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A lenta informatização da Justiça

O caderno Link do jornal O Estado de S. Paulo

Da Redação

segunda-feira, 18 de julho de 2005

Atualizado às 08:57


Informatização


O caderno Link do jornal O Estado de S. Paulo de hoje traz reportagem sobre a lenta informatização da Justiça. Segundo a matéria, o TJ/SP começou em 2002 a informatizar sua infra-estrutura, mas processo virtual ainda é um sonho distante. Leias abaixo a íntegra da reportagem.

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A lenta informatização da Justiça

 

Tribunal de Justiça de SP começou em 2002 a informatizar sua infra-estrutura, mas processo virtual ainda é um sonho distante

 

"Caixa Preta, lenta, estática, distante da população, poderosa." Esses são apenas alguns dos adjetivos e expressões atribuídos à Justiça pela população, segundo uma pesquisa realizada no ano passado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A imagem do Judiciário está manchada, e na última década pouco foi feito para reverter esse quadro. Diante do estrago, uma palavra mágica surge como solução para todos os males: "Informatização".

 

Que esse é um caminho irreversível não há dúvidas. A questão é saber aonde se pretende chegar como uso da tecnologia. As possibilidades abertas pela informática são muitas. Desde a substituição das velhas fichinhas de papel que registram entrada e saída dos autos, até a total virtualização do processo - um cenário em que advogados atuam pela internet, juízes sentenciam no computador e todos os documentos que compõem a ação são digitalizados. Em tese, qualquer procedimento do Judiciário pode ser informatizado.

 

Na prática, no entanto, ainda parece distante o dia em que as centenas de pastas de papel que entopem as prateleiras dos cartórios se transformarão em pastas no disco rígido de um computador. Isso porque não existe no Brasil legislação que regulamente a prática processual por via eletrônica.

 

Quando um advogado entra com uma ação ou encaminha documentos para a apreciação do  juiz, a lei obriga que ele (ou um representante seu) faça isso pessoalmente, no balcão do Fórum. Ou seja, para serem "oficiais", os documentos precisam existir fisicamente. É nesse contexto que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ) iniciou, no final de 2002, a informatização de sua infra-estrutura. Ainda em processo de implantação, o projeto já apresenta alguns resultados.

 

O mais visível é um portal na internet (www.tj.sp.gov.br), que permite o acompanhamento  online do andamento de processos na Justiça. Responsável por desenvolver e implantar todos os sistemas, a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp) diz ter como objetivo criar um ambiente que permita a troca de banco de dados e documentos entre as diferentes áreas do Judiciário, a polícia e outros órgãos públicos, como o Banco Central.

 

Já totalmente informatizado, o Fórum Criminal da Barra Funda serve de exemplo de como funcionará essa rede. Lá está em operação o Sistema de Inteligência da Informação (Intinfo), um dos programas que compõem o projeto da Prodesp. Por meio dele, os juízes das varas criminais terão acesso a todas as informações judiciais de quem já foi condenado no Estado, inclusive com fotos e digitais de cada um deles. O sistema também permitirá a realização de audiências a distância.

 

TJ começa a azeitar engrenagens

 

Capital e 115 comarcas do interior já passaram pelo processo de informatização, previsto para terminar no fim do ano

 

Essencial para o bom funcionamento de qualquer serviço público ou privado que tenha centenas de prédios espalhados por todo o Estado, a informatização ainda é uma novidade na Justiça paulista.

 

Não poderia ser diferente: foram anos sem dinheiro no orçamento para a compra de equipamentos e a contratação dos serviços necessários para interligar as 257 comarcas que formam o Judiciário do Estado.

 

Comarca é a região de atuação de um juiz. "O Poder Judiciário de São Paulo demorou muito para colocar em prática esse projeto devido à falta de verba específica para esse fim", explica o juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ), Alexandre Carvalho e Silva.

 

Essa realidade só começou a mudar em 2003, com uma alteração na lei de fomento do Fundo de Modernização do Judiciário  e a assinatura de um convênio com a Caixa Econômica Federal.

 

Agora, o TJ prepara a sua entrada no século 21. Eleita prioridade número um da atual gestão pelo presidente do Tribunal, desembargador Luiz Elias Tâmbara, a informatização, prevista para ser executada em três fases, já passou por mais de 115 comarcas do interior. Na capital, todas já estão no sistema.

 

A primeira etapa do projeto - já praticamente concluída - foi o desenvolvimento de uma infra-estrutura de rede de mais de 32 mil pontos espalhados por  todo o Estado. Em fase de execução, a segunda etapa tem como prioridade conectar os mais de 520 prédios do Judiciário paulista ao ambiente de rede da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp). Uma vez interligados e com acesso à internet, os fóruns podem realizar uma série de tarefas online, como transmissão eletrônica de documentos, vídeo audiências e comunicação com órgãos externos.

 

Processos digitalizados

 

Caminhando paralelamente à segunda etapa, a terceira visa a permitir a troca de "papéis" pela rede, o que implicará a distribuição de scanners e leitores de código de barra para os departamentos que trabalharão como conceito de processo digital, ou paperless (sem papel).

 

Responsável da Prodesp pelo projeto de informatização, Paulo Roberto Galvão explica que os processos de baixa complexidade receberão uma tecnologia  específica para a total eliminação do papel. "Os processos de origem fiscal, por exemplo, serão virtuais desde a hora em que começam até o seu encerramento," conta.

 

Processos mais complexos, no entanto, ainda passam ao largo da digitalização total. Assessor do TJ que cuida do projeto de informatização, o juiz Silva explica os entraves impostos à criação de um processo paperless: "Para formar seu convencimento, o desembargador que julga um recurso na segunda instância, por exemplo, precisa ter acesso a todas as fases do processo. Além disso, o advogado ou o juiz, na sessão de julgamento, podem querer folhear os autos." Mas por que não transformar toda essa papelada em bits? "A informática não permite que fujamos da burocracia", responde o juiz. Segundo ele, todos os procedimentos impostos pelas leis processuais são obrigatórios, e isso significa a existência física de uma série de documentos imprescindíveis ao processo.

 

Mesmo distante de um processo 100% virtual, a chegada da informática ao Tribunal de Justiça de São Paulo trará mudanças significativas para o funcionamento interno do Judiciário. Para o cidadão, o impacto deve ser perceptível na redução do tempo de tramitação dos processos na Justiça.

 

De acordo com estimativas internas do TJ, a expectativa é de que, com a finalização do projeto, a quantidade de trabalho executado pelos funcionários do tribunal diminua em até 30%. Com menos tarefas, sobraria tempo para dar celeridade ao andamento dos autos. "O projeto tem como objetivo possibilitar que os advogados possam consultar os processos sem ir ao cartório. Esperamos com isso otimizar o trabalho do cartorário. Hoje, o escrevente tem de parar tudo o que está fazendo para atender aos advogados", exemplifica o juiz assessor da presidência.

 

Outra medida que deve dar maior celeridade aos processos é a utilização do meio eletrônico para a comunicação entre as diferentes áreas da Justiça estadual e delas com órgãos externos.

 

Assim, os juízes do interior, que antes tinham que expedir ofícios para levantar informações ou fazer requerimentos em outras comarcas ou em órgãos com sede na capital, por exemplo, passam a fazer esse tipo de operação pela rede. Galvão exemplifica: "Um juiz pede que um preso vá depor. Nas comarca que ainda não foram informatizadas, ele é obrigado a enviar ofícios, via correio, para vários presídios, pois muitas vezes não se sabe onde o réu está preso. Com a informatização, o juiz terá acesso ao sistema da administração penitenciária e poderá enviar a requisição diretamente para o diretor da unidade prisional correta."

 

Outro sistema importante para a justiça criminal, o Intinfo, permitirá a integração das  informações da Polícia Civil, da administração penitenciária, do Ministério Público e do Judiciário. Por meio dele, o juiz poderá consultar a ficha de antecedentes do réu e saber se ele responde por outros crimes.

 

Para viabilizá-lo, serão instalados nos fóruns máquinas fotográficas digitais e aparelhos para a coleta da impressão digital. O prazo para a conclusão da instalação de infra-estrutura no interior é final de agosto. "Na área judicial, pretendemos estar com tudo finalizado até o final deste ano", completa Galvão.

 

 

Certificação digital deve evitar fraudes

 

Mas padrão adotado pela Tribunal de Justiça de São Paulo não agrada a advogados

 

Mesmo com todos os avanços que a informatização pode trazer para o funcionamento da Justiça, o processo virtual continua sendo uma realidade distante. E não é por falta de tecnologias disponíveis para viabilizá-lo, mas, sim, devido à inexistência de uma lei que regularize essa informatização.

 

Dentre as indefinições que deram origem a esse imbróglio, está a falta de consenso acerca do sistema que garantirá a inviolabilidade e autenticidade dos documentos trocados entre advogados e o Judiciário. Enquanto a lei que definirá as regras do processo virtual não sai, acrescente informatização dos tribunais de todo o País obriga a escolha de mecanismos de segurança para a comunicação entre as diferentes áreas do Judiciário, e dessas com advogados e órgãos externos.

 

E a assinatura e certificação digital parece ser o padrão preferido de nove em cada dez especialistas no assunto. A assinatura digital serve para codificar o documento de forma que ele não possa ser lido ou alterado por pessoas não autorizadas. Já a certificação é uma espécie de "cartório virtual", que garante a autenticidade dessa assinatura.

 

Na prática, funciona assim: um indivíduo ou empresa procura por uma autoridade certificadora para retirar um par de chaves, uma que será pública e outra que será privada.Coma privada, esse indivíduo ou empresa criptografa e assina seus documentos.

 

Como a decodificação só pode ser feita por quem tema chave pública, ela precisa ser  distribuída entre os possíveis leitores desses documentos. Assim como já acontece em outros tribunais brasileiros, o projeto do Tribunal de Justiça de São Paulo adota o padrão ICP-Brasil ara a emissão do par de chaves. O ICP-Brasil é uma autoridade certificadora ligada ao governo federal. Ou seja, trata-se do órgão responsável por definir as metodologias que caracterizam o mecanismo de certificação digital adotado pela maioria das entidades públicas do país.

 

Isso significa que, assim que for implantado um sistema para o recebimento de documentos eletrônicos no TJ paulista, os advogados que quiserem atuar a distância perante o Tribunal terão que adquirir uma chave emitida por essa entidade.

 

E isso não tem agradado em nada a OAB. Responsável legal tanto por conceder quanto por suspender ou cancelar a habilitação que autoriza a atuação dos advogados no País, a entidade vê nessa opção um equívoco. O risco, sustenta o diretor de informática jurídica da Ordem, Augusto Marcacini, é que o único órgão capaz de atualizar diariamente a condição legal dos advogados (o que significa conferir nome, número de Ordem e informações quanto a suspensões e exclusões), é a própria OAB. A entidade - que também possui uma autoridade  certificadora, a ICP-OAB - vê a escolha do TJ como inconstitucional. "A tecnologia não pode ser usada para suplantar as leis do País. O único órgão que pode dizer se o indivíduo é ou não advogado é a OAB," afirma Marcacini.

 

Entidades consideram videoaudiência ilegal

 

Juízes do Fórum Criminal da Barra Funda já realizam interrogatórios a distância

 

Assim como as discussões sobre o modelo de certificação digital, o uso de sistemas de videoconferência para a realização de audiências a distância também tem dividido opiniões de magistrados e advogados.

 

Batizado de videoaudiência, o sistema já é usado, em caráter experimental, no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.

 

"A polêmica em torno das videoaudiências existe por que elas não estão previstas na lei. Mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já julgou alguns casos em que o interrogatório foi feito desta forma. E não foi considerado ilegal",  afirma o assessor do Tribunal de Justiça de São Paulo, juiz Alexandre Carvalho e Silva.

 

Defensor da prática, Silva pensa que o sistema de videoconferência deve ser adotado para audiências com presos de alta periculosidade, pois, além de evitar fugas, extinguiria os gastos com a mobilização de grandes contingentes policiais para o deslocamento do réu.

 

Para advogados, no entanto, o procedimento deve ser considerado ilegal, pois o Código de Processo Penal brasileiro determina que o réu esteja presente nas audiências.

 

E parte dos juízes endossam essa linha. O presidente do conselho executivo da Associação dos Juízes para a Democracia, Marcelo Semer, sustenta que as videoaudiências ferem direitos individuais. E dá um exemplo de como a prática pode prejudicar oréu: "Nas audiências é comum os presos reclamarem de maus-tratos cometidos nos presídios. Se ele está no local em que sofreu o abuso e tem que encarar seus algozes assim que sair da audiência, acho difícil que tenha coragem de fazer a denúncia".

 

Advogados criticam informatização

 

Principal alvo é o portal do Tribunal de Justiça, que não disponibiliza online informações oficiais sobre os casos em andamento

 

Colocada em prática tardiamente, quando comparada a iniciativas de Tribunais Superiores e de outros Estados, a informatização do Poder Judiciário de São Paulo é alvo das primeiras críticas entre os advogados.

 

"Temos visto alguns erros e enganos na implantação do projeto", alerta o diretor da comissão de informática da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) paulista, Augusto Marcacini.

 

Além da discussão acercado modelo de certificação digital adotado pelo Tribunal de Justiça (TJ), essas ressalvas referem-se quase sempre à qualidade dos serviços prestados pelo portal da entidade.

 

Apesar de considerar que a "informatização do TJ está caminhando a passos largos", para Marcos André Franco Montoro, do escritório José Carlos de Magalhães Advogados, a navegação no site do tribunal é excessivamente complicada. "A apresentação está muito carregada. Não é um site muito amigável", diz, destacando que o mecanismo de busca dos processos obriga o usuário a passar por várias páginas até chegar ao resultado desejado.

 

Assim como outros profissionais ouvidos pelo Link, Montoro conta que ainda não é possível utilizar exclusivamente as informações disponíveis no site." Nossos estagiários acompanham 'in loco' o andamento de todos os processos do escritório, pois, além de incompleto, o conteúdo do portal ainda não é oficial", explica.

 

Ainda que seja uma promessa do TJ disponibilizar o inteiro teor das decisões judiciais na internet, a advogada Glaucia Lauletta Frascino, do Matos Filho Advogados, chama a atenção para o fato de que os maiores escritórios de advocacia do País alcançaram um alto nível de  informatização antes mesmo do Poder Judiciário: "Hoje, escritórios como aquele em que trabalho oferecem para os clientes, em suas páginas na web, o acesso total não só ao andamento dos processos, como ao conteúdo integral dos autos, digitalizados."

 

Mas há também elogios à iniciativa do tribunal. Responsável pelo contencioso cível do Demarest e Almeida Advogados, Ulysses Eclisato Neto lembra que há poucos anos nem  os andamentos dos processos estavam disponíveis na internet. "Por mais que não sejam  oficiais, as informações na web ajudam a descongestionar os cartórios,  pois é possível  avaliara necessidade de se mandar o estagiário para o Fórum.

 

Não dá para comparar com outros Estado sem que o judiciário foi totalmente informatizado, mas nós sentimos que o projeto do TJ não será apenas substituir a máquina de escrever",  avalia.

 

Processo virtual já existe em juizados

 

Juizados Especiais Federais fazem experiências com o "e-processo"

 

Enquanto a legislação que regularizará a informatização dos processos judiciais não sai,  experiências pioneiras em todo o Brasil dão mostras de que a informática pode ser usada sem medo na aplicação da Justiça.

 

Concebidos para "informalizar" o acesso ao Judiciário e amparados por uma legislação que permite a comunicação eletrônica entre Justiça e advogados, parte dos Juizados Especiais Federais (JEFs) do País já trabalham com um processo 100% virtual.

 

A Justiça Federal é responsável por julgar as ações que têm a União Federal, suas autarquias, fundações e empresas públicas como autoras ou rés. O objetivo dos JEFs é proporcionar julgamentos mais rápidos e simplificados para as causas cíveis de pequeno valor (até 60 salários mínimos), ou para os crimes de menor potencial ofensivo (com penas de até dois anos de Reclusão).

 

No JEF da 5ª região (Nordeste), por exemplo, todas as ações são tratadas de maneira virtual do momento em que são criadas até a sua extinção.

 

Para isso, o Juizado criou um sistema que, segundo o juiz federal da 8ª Vara do Rio Grande do Norte, George Marmelstein Lima, assemelha-se muito na aparência com um webmail. Nele, juízes e advogados fazem tudo pela internet, através de login e senha. "Ao invés de folhear o processo, o juiz ou advogado acompanha tudo pelo computador," afirma o magistrado.

 

Lima explica que os documentos, produzidos pelos advogados em arquivos de Word, são anexados ao processo direto pela página da web. Para os advogados que se recusam ou não têm condições de utilizar o computador - e, segundo o juiz, isso é mais freqüente do que se possa imaginar -, a digitalização é feita através de scanners.

 

A partir daí, tudo acontece dentro do sistema. Até as audiências, que continuam exigindo a presença física das partes, têm seu áudio gravado em formato MP3 e anexado ao processo virtual. No entanto, Lima não deixa de fazer ressalvas à adoção desse sistema. Além dos riscos de fraude, o juiz alerta para a questão da exclusão digital. "Apesar de todos os benefícios trazidos pela informatização, sem uma política séria de inclusão digital, o abismo entre o povo e a Justiça será ainda maior", declara.

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Fonte: O Estado de S. Paulo, 18/7/2005.

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