Empresa é condenada por veicular anúncio de revista masculina em outdoors
A 2ª câmara de Direito Público do TJ/SC manteve sentença da comarca de Blumenau que condenou Scata Painéis Ltda. ao pagamento de multa no valor de três salários-mínimos, pela infração administrativa prevista no art. 78 do ECA.
Da Redação
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Atualizado às 09:17
Multa
Empresa é condenada por veicular anúncio de revista masculina em outdoors
A 2ª câmara de Direito Público do TJ/SC manteve sentença da comarca de Blumenau que condenou Scata Painéis Ltda. ao pagamento de multa no valor de três salários-mínimos, pela infração administrativa prevista no art. 78 do ECA (clique aqui).
O Conselho Tutelar ajuizou ação devido a outdoors espalhados pelas ruas daquela cidade, com anúncio da edição de dezembro de 2006 da revista Playboy, contendo foto da atriz e modelo Karina Bacchi, despida e em pose sensual, com a seguinte legenda: "Papai Noel não vai acreditar que ela existe."
O art. 257 do ECA prevê aplicação de multa no caso de descumprimento do disposto no art. 78:
"As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo."
A empresa, em contestação, disse que não tem responsabilidade alguma pelo conteúdo do material publicitário, e acrescentou que apenas veiculou o anúncio.
"Não se trata de falso moralismo, mas sim do cumprimento de vedação legal defluente de princípio constitucional. Compete, por isso, às agências publicitárias recusar a veiculação de publicações de teor impróprio para menores, sob pena de se sujeitarem às consequências do seu proceder", apontou o dsembargador João Henrique Blasi, relator da matéria.
Quanto à responsabilidade da empresa, o magistrado anotou que o sujeito ativo da infração "poderá ser tanto o editor da revista ou publicação, quanto o comerciante que a vende". A votação foi unânime.
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Processo : 2008.020993-2 - clique aqui.
Veja abaixo o acórdão.
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Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2008.020993-2, de Blumenau
Relator: Des. João Henrique Blasi
APELAÇÃO. REPRESENTAÇÃO DEDUZIDA POR CONSELHO TUTELAR. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA PREVISTA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). VEICULAÇÃO, EM OUTDOOR, DE ANÚNCIO DE REVISTA MASCULINA PROTAGONIZADO POR MODELO DESPIDA E EM POSE SENSUAL. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 78 E 257 DO ECA. PROTEÇÃO DOS INFANTES EM RAZÃO DA CONDIÇÃO ESPECIAL DE PESSOAS EM PROCESSO DE FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E DO CARÁTER. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA MANTENEDORA DOS ENGENHOS PUBLICITÁRIOS CARACTERIZADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Em razão da tutela constitucional assegurada à criança e ao adolescente, pessoas em pleno processo de formação de sua personalidade e caráter, o Estatuto que lhes é próprio (ECA - Lei n. 8.069/90), em seu art. 257, traz previsão expressa de aplicação de multa no caso de descumprimento do disposto no art. 78, ao estatuir que "as revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo". No caso vertente, não restam dúvidas de que a representada, empresa responsável pela veiculação, em outdoor, de anúncio de revista masculina que estampa modelo despida em pose sensual, praticou a conduta ilícita descrita na representação, não se divisando causa eximente de sua responsabilidade, ademais do que não restou demonstrado que a publicidade invectivada contasse com autorização do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - Conar.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2008.020993-2, da comarca de Blumenau (Vara da Infância e Juventude), em que é apelante Scata Painéis Ltda, e apelado o Conselho Tutelar de Blumenau:
A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Newton Janke, Presidente, e Ricardo Roesler.
Florianópolis, 6 de setembro de 2011
João Henrique Blasi
RELATOR
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta por Scata Painéis Ltda., representada pelo Advogado Sérgio Fernando Hess de Souza, em face de sentença proferida pelo Juiz Leandro Katscharowski Aguiar (fls. 60 a 65), que julgou procedente representação oferecida pelo Conselho Tutelar de Blumenau e condenou-a ao pagamento de multa da ordem de 3 (três) salários mínimos, no valor vigente à época do fato, pela prática da infração administrativa prevista no art. 78 c/c o art. 257, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).
Referida representação dimana de publicação, levada a efeito em espaço público, via outdoor, de anúncio da edição natalina de 2006 da Revista Playboy, contendo foto da atriz e modelo Karina Bacchi, despida e em pose sensual, com a seguinte legenda: "Papai Noel não vai acreditar que ela existe." (fl. 4).
Irresignada com a penalidade, a apelante sustenta que não tem responsabilidade alguma pelo conteúdo do material publicitário e que a mensagem anunciada está cônsona com as regras estabelecidas pelo Conar - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (fls. 71 a 75).
O Ministério Publico do Estado, pela Promotora de Justiça Jayne Abdala Bandeira, deduziu contrarrazões (fls. 77 a 80).
Lavrou parecer o Procurador de Justiça Odil José Costa, opinando pelo desprovimento do recurso (fls. 86 a 89).
Por tratar-se de infração administrativa ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o Desembargador Torres Marques, integrante de Câmara Criminal, a quem o feito foi originariamente distribuído, determinou sua remessa a uma das Câmaras de Direito Público (fls.84 e 91 a 93).
Vieram-me, então, conclusos os autos.
É o relatório.
VOTO
Preambularmente, é de ser admitida a competência desta Câmara, dada sua especialização em Direito Público, por força de imperativo regimental, para o julgamento do recurso apelatório sob exame.
A controvérsia que emerge dos autos consiste em verificar a presença --- ou não --- de infração administrativa, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, na veiculação de anúncio publicitário de revista destinada ao público masculino adulto, contendo fotografia de modelo despida e em pose sensual.
É certo que, ao mesmo tempo em que garante o direito à liberdade de expressão, a Constituição Federal estabelece mecanismos assecuratórios de condições dignas de existência a crianças e adolescentes. Veja-se, a propósito, o disposto no seu art. 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim, ante a colisão entre esses direitos fundamentais, a prevalência deve ser dada àquele que milita em prol da criança e do adolescente, cuja dignidade e respeito devem ser assegurados pela família, pela sociedade e pelo Estado, dada a vulnerabilidade deles, considerando cuidar-se de pessoas em pleno processo de formação de sua personalidade e caráter.
Para dar concreção ao direitos fundamentais dos infantes, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
[...]
Art. 257. Descumprir obrigação constante dos arts. 78 e 79 desta Lei:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, duplicando-se a pena em caso de reincidência, sem prejuízo de apreensão da revista ou publicação.
Ora, se o Estatuto da Criança e do Adolescente traz previsão expressa de imposição de multa no caso de descumprimento do previsto no seu art. 78, qual seja a colocação de embalagem opaca em capa de revistas e publicações assemelhadas que veiculem mensagens pornográficas ou obscenas, é certo que a mesma reprimenda faz-se também aplicável quando material publicitário com o mesmo conteúdo tem maior amplitude e acesso, como sói ocorrer com o outdoor.
Dito de outro modo: se é vedada a veiculação de revista ou publicação quejanda, que contenha mensagem pornográfica ou obscena, tanto que deve ser protegida por embalagem opaca, também o é, a fortiori, a exibição de outdoor, portando a mesma mensagem, haja vista sua exposição pública a todos quantos diante dele circulem, entre os quais crianças e adolescentes.
Não se trata de falso moralismo, mas sim do cumprimento de vedação legal defluente de princípio constitucional.
Compete, por isso, às agências publicitárias recusar a veiculação de publicações de teor impróprio para menores, sob pena de se sujeitarem às consequências do seu proceder.
Desse modo, bem argumentou o magistrado sentenciante, ao dizer:
A materialidade da infração noticiada nos autos encontra-se suficientemente demonstrada pela fotografia acostada à fl. 04, na qual é possível vislumbrar a linda modelo Karina Bacchi inteiramente nua, exibindo seus exuberantes dotes físicos em pose sensual. A propósito, só não estava mais nua porque calçava uma sandália e usava em seu braço esquerdo um conjunto de pulseiras.
Já a autoria pode e deve ser atribuída à empresa requerida que, conforme observo do depoimento de seu representante à fl. 57, não contesta a afixação do referido anúncio.
Nesse contexto, rejeito o argumento de que a requerida, na qualidade de prestadora de serviços, não pode ser responsabilizada por campanha publicitária promovida pela Editora Abril, sua cliente, um vez que, consoante a inteligência do art. 78 do ECA, o sujeito ativo da infração em apreço "poderá ser tanto o editor da revista ou publicação, quanto o comerciante que as vende" (Wilson Donezite Liberati. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários. Distrito Federal. IBPS, 1991, p. 182), assim compreendida também as agências responsáveis pela divulgação.
Dai porque não é suficiente para se eximir de responsabilidade a alegação da requerida de que desconhecia o conteúdo do anúncio, pois sendo a responsável direta pela colocação do outdoor, competia-lhe verificar se o material encaminhado por sua cliente era impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes. Trata-se de um dever de cuidado (objeto) inerente à atividade que desenvolve.
[...]
Como leciona René Ariel Dotti, "a infração administrativa em exame é de simples desobediência, não carecendo de comprovação de dano real ou potencial para ser tida consumada. Basta a simples voluntariedade no sentido de agir em contradição com as normas dos aludidos dispositivos. O perigo de dano, portanto, é presumido" (Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 7ª ed. Coord. Munir Cury. São Paulo: Malheiros. p. 839).
Pois bem. Analisando os elementos do tipo, tenho que a empresa requerida, ao exibir outdoor contendo a imagem da modelo Karina Bacchi, nua, infringiu a regra de conduta prevista no art. 78 do ECA, cujo objetivo, segundo a lição de Wilson Donizeti Liberati, "é proteger a formação moral, psíquica e intelectual da criança e do adolescente" (Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 228-229).
Conforme mencionou o MM. Juiz de Direito, Dr. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, em sua liminar (fls. 07/12), outdoor não é revista, mas etimologicamente pode ser considerada publicação.
[...]
Cumpre salientar que o conteúdo da "Playboy" é considerado, pelos órgãos administrativos competentes, impróprio ou inadequado a criança e adolescentes, tanto que a revista vem comercializada em embalagem lacrada. A desnecessidade de proteção com embalagem opaca justifica-se pelo fato de, até então, suas capas - e o mesmo raciocínio vale aos seus anúncios publicitários - não esporem a nudez das modelos fotografadas, diferentemente do que ocorreu na hipótese focalizada, em que não é preciso abrir a revista para se ver a garota da capa completamente pelada, ainda que, com sua pose sensual, esconda a genitália. (fls. 61 a 64)
No caso vertente, não restam dúvidas de que a representada, empresa responsável pela veiculação, em outdoor, de anúncio de revista masculina que estampa modelo despida em pose sensual, praticou a conduta ilícita descrita na representação, não se divisando causa eximente de sua responsabilidade, ademais do que não restou demonstrado que a publicidade invectivada contasse com autorização do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - Conar.
Voto, portanto, pela manutenção da sentença.
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