreende ajuda de custo de qualquer espécie, e não no invocado ato administrativo interno da Câmara Federal que lá institui semelhante vantagem.
Cabe também considerar que o exame da inconstitucionalidade do pagamento da verba discutida neste exame inicial não é impossível ou inadequado como pareceu à Mesa da Assembléia em suas informações preliminares. Os vícios reconhecidos se evidenciam de modo manifesto, e a existência de lei sobre o tema não confere higidez material ao pagamento discutido, de modo que se impõe o controle judicial reclamado pelo autor, ainda que incidente sobre quem detenha a competência legislativa para mudar a situação apurada.
(b) Quanto ao segundo ponto na inicial, relativo à vantagem das convocações extraordinárias, é de se ponderar, diante do alegado nas informações preliminares, e do contido no documento de fl. 57, que a verba foi extinta ou não vem sendo paga, de modo que o pedido antecipado não precisa ser analisado.
Assim, o pedido inicial deve ser deferido parcialmente, e ainda porque não é possível ao juízo inibir futura iniciativa e processo administrativo ou legislativo sobre a ajuda de custo discutida nos autos. Observo que não há necessidade da requerida fixação de multa cominatória, posto que nada indica ou poderia levar a crer o descumprimento da decisão.
Pelo exposto, concedo parcialmente a antecipada a fim de determinar à Mesa da Assembléia Legislativa que não ordene ou pague a ajuda de custo discutida nos autos, e à Fazenda Pública do Estado de São Paulo que não disponibilize sob qualquer fundamento o dinheiro do orçamento público para fazer frente às despesas respectivas.
Citem-se e notifique-se.
São Paulo, 10 de novembro de 2011.
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