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Juiz nega indenização a ex-fumante e diz que há livre-arbitrio para o vício

Um ex-fumante teve o pedido de indenização por danos materiais e morais de R$ 1,2 milhão negado pelo juiz Magno Alves Assunção, da 28ª Vara Cível da Capital. Areski Santiago propôs ação contra a Souza Cruz e a Phillip Morris do Brasil após ter sido diagnosticado com câncer pulmonar. O juiz considerou que o autor, que fumou cigarros por 50 anos, teve livre arbítrio para escolher o seu vício. O ex-fumante foi condenado às custas e honorários advocatícios.

Da Redação

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Atualizado às 08:50


Cigarro

Juiz nega indenização a ex-fumante e diz que há livre-arbitrio para o vício

Um ex-fumante teve o pedido de indenização por danos materiais e morais de R$ 1,2 milhão negado pelo juiz de Direito Magno Alves Assunção, da 28ª vara Cível do Rio. A.S. propôs ação contra a Souza Cruz e a Phillip Morris do Brasil após ter sido diagnosticado com câncer pulmonar. O juiz considerou que o autor, que fumou cigarros por 50 anos, teve livre arbítrio para escolher o seu vício. O ex-fumante foi condenado às custas e honorários advocatícios.

Segundo o magistrado, trata-se de "um viciado intencional que assumiu o risco de sofrer as consequências de seu inveterado vício e descontrole para consigo, sua saúde e a de seus familiares, e ainda, causar lesão de direito à sociedade ao onerar o sistema público de saúde, porque toda vez que fumava tinha consciência de que estava contribuindo para a poluição ambiental do Planeta Terra". E ainda: "A conduta do autor de fumar intencionalmente sempre foi dolosa e prejudicial à própria saúde e à de quem convivia, justificando suportar sozinho pelos desmandos de sua conduta nefasta".

O juiz revogou a gratuidade de justiça anteriormente deferida, pois entendeu que se o autor teve condições de comprar milhares de maços de cigarro ao longo de tantos anos, certamente teria condições de arcar com as custas e honorários advocatícios. O ex-fumante foi condenado na base de 20% sobre o valor dado à causa.

O magistrado aproveitou a sentença para manifestar seu desagrado com "o excesso injustificável de papel" nos autos: "denota falta de responsabilidade ambiental e de uma política de sustentabilidade das partes, pois os documentos apresentados para fazerem valer seus respectivos direitos são, na sua imensa maioria, desnecessários ao deslinde da causa, sendo certo que as partes podem contribuir para um meio ambiente ecologicamente equilibrado ao economizarem papel, o que significa poluir menos e consumir menos recursos naturais".

Veja abaixo a íntegra da decisão.

__________

SENTENÇA

A.S.S. ajuizou ação ordinária de indenização por danos morais e materiais em face de SOUZA CRUZ S/A E PHILLIP MORRIS DO BRASIL S/A objetivando a condenação dos réus ao pagamento de danos morais e materiais no valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) cada referente ao consumo de cigarro no período de 1953 até meados de 2006, sendo diagnosticado com câncer pulmonar e submetido a cirurgia e quimioterapia.

Com a inicial de fls. 02/28 vieram os documentos de fls. 29/188.

Decisão de fls. 205 deferindo a JG requerida.

Regularmente citados às fls. 210, os réus apresentaram contestação de fls. 211/268 e 722/755, instruída com diversos documentos, argüindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da segunda ré.

No mérito, asseveram ausência de defeito do produto, inexistência de ato ilícito, publicidade lícita e exclusão da responsabilidade civil pela ausência de nexo causal diante do livre arbítrio do autor, ensejando a improcedência de todos os pedidos autorais.

Manifestação do autor sobre a contestação às fls. 1238/1257.

Instadas as partes a especificarem provas, os réus pugnaram pela produção de provas oral e documental (fls. 1263/1277 e 1461/1469).

O autor requereu a produção de prova oral (fls. 1738/1770).

É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR.

A preliminar de ilegitimidade passiva sustentada pelo segundo réu, adotando-se a teoria da asserção segundo a qual a aferição das condições da ação é estabelecida a partir das afirmações da autora constantes na inicial, confunde-se com o mérito, razão pela qual com ele deve ser apreciada.

A causa encontra-se madura para sentença, eis que a matéria fática já está devidamente provada nos autos, portanto, admitido está o julgamento antecipado da lide, na forma do disposto no artigo 330, I, do CPC.

Inicialmente cabe considerar que estes autos apresentam um excesso injustificável de papel, denotando falta de responsabilidade ambiental e uma política de sustentabilidade das partes, pois os documentos apresentados por autor e réus para fazerem valer seus respectivos direitos são, na sua imensa maioria, desnecessários para o deslinde da causa, sendo certo que as partes podem contribuir para um meio ambiente ecologicamente equilibrado ao economizarem papel o que significa poluir menos e consumir menos recursos naturais.

Outrossim, introduzido pela lei 11.277, de 08/02/2006, o art. 285-A do CPC prevê um mecanismo que permite ao juiz, nos casos de reiterada repetição de matéria de direito posta em juízo, suprimir vários atos do procedimento, dispensando a citação, para proferir decisão que reproduza precedente do mesmo juízo, no sentido da total improcedência do pleito.

Vale apresentar o seguinte raciocínio para um escorreito entendimento da utilização do instituto em comento: o julgador, antes ou depois da lei 11.277/06, observando que as questões do feito sejam unicamente de interpretação legal, poderia, após a citação, julgar antecipadamente à lide (art. 330, I do CPC) cuja base de referência que deve direcionar o julgador para proferir a sentença liminar de improcedência deve ser a jurisprudência dos tribunais superiores.

In casu, como se verá, o objeto deste feito já se encontra consolidado no STJ o que ensejaria a aplicação do dispositivo legal supra. Com efeito, já é de longa data a polêmica sobre a possibilidade ou não da responsabilização civil dos fabricantes de cigarros pelos malefícios causados aos seus consumidores.

Tanto aqui, quanto em outros países, as decisões sobre o tema causam debates no mundo jurídico, não importando qual seja o resultado final. Trata-se de tema extremamente conflituoso. De um lado, a proteção ao consumidor, à saúde e à vida do cidadão. Do outro, a livre iniciativa, livre concorrência, as questões políticas e econômicas.

Qualquer decisão acerca da responsabilidade civil das empresas de tabaco abre precedentes históricos. Não se desconhece que há defensores da responsabilização e detratores dessa possibilidade, estes em número mais expressivo. Trago a consideração o art. 220, §4º, da Constituição Federal. Esse o seu teor: 'A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, a advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.' A partir de tal regulamentação, a legislação infraconstitucional passou a adequar-se ao texto constitucional.

Dentre as várias normas que foram instituídas para regular a matéria, destaca-se a Lei n.º 9.294/96, com diversas alterações posteriores, que regulamentando o citado art. 220, § 4º, da Constituição Federal, dispôs minuciosamente acerca de restrições à propaganda e ao consumo de cigarros, bem como informações necessárias aos usuários. Nesse passo, o Estado obriga as indústrias do tabaco a inserir, nos maços de cigarros por elas comercializados, advertências acerca dos malefícios do produto danoso.

Dentre essas advertências, consta uma particularmente interessante, informando ao consumidor que a nicotina é uma droga e causa dependência. O Estado, portanto, reconhece ser a nicotina um psicotrópico, contudo, abstém-se de regulamentar a produção e comercialização da substância. Admite seu potencial viciante, porém, permite a circulação da nicotina no país sem autorização para tanto. Em outras palavras, o Estado mostra-se conhecedor da prática de conduta que se aproxima de um crime (produção e comercialização de psicotrópico sem autorização legal ou regulamentar), entretanto a tolera passivamente.

Tal fato decorre da previsão constitucional que considera lícito o comércio e o consumo de cigarros no território nacional. Igualmente, a licitude da fabricação e da comercialização do cigarro, no território nacional, não afasta, de maneira alguma, a prejudicialidade que tal produto causa aos seus consumidores, fato público e notório entre todos, e devidamente reconhecido pelo Governo Federal através da Portaria nº 695/99, que atesta o poder viciante e negativo da nicotina presente no cigarro.

Ora, os efeitos maléficos do tabagismo são conhecidos há séculos, não podendo ser aceita a alegação de que determinada pessoa torna-se quimicamente dependente do cigarro em razão da influência de propagandas veiculadas pelas indústrias de fumo, que associam aos seus produtos, a imagem de sucesso, beleza ou status social.

Destaco que nos anos 1600 o fumante corria risco de decapitação na China, Pérsia e Turquia. O Rei James I da Inglaterra descrevia o tabagismo da seguinte forma: 'Um costume repugnante para os olhos, odioso para o nariz, daninho para o cérebro, perigoso para os pulmões e o mau cheiro de seu vapor negro lembra de perto as horríveis fumaças do abismo infernal'.

Em 1857 a conceituada revista Lancet entra na campanha contra o tabagismo indicando o hábito como prejudicial ao povo inglês, causando atraso ao pais, arruinando os jovens, depauperando os trabalhadores e submetendo a população aos cuidados médicos. (Bechara , M.J. ; Szego ,T ; Rodrigus- Gama , J. - Histórico do tabagismo em Fumo ou Saúde , cap. 3: 27-34. Ed. Bradepa, São Paulo, 1985).

Outrossim, a literatura médica destaca os efeitos devastadores do cigarro no organismo humano. Para Roberto A. Franken, Gustavo Nitrini, Marcelo Franken, Alfredo J. Fonseca, Julia C. T. Leite: 'As ações farmacológicas da nicotina são em geral imprevisíveis, pois se fazem, ao mesmo tempo, sobre vários sistemas efetores, com ações estimulantes e depressoras seqüenciais e dose dependentes. ' (Roberto A. Franken, Gustavo Nitrini, Marcelo Franken, Alfredo J. Fonseca, Julia C. T. Leite, São Paulo, SP in 'Arquivos Brasileiros de Cardiologia' - Vol. 66, 1996, - pág. 371/373).

Continuam, os mesmos autores: 'A nicotina, à semelhança de outras drogas que causam dependência, ativa o sistema dopaminérgico mesolímbico. Essas ações aumentam o estado de atenção e sensação de bem estar, aumentam a capacidade de memória e provocam dependência. Observam-se ainda tremores das extremidades e, em doses maiores, até convulsão.' (ob. cit. pág. 371/373).

Ainda observam que: 'Sobre o sistema cardiovascular, a ação se faz fundamentalmente através do estímulo adrenérgico. Receptores colinérgicos nicotínicos ativam gânglios autonômicos com subseqüente liberação de noradrenalina pós ganglionar e adrenalina da medula supra-renal. Observam-se, como efeito clínico, taquicardia e hipertensão arterial. Aronow e col constataram aumento da freqüência cardíaca em fumantes que fumavam cigarro com nicotina mas não naqueles que usavam cigarro sem nicotina. A nicotina provoca ainda vasoconstricção periférica com redução da temperatura cutânea e aumento da resistência periférica.' (Roberto A. Franken, Gustavo Nitrini, Marcelo Franken, Alfredo J. Fonseca, Julia C. T. Leite, São Paulo, SP in 'Arquivos Brasileiros de Cardiologia' - Vol. 66, 1996, - pág. 371/373).

Para Francisco C.G. Robbs: 'Os quase 4.000 componentes químicos da fumaça do cigarro produzem diversos efeitos sobre o sistema cardiovascular. Os efeitos fisiológicos podem ser resumidos em: redução do limiar para fibrilação ventricular; arritmias redução nas reservas do fluxo coronariano, aumento da freqüência cardíaca aumento da pressão arterial aumento do consumo de oxigênio e nutrientes pelo miocárdio vasoconstrição (os fumantes têm um aumento superior a 20 vezes no risco da angina vasoespática em comparação com os não fumantes)' in (W B Kannel & M Higgins 'Smoking and Hypertension as Predictors of Cardiovascular Risk in Populatio Studies' in JOURNAL OF HYPERTENSION Vol. 8, Supl. 5, 1990, 3/8).

Conforme advertência divulgada em 2005 pelo Instituto Nacional do Câncer - INCA na Internet (www.inca.gov.br), os percentuais de morte oriunda das doenças causadas pelo tabagismo são os seguintes: 25% das mortes causadas por doença coronariana - angina e infarto do miocárdio; 45% das mortes causadas por doença coronariana na faixa etária abaixo dos 60 anos; 45% das mortes por infarto agudo do miocárdio na faixa etária abaixo de 65 anos; 85% das mortes causadas por bronquite e enfisema; 90% dos casos de câncer no pulmão (entre os 10% restantes, 1/3 é de fumantes passivos); 30% das mortes decorrentes de outros tipos de câncer (de boca, laringe, faringe, esôfago, pâncreas, rim, bexiga e colo de útero); 25% das doenças vasculares (entre elas, derrame cerebral).

Feitas tais considerações, passo ao exame da legislação aplicada ao caso e os pressupostos da responsabilidade civil.

Cuida-se de relação de consumo, pois a indústria do fumo coloca o produto no mercado através de distribuidores para consumo final, nos termos do artigo 2º do CDC. Argumenta o autor a existência de publicidade enganosa cujo teor está no art. 37, § 1º do CDC que assim a define como: 'qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços.'

No caso dos anúncios de cigarros, não se identifica qualquer vontade da empresa em deslanchar o hábito do fumo, mas sim em buscar uma aproximação de um determinado modo de ser e viver ao produto, o que, conjuntamente, vende a marca daquele produto e tenta fazer com que o fumante opte por uma marca determinada: 'Os cigarros Hollywood ligam-se às atividades de lazer, descontração e sociabilidade; os Free a atitudes definidas e decisivas, a pessoas que tomam conta de suas vidas; os Carlton vinculam-se a situações de requinte e sofisticação.'

Na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina objetivista: a existência de um fato no mundo físico, um dano e o nexo de causalidade entre um e outro. É certo que o CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva do fabricante de cigarros, de sorte que para nascer a obrigação de indenizar a vítima não se indaga se aquelas pessoas agiram, ou não, com culpa.

A primeira questão a ser abordada é pertinente ao nexo causal, ou seja, a relação entre o fato (fumar) e o resultado (doenças cardiopulmonares). Assim, o nexo há de ser examinado sob dois enfoques: I - Em abstrato, ou seja, a potencialidade letal do cigarro para a generalidade dos fumantes; II - Em concreto, ou seja, a influência ou não do uso do cigarro no desenvolvimento das doenças no autor.

Há controvérsias no sentido de se entender o cigarro como o efetivo causador de doenças ou mero fator de perigo, colocando o fumante em um grupo de risco, mais vulnerável às doenças cuja causa é atribuída ao tabaco. O posicionamento majoritário é no sentido de que o cigarro se apresenta como mero fator de risco, podendo ou não causar doenças, assim como a bebida alcoólica e a gordura. Nos dizeres de SÉRGIO CAVALIERI FILHO: 'o conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. A relação causal, portanto, estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano. Determina se o resultado surge como conseqüência natural da voluntária conduta do agente. Em suma, o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que podemos concluir quem foi o causador do dano' (Programa de Responsabilidade Civil, 6a edição revista, aumentada e atualizada, 3a tiragem, Editora Malheiros, 2006 - pág. 70/71).

Nesse diapasão, oportuno colacionar o que preleciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES, sobre o nexo de causalidade: '(...) Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direito e imediato (...) Ao legislador, portanto, quando adotou a teoria do dano direto e imediato, repugnou-lhe sujeitar o autor do dano a todas as nefastas conseqüências do seu ato, quando já não ligadas a ele diretamente. Este foi, indubitavelmente, o seu ponto de vista. E o legislador, a nosso ver, está certo, porque não é justo decidir-se pela responsabilidade ilimitada do autor do primeiro dano' (Responsabilidade Civil, 8ª ed., Ed. Saraiva, 2003, págs. 520/526).

Nesse passo, vigora do direito civil brasileiro (art. 403 do CC/02 e art. 1.060 do CC/16), sob a vertente da necessariedade, a 'teoria do dano direto e imediato', também conhecida como 'teoria do nexo causal direto e imediato' ou 'teoria da interrupção do nexo causal'.

Dentre as causas excludentes do nexo de causalidade destaca-se o fato exclusivo da vítima. Sílvio Rodrigues, citado por Sérgio Cavalieri Filho (ob. cit., p. 89), pondera que 'a culpa exclusiva da vítima é causa de exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparente causador direto do dano, é mero instrumento do acidente'.

O tempo também é fator que traz imensa dificuldade, não só porque apaga os vestígios da causalidade como, também, permite o surgimento de concausas ou causas supervenientes, ou seja, outros males adquiridos pelo fumante ao longo do tempo, que dificultam o estabelecimento de ligação segura entre o ato reiterado de fumar e a doença adquirida.

Cabe reiterar que o modo de vida, o estresse do cotidiano das grandes cidades, e o uso de outras substâncias como as bebidas alcoólicas podem sugerir que a causa da doença pode ser outra, ademais, dos fatores genéticos e hereditários, como ocorre, ad exemplum, com as doenças do coração.

Não se há de desprezar, ainda, o fato de que o ato de fumar, a aquisição do vício e a deliberação de continuar usando substância nociva à saúde traduz livre arbítrio do consumidor, que insiste em manter o vício, mesmo sabendo dos males que o fumo provoca.

O uso voluntário do cigarro, o propósito de mostrar-se socialmente integrado, a intenção de fazer prevalecer a autonomia da vontade também constitui óbice à responsabilização do fabricante. O fumante, como tantas outras pessoas, faz uma opção consciente entre o risco e o prazer, no exercício do livre-arbítrio e, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta 'contaminação propagandista' arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing.

É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre. A jurisprudência do STJ e do nosso TJRJ caminha no mesmo sentido, in verbis: '1. (...). 2. É incontroverso nos autos que o Autor começou a fumar nos idos de 1.988, mesmo ano em que as advertências contra os malefícios provocados pelo fumo passaram a ser veiculadas nos maços de cigarro. 3. Tal fato, por si só, afasta as alegações do Recorrido acerca do desconhecimento dos malefícios causados pelo hábito de fumar, pois, mesmo assim, com as advertências, explicitamente estampadas nos maços, Miguel Eduardo optou por adquirir, espontaneamente, o hábito de fumar, valendo-se de seu livre-arbítrio. 4. Por outro lado, o laudo pericial é explícito ao afirmar que não pode comprovar a relação entre o tabagismo do Autor e o surgimento da Tromboangeíte Obliterante. 5. Assim sendo, rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falar-se em direito à percepção de indenização por danos morais. 6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido'. (REsp 886.347/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 08/06/2010). (grifei)

Apelação cível. Responsabilidade civil. Pedido de indenização formulado por consumidora de cigarros que - alega - teria sofrido amputação de membro inferior em decorrência do consumo por décadas do tabaco. Precedente do STJ. Sentença de improcedência que se mantém. Desprovimento do recurso. 0000088-41.2007.8.19.0211(2009.001.43901) - (APELAÇÃO - DES. MARILENE MELO ALVES - Julgamento: 07/04/2010 - DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL). (grifei)

Ressalto que o poder de viciar de qualquer produto não constitui pressuposto do dano. Aliás, apenas quando indevido é que o uso de psicotrópicos provoca dano físico ou perturbações psíquicas, de sorte que a potencialidade lesiva não está no uso em si, mas no uso inadequado.

Ora, para responsabilizar as rés pelos males do fumo teríamos também que fazer o mesmo com relação às bebidas alcoólicas, os produtos alimentícios transgênicos, os defensivos para lavoura ('defensivos agrícolas') que contaminam os alimentos, todos com suspeita fundada de ter atributos cancerígenos se ingeridos durante largo tempo e, inclusive, alguns medicamentos.

Por derradeiro, quem opta pelo vício é, no mínimo, cúmplice da situação. Ele, o autor, ajudou a divulgar o cigarro, estimulou o mau hábito, participou da confraria da fumaça, deu o mau exemplo, afetou certamente fumantes passivos e não venceu o próprio vício nem mesmo quando, mudados os tempos para melhor, conscientizou-se do drama que a nicotina significou às últimas gerações.

Assim, estando demonstrado que não houve qualquer ato ilícito, não houve falta de informação, não houve publicidade enganosa e tampouco vício do produto, resta impossível relacionar a doença do autor com a atividade lícita e regulada pelo Estado exercida pelas rés.

Isto posto, com esteio no artigo 269, inciso I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, nos termos da fundamentação acima e por considerar o autor, viciado intencional que assumiu o risco de sofrer as conseqüências de seu inveterado vício e descontrole para consigo, sua saúde, a saúde de seus familiares e, ainda, causar lesão de direito à sociedade ao onerar o sistema público de saúde, porque toda vez que chumava um cigaro tinha consciência de que estava contribuindo para a poluição ambiental do Planeta Terra, habitat natural dos seres humanos, e ainda assim, permaneceu anos a fio contribuindo para apressar o incício e a aceleração do câncer, que com certeza matemática recai sobre todos os fumantes, principalmente com doenças tal como efizema pulmonar.

Portanto, a conduta do autor a fumar intencionalmente sempre foi dolosa e prejudicial a própria saúde e a de quem convivia, justificando suportar sozinho pelos demandos de sua conduta nefasta e irresponsável. CONDENO, o inconseqüente e irresponsável autor, nas custas processuais e honorários advocatícios, na base de 20%, sobre o valor dado à causa, tendo em vista a resistência que deu no curso do processo, obrigando excesso de trabalho ao advogado adversário.

REVOGO A JG anteriormente deferida (fls. 205), pois se o autor teve condições de comprar inúmeros e milhares de maços de cigarro ao longo de mais de 50 anos, o que certamente demonstra que tem condições de arcar com as custas e honorários advocatícios desta lide temerária, em que juntamente com seu advogado visavam o enriquecimento por locupletamento e enriquecimento sem causa, ante a ausência de culpa da parte ré, da ação conscientemente dolosa praticada pelo autor.

Demais disso, não há nos autos evidência de o autor ser miserável para os fins dos artigos 3º, 4º e 5º da Lei-1060/50 c/c art. 5º da CF/88. Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

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