STJ afirma que boletim de ocorrência basta para ação com base na lei Maria da Penha
O registro de ocorrência perante autoridade policial serve para demonstrar a vontade da vítima de violência doméstica em dar seguimento à ação penal contra o agressor, conforme dispõe a Lei Maria da Penha. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e unifica o entendimento da Corte sobre o tema.
Da Redação
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Atualizado em 6 de setembro de 2011 16:54
Violência doméstica
STJ afirma que boletim de ocorrência basta para ação com base na lei Maria da Penha
O registro de ocorrência perante autoridade policial serve para demonstrar a vontade da vítima de violência doméstica em dar seguimento à ação penal contra o agressor, conforme dispõe a lei Maria da Penha (11.340/06 - clique aqui). A decisão é da 6ª urma do STJ e unifica o entendimento da Corte sobre o tema.
Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, a lei não exige requisitos específicos para validar a representação da vítima. Basta que haja manifestação clara de sua vontade de ver apurado o fato praticado contra si. Por isso, foi negado o HC. O entendimento é aplicado também pela 5ª turma do STJ.
A denúncia havia sido rejeitada pela falta de representação, o que foi revertido pelo TJ/DF. O réu é acusado de violência doméstica (artigo 129, parágrafo 9º do CP - clique aqui) e ameaça (artigo 147), em tese, praticados contra sua irmã. Para a defesa, seria necessário termo de representação próprio para permitir que o MP desse seguimento à ação penal.
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Processo Relacionado : HC 101.742 - clique aqui.
Veja abaixo o acórdão.
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HABEAS CORPUS Nº 101.742 - DF (2008/0052679-0)
RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : LUÍS CLÁUDIO VAREJÃO DE FREITAS - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
PACIENTE : E.N.A.
EMENTA
HABEAS CORPUS . VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES CORPORAIS LEVES. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE DE RIGOR FORMAL. ORDEM DENEGADA.
1. Esta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de que a representação é um ato que dispensa formalidades, não sendo exigidos requisitos específicos para sua validade, mas apenas a clara manifestação de vontade da vítima de que deseja ver apurado o fato contra ela praticado.
4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília, 22 de agosto de 2011(Data do Julgamento)
Ministra Maria Thereza de Assis Moura
Relatora
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de E.N.A., impugnando acórdão da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que, acolhendo recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, contra decisão que rejeitou a denúncia por falta de representação da vítima, determinou o exame dos demais requisitos daquela peça acusatória pelo magistrado.
Informa o impetrante que o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 129, § 9º, e 147 caput, ambos do Código Penal.
Diz ainda que o acórdão proferido pelo tribunal a quo fundamentou sua decisão no fato de que não é necessária fórmula sacramental para a representação da vítima, bastando a sua manifestação inequívoca.
Alega o impetrante que a lavratura de boletim de ocorrência não é suficiente para configurar a inequívoca vontade de representação da vítima, sendo que, de acordo com a Lei n.º 11.340, seria necessário tomar a representação a termo.
Desta forma, pugna pela reforma do acórdão que cassou a decisão monocrática para que não seja recebida a denúncia oferecida pelo Ministério Público.
Foram prestadas informações às fls. 30/29.
O Ministério Público Federal manifestou-se, em parecer de lavra do Procurador-Geral da República Alcides Martins, pela denegação da ordem.
Diante das informações prestadas pelo 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de que "ao réu foi concedido o benefício da suspensão condicional do processo, no dia 3/3/2009, submetendo-o ao período de prova de 2 (dois) anos" (fl. 58), determinei fosse a Defensoria Pública intimado para se manifestar sobre o interesse no prosseguimento do feito.
O impetrante, através da Petição nº 00299790/2010 (fl. 69), pugnou pelo devido processamento do feito.
É o relatório.
VOTO
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):
Por meio do presente writ, busca-se a reforma do acórdão para que seja restabelecida decisão de primeiro grau que não recebeu a denúncia, ao argumento de que falta condição essencial de procedibilidade resultante da ilegitimidade do Ministério Público para propor a ação penal, porquanto não haveria representação por parte da ofendida.
No caso, disse o Tribunal de Justiça (fls. 22/23):
O crime de lesões corporais praticado contra a mulher, no âmbito familiar, depende de representação. Não se trata, como pretende a Promotoria de Justiça, de crime de ação pública incondicionada, uma vez que a Lei nº 11.340/6, em seus arts. 12 e 16, menciona a necessidade do oferecimento de representação por parte da ofendida.
Ocorre, porém, que apesar de não haver termo de representação nos autos, houve clara vontade da ofendida de ver o recorrido responder pelo crime praticado, conforme demonstram a Comunicação de Ocorrência Policial (fls. 25/27), de que resultou na prisão em flagrante do recorrido, e o Termo de Requerimento por Medidas Protetivas juntado às fls. 29/30.
O policial Ernani Gonçalves Barbosa afirmou, durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, que a vítima se dirigiu ao posto policial e disse que havia sofrido agressões físicas praticadas por seu irmão, tendo mostrado lesões em várias partes do corpo, comprovadas pelo laudo de exame de corpo de delito de fls. 22.
Conforme ressaltado pela Procuradoria de Justiça, em seu parecer, a representação não depende de fórmula sacramental, entendimento, aliás, sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça no RHC nº 14.321 (Ministro Carlos Fernando Mathias - DJ de 17/9/7, pág. 355), no HC nº 66.713 (Ministro Felix Fischer - DJ de 27/8/7, pág. 279) e no HC nº 44.570 (Ministro Paulo Gallotti - DJ de 12/6/6, pág. 544).
Sobre o tema, esta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de que a representação é um ato que dispensa formalidades, não sendo exigidos requisitos específicos para sua validade, mas apenas a clara manifestação de vontade da vítima de que deseja ver apurado o fato contra ela praticado.
Veja-se:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO. DELITO COMETIDO COM ABUSO DE PÁTRIO PODER. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. ART. 225, § 1º, INCISO II, DO CP. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DA FAMÍLIA NÃO COMPROVADA. NOTORIEDADE DO FATO. SUPOSTA AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO REGULAR DA VÍTIMA OU DE SEU REPRESENTANTE LEGAL. INEXISTÊNCIA DE FORMALIDADES NA APRESENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. NULIDADE INEXISTENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
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3. Doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação prescinde de qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima em autorizar a persecução criminal.
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7. Ordem denegada.
(HC 142.253/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 25/04/2011)
HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES CORPORAIS LEVES. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE DE RIGOR FORMAL. AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06. OBRIGATORIEDADE APENAS NO CASO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE DA VÍTIMA EM SE RETRATAR.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.097.042/DF, ocorrido em 24 de fevereiro do corrente ano, firmou a compreensão de que, para propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves, pois se cuida de ação penal pública condicionada.2. A representação não exige qualquer formalidade específica, sendo suficiente a simples manifestação da vítima de que deseja ver apurado o fato delitivo, ainda que concretizada perante a autoridade policial.
3. A obrigatoriedade da audiência em Juízo, prevista no artigo 16 da Lei nº 11.340/06, dá-se tão somente no caso de prévia manifestação expressa ou tácita da ofendida que evidencie a intenção de se retratar antes do recebimento da denúncia.
4. Habeas corpus denegado.
(HC 96.601/MS, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 22/11/2010)
"HABEAS CORPUS . LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO. TESE DE FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA VÍTIMA. OFERECIMENTO DE NOTITIA CRIMINIS PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. VALIDADE COMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE RIGORES FORMAIS. PRECEDENTES. PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO SURSIS PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO-INCIDÊNCIA DA LEI 9.099/95.
1.A representação, condição de procedibilidade exigida nos crimes de ação penal pública condicionada, prescinde de rigores formais, bastando a inequívoca manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal no sentido de que se promova a responsabilidade penal do agente, como evidenciado, in casu, com a notitia criminis levada à autoridade policial, materializada no boletim de ocorrência.
2.Por força do disposto no art. 41 da Lei 11.340/06, resta inaplicável, em toda sua extensão, a Lei 9.099/95.
3.Ordem denegada."
(HC 130.000/SP, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJe de 8/9/2009.)
A respeito do assunto, Guilherme de Souza Nucci assevera que a representação "não exige rigorismo formal, ou seja, um termo específico em que a vítima declare expressamente o desejo de representar contra o autor da infração penal", destacando que "basta que das declarações prestadas no inquérito, por exemplo, fique bem claro o seu objetivo de dar início à ação penal". (Código de Processo Penal Comentado. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 132).
No mesmo sentido, Eugênio Pacelli:
"A esta autorização, quando ausente qualquer outra ordem de interesses que não o da vítima, a lei processual penal dá o nome de representação, que dispensa formalidades e cujo objetivo, como visto, é apenas permitir, pelo consentimento do ofendido quanto à divulgação do fato, a ação estatal voltada para a persecução penal. Bem por isso, o requerimento de instauração de inquérito é o bastante para caracterizar a representação do ofendido, apta a satisfazer a condição de procedibilidade da modalidade de ação penal pública condicionada." (Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 117).
Na hipótese vertente, verifica-se que a Corte estadual destacou que "houve clara vontade da ofendida de ver o recorrido responder pelo crime praticado, conforme demonstram a Comunicação de Ocorrência Policial (fls. 25/27), de que resultou na prisão em flagrante do recorrido, e o Termo de Requerimento por Medidas Protetivas juntado às fls. 29/30" (fl. 22)
Assim, conforme visto no acórdão atacado, tem-se como inequivocamente comprovada a manifestação da ofendida no sentido de ver apurado o fato contra ela praticado, ainda que perante a autoridade policial.
Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, denego a ordem.
É como voto.
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