Mulher, vítima de represálias após ter nome divulgado em jornal, será indenizada
A 1ª Câmara de Direito Civil do TJ confirmou sentença da comarca de Mafra que condenou a empresa jornalística Gazeta de Riomafra Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil a Ana Alice Martins.
Da Redação
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Atualizado às 15:25
Danos morais
Mulher, vítima de represálias após ter nome divulgado em jornal, será indenizada
A 1ª câmara de Direito Civil do TJ/SC confirmou sentença da comarca de Mafra que condenou a empresa jornalística Gazeta de Riomafra Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil a A.A.M..
Segundo os autos, na edição do dia 20/7/05, o jornal publicou uma matéria no qual afirmou que A.A. teria denunciado à polícia um foragido da Penitenciária de Piraquara/PR, que seria seu inquilino. No texto, constava, também, que a denúncia teria sido feita pelo próprio locador do imóvel em que o foragido da polícia residia. A.A. afirmou que, apesar de ter firmado contrato de locação com E.L.M., a notícia da denúncia era inverídica e causou inúmeros transtornos, constrangimentos e pânico, pois a pessoa indicada como criminosa era de alta periculosidade. Por fim, afirmou, que, em razão da matéria publicada, a família do criminoso a tem hostilizado e agredido verbalmente, inclusive com ameaças.
Condenada em 1º grau, a empresa jornalística apelou ao TJ. Sustentou que apenas narrou os fatos contidos no boletim de ocorrência e que a matéria é verídica, não tendo ultrapassado os limites do direito e dever de informação.
"Percebe-se que, embora haja liberdade de imprensa e seja a divulgação de informação sua principal função, os fatos conforme divulgados refogem aos limites da mera informação, atingindo, de forma inteiramente desnecessária, a esfera psíquica da autora. (.) equivocou-se o meio de comunicação, ao divulgar matéria jornalística capaz de ensejar a identificação de A.A. como locadora da residência do criminoso. Embora não tivesse a intenção, causou dano à parte, posto que a notícia repercutiu em toda região em que circulou o jornal", afirmou a desembargadora substituta Denise Volpato, relatora do processo. A decisão da câmara foi unânime.
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Processo : 2007.014427-9 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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Apelação Cível n. 2007.014427-9, de Mafra
Relatora: Desa. Subst. Denise Volpato
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. IMPUTAÇÃO DE AUTORIA DE DENÚNCIA À DEMANDANTE. DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIA JORNALÍSTICA CAPAZ DE ENSEJAR A IDENTIFICAÇÃO DA AUTORA COMO LOCADORA DA RESIDÊNCIA DO CRIMINOSO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. AGRAVO RETIDO. ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE AFERIÇÃO DA CULPA POR INTERMÉDIO DE PROCESSO JUDICIAL AUTÔNOMO, POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 49 DA LEI N. 5.250/1967. INSUBSISTÊNCIA. NORMA LEGAL QUE SE LIMITA A DECLARAR QUE A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ÓRGÃOS DE IMPRENSA IMPÕE A COMPROVAÇÃO DE DOLO OU CULPA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INÉPCIA DA EXORDIAL POR FALTA DE PROVA DOCUMENTAL PRÉ-CONSTITUÍDA IGUALMENTE AFASTADO. MÉRITO. INSURGÊNCIA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA REQUERIDA. PLEITO PELA REFORMA DA SENTENÇA SOB O ARGUMENTO DE INEXISTIR ABUSO E INTENÇÃO DE OFENDER A AUTORA NA VEICULAÇÃO DA MATÉRIA QUE SE LIMITOU A REPRODUZIR OS FATOS NARRADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL. INSUBSISTÊNCIA. DIVULGAÇÃO INDEVIDA DE NOTÍCIA JORNALÍSTICA CAPAZ DE ENSEJAR A IDENTIFICAÇÃO DA AUTORA COMO DENUNCIANTE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO AUTOR DA DENÚNCIA NO REGISTRO DE OCORRÊNCIA. ABUSO COMETIDO PELA REQUERIDA AO NÃO SE ATER À PUBLICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DOS FATOS. SITUAÇÃO QUE PERMITIA A VEICULAÇÃO DA MATÉRIA SEM A CITAÇÃO DO AUTOR DA DENÚNCIA. A DIVULGAÇÃO DA AUTORIA DE DENÚNCIA (TRATADA COMO ANÔNIMA PELA POLÍCIA) CONTRA FORAGIDO DE ALTA PERICULOSIDADE PROVOCA EVIDENTE ABALO ANÍMICO. AFLIÇÃO PELA POSSIBILIDADE DE RETALIAÇÃO QUE ALTERA O BEM-ESTAR PSÍQUICO DA PESSOA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. PEDIDO DE MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS AFASTADO. QUANTUM QUE ATENDE AO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, COM OBSERVÂNCIA DO CARÁTER INIBIDOR E PEDAGÓGICO DA REPRIMENDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.014427-9, da comarca de Mafra (2ª Vara Cível e Criminal), em que é apelante Empresa Jornalística Gazeta de Riomafra Ltda, e apelada A.A.M.:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do agravo retido e negar-lhe provimento; e conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
A.A.M. ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em face de Empresa Jornalística Gazeta de Riomafra Ltda., aduzindo, em síntese, ter sido publicada notícia pela empresa jornalística requerida, no dia 20/07/2005, atribuindo-lhe a autoria de denúncia à polícia de um foragido da Penitenciária de Piraquara/PR, que seria seu inquilino. Asseverou constar na matéria veiculada na imprensa escrita que a denúncia teria sido feita pelo próprio locador do imóvel em que o foragido da polícia residia. Afirmou ter firmado contrato de locação com Edson Luiz Martins, porém não denunciou seu inquilino às autoridade policiais. Aduziu não constar seu nome no Boletim de Ocorrência como denunciante. Asseverou ter a notícia publicada causado inúmeros transtornos, constrangimentos e pânico, porquanto a pessoa indicada como criminosa é de alta periculosidade. Ainda, informou que em razão da matéria publicada a família do criminoso tem lhe hostilizado e agredido verbalmente, inclusive lhe ameaçando. Ao final, postulou a procedência da demanda, condenando-se a requerida ao pagamento de indenização por danos morais, acrescido do ônus sucumbencial. Atribuiu valor à causa e juntou documentos.
Devidamente citada, a empresa jornalística requerida apresentou contestação (fls. 35/53), aduzindo ter apenas veiculado matéria conforme registrado no Boletim de Ocorrência, não possuindo intenção de ofender a autora, mas tão-somente informar a sociedade sobre fato supostamente ocorrido. Asseverou ter se limitado a noticiar os fatos, estando resguardada pela norma contida no artigo 27 da Lei de Imprensa. Requereu, assim, a improcedência do pedido, com a condenação da requerente ao pagamento do ônus sucumbencial.
Houve réplica (fls. 64/67).
O Magistrado a quo saneou o processo às fls. 69/70, afastando as preliminares suscitadas pela requerida.
Às fls. 78/79 a requerida interpôs Agravo Retido.
Designada Audiência de Instrução e Julgamento (fl. 92), foram ouvidas três testemunhas da autora (fls. 93/97).
Apresentadas as alegações finais por memoriais (fls. 109/111 e fls. 115/121), pelo Magistrado de Primeiro Grau foi proferida a Sentença (fls. 123/127), julgando a lide nos seguintes termos: "JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado por A.A.M. contra a EMPRESA JORNALÍSTICA GAZETA DE RIOMAFRA LTDA., com resolução do mérito, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar a ré a pagar à autora a importância de R$ 10.000,00, atualizada monetariamente e acrescida de juros legais de mora a contar da data da sentença. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação, por força do artigo 20, 3, do Código de Processo Civil."
A requerida interpôs Embargos de Declaração (fls. 131/135) em face da decisão de fls. 123/127, os quais foram rejeitados (fl. 138).
Irresignada com a prestação jurisdicional, a sociedade empresária requerida interpôs recurso de apelação (fls. 140/165), no qual repisa os argumentos contidos na contestação, sustentando a inexistência de intenção de macular a imagem ou ofender a moral da autora, limitando-se a reproduzir os fatos narrados no Boletim de Ocorrência. Afirma ter comprovado por meio de Certidão emitida pelo Comandante Militar da região que as investigações foram iniciadas após o recebimento de informações repassadas pelo locador do imóvel em que o preso residia. Justifica ter publicado matéria verídica, não tendo ultrapassados os limites do direito e dever de informação. Acrescenta não ser sigilosa a matéria publicada, não havendo ilicitude na sua veiculação. Em caso de manutenção da condenação, postulou a redução do quantum indenizatório. Requer seja o presente recurso conhecido e provido.
Apresentadas as contrarrazões (fls. 168/172), ascenderam os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.
Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo). Os pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os extrínsecos se referem ao exercício desse direito.
Assim, preenchidos os pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do recurso.
2. Preliminar
2.1 Agravo Retido
Preliminarmente, a requerida/apelante pugna pelo conhecimento do agravo retido interposto às fls. 78/79.
Na insurgência, alega a necessidade da ocorrência de prévio pronunciamento judicial reconhecendo a presença de qualquer um dos ilícitos capitulados na parte final do artigo 49, da Lei n. 5.250/1967, bem como a necessidade da exordial vir instruída com prova documental suficiente à demonstração dos fatos alegados pela requerente.
Absolutamente sem razão a agravante.
Primeiramente porque a Lei de Imprensa em seu artigo 49 não faz nenhuma exigência de declaração prévia de culpa ou dolo em processo cível ou crime, mas sim define que a responsabilidade civil dos agentes de imprensa restringe-se aos casos e violação do direito alheio por ato culposo ou doloso, verbis:
"Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:
I - os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, números II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúrias;
II - os danos materiais, nos demais casos."
Nesse sentido, não existe - e, diga-se de passagem, jamais haveria de existir - exigência legal de conhecimento prévio de dolo ou culpa em processo judicial autônomo.
De outra parte, o argumento do agravante de ser necessário ao ajuizamento da ação a apresentação de prova preconstituída do direito do autor não se coaduna com o sistema processual civil brasileiro.
Isso porque, o nosso ordenamento jurídico não só permite a dilação probatória após o protocolo da exordial, como a exige em muitas situações com a finalidade de preservação do contraditório e da ampla defesa.
In casu, infere-se que o defensor do agravante confundiu o conceito legal de inépcia da exordial por não encartar documento considerado essencial ao deslinde do feito (artigo 283), com a necessidade de "haver acompanhado a peça pórtica prova documental pré-constituída" (fl. 79).
Nessa esteira, de se salientar ter a autora colacionado aos autos, com a inicial, prova documental suficiente a demonstrar a veracidade dos fatos por si apontados como ensejadores de violações ao seu direito à incolumidade psíquica.
Deste modo, o agravo retido merece ser conhecido e desprovido.
3. Mérito
Trata-se de recurso de apelação interposto pela sociedade empresária jornalística requerida, visando, em síntese, a reforma da Sentença com a improcedência do pedido indenizatório por entender a inexistência de abuso e de intenção de ofender a autora na veiculação de matéria jornalística, limitando-se a reproduzir os fatos narrados no Boletim de Ocorrência pela autoridade Policial.
2.1 Da responsabilidade Civil do Jornal Gazeta de Riomafra Ltda.
Inicialmente, vale lembrar ter sido a integralidade dos dispositivos da Lei de Imprensa declarada inconstitucional, consoante julgamento plenário realizado no Supremo Tribunal Federal:
"O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em argüição de descumprimento de preceito fundamental proposta pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa" (STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 30-4-09, Plenário, Informativo 544).
Ex vi desse julgamento, observado o efeito erga omnes dele decorrente, conclui-se pela retirada da referida lei do ordenamento jurídico, razão pela qual deverão as causas oriundas do direito de imprensa, liberdade de informação e de expressão serem analisadas sob a ótica do direito comum (Código Civil), norteadas pelos preceitos constitucionais atinentes à matéria. Pensar o contrário, significaria limitar a liberdade de expressão e representaria um retrocesso à censura e uma afronta à manutenção do Estado Democrático de Direito.
In casu, convém transcrever a matéria publicada no jornal de circulação local da requerida (fl. 10), verbis:
"Preso em Mafra fugitivo de Penitenciária Paranaense Depois de um intenso trabalho de investigações do Serviço Reservado da Polícia Militar de Mafra - que durou cerca de quarenta dias até a comprovação da identificação, foi preso no início da noite do dia 18 último (segunda-feira), na rua das Acácias no bairro Jardim América, C.V., de 26 anos. Ele foi preso em uma casa que havia alugado, e onde atuava com a venda de peças de vestuário usadas.
C. é foragido da Penitenciária de Piraquara e estava residindo em Mafra com a mulher e um filho, há cerca de cinco meses, utilizando a Carteira de Identidade e CPF de Edson Luiz Martins (documentos estes furtados em Curitiba).
A Polícia Militar recebeu a denúncia contra C. através do Próprio locador da residência no bairro Jardim América, com quem firmou contrato de locação.
Em Mafra, o foragido ainda abriu conta-corrente em duas agências bancárias.
Contra C.V. já havia um Mandado de Prisão de dez anos, sob acusações de roubo, estelionato, homicídio e outros. Agora ele vai responder, ainda, por falsidade ideológica e falsificação de documento público. Ele se encontra recolhido no Presídio Regional de Mafra, à disposição da Justiça." [grifei]
Inicialmente de se destacar, resta incontroverso nos autos que a autora A.A.M. é locadora do imóvel em que residia o foragido C.V., conforme cópia do Contrato de Locação de fl. 11.
De outra parte, a apelante alega não ter tido intenção de ofender a moral da autora, limitando-se a reproduzir os fatos narrados no Boletim de Ocorrência elaborado pela Autoridade Policial.
Nesse viés, igualmente convém transcrever o conteúdo do Boletim de Ocorrência repassado pela Polícia Militar à sociedade empresária requerida que narrava os fatos publicados (fl. 12), verbis:
"Que a cerca de 30 dias a 2ª seção recebeu informações que davam conta de que Cristiano Voltolini, foragido da Penitenciária Agrícola de Piraquara, estava residindo no endereço acima. Que utilizava o nome falso de Edson Luiz Martins, identidade e CPF este que adquiriu no Centro de Curitiba. O detido utilizando-se da identidade firmou contrato de locação anexo, referente a residência em que estava residindo com esposa e filho. Que o detido ora apresentado não reagiu a prisão, sendo-lhe apresentado o Mandado e a sua esposa." (fl. 12)
Pois bem, infere-se da leitura detida da notícia veiculada o abuso cometido pelo jornal ao exercer o reconhecido poder-dever de informar, quando, ao invés de se ater à publicação da ocorrência do fato, conforme constava no Boletim de Ocorrência, divulgou indevidamente o autor da denúncia (locador do imóvel em que residia o criminoso).
Destarte, verifica-se que a matéria veiculada no Jornal da Gazeta de Riomafra, de circulação local, ultrapassou os limites da mera informação acerca dos fatos supostamente ocorridos, pois atingiu a esfera psíquica da autora.
Isso porque, o jornal requerido, ao publicar matéria jornalística capaz de ensejar a identificação da demandante como autora da denúncia de criminoso, agiu de forma a atingir o bem-estar psíquico da informante, acobertada pelo anonimato nos procedimentos realizados pela autoridade de segurança pública em razão da periculosidade do criminoso envolvido.
Ora, por se tratar de publicação de caráter local, com âmbito de circulação limitado à região do Município de Mafra, interior do Estado de Santa Catarina, é de se destacar não somente o seu inquilino a identificaria, mas também a comunidade da região como um todo.
Ainda que se possa compreender que a notícia veiculada não tenha extrapolado os limites da verdade, imperioso reconhecer-se a gravidade da conduta culposa - evidenciada a inexistência de dolo - de romper o sigilo estabelecido entre a autora e a Polícia no intuito de preservar sua incolumidade física e psicológica.
Importante salientar, o fato de o Comandante da Polícia Militar da região da Comarca de Mafra/SC atestar em Certidão lavrada em 10/11/2005 que as investigações foram iniciadas após o recebimento de informações repassadas pelo locador do imóvel em que o preso residia, não exime o jornal da culpa pelo abalo anímico que a notícia provocou à autora.
Nesse sentido, observa-se que a autoridade policial tomou o cuidado de não mencionar a autoria da denúncia quando da elaboração do Boletim de Ocorrência porquanto o foragido era de alta periculosidade, providência não respeitada pelo folhetim.
Percebe-se que, embora haja liberdade de imprensa e seja a divulgação de informação sua principal função, os fatos conforme divulgados refogem aos limites da mera informação, atingindo, de forma inteiramente desnecessária, a esfera psíquica da autora.
Destarte, equivocou-se o meio de comunicação, ora demandado, ao divulgar matéria jornalística capaz de ensejar a identificação da autora como locadora da residência do criminoso. Embora não tivesse a intenção, causou dano à parte, posto que a notícia repercutiu em toda região em que circulou o jornal.
Nesse viés, é evidente que o criminoso identificaria a autora - pessoa com quem avençou a locação -, fato que poderia colocá-la em perigo, o que veio efetivamente a ocorrer.
Como se vê, a requerida ao imputar a autoria da denúncia à locadora do imóvel em que residia o criminoso, desencadeou fatos que ofenderam a esfera psíquica da autora, haja vista ter sofrido ameaças dos familiares do criminoso, conforme destaca-se dos depoimentos prestados em Juízo, verbis:
Elisiane Martins de Oliveira (informante da autora): "Que aproximadamente em meados de 2005, quando a informante e a autora foram juntas até a lavoura foram interceptadas por uma mulher, a qual ameaçou a autora e seus familiares, dizendo que em que pese seu marido estivesse preso, ela, os amigos e seus familiares estavam do lado de fora e poderiam causar algum mal à autora ou a um familiar seu." (fl. 93)
Maria Tereza S. De Souza (testemunha da autora): Que tomou conhecimento da publicação de fl. 10, pela própria autora, a qual disse que não tinha mais condições de frequentar suas aulas, já que estava sendo ameaçada pelos familiares do preso; que pelo que mencionou a autora as ameaças eram feitas de forma pessoal; que a autora passou a não atender telefonemas em casa e a cuidar do atendimento no atendimento de pessoas que chegassem no local; que a autora depois da publicação ficou bastante nervosa, parecendo estar com medo realmente; que de receio do que poderia acontecer com ela ou com alguém de sua família a autora chegou a chorar algumas vezes ao conversar/narrar os fatos a depoente. (fl. 95)
Os depoimentos acima transcritos convergem a demonstrar ter a publicação da matéria jornalística atingido o patrimônio subjetivo da autora, ferindo sua paz interior e impingindo-lhe sentimento de insegurança, alterando seu bem-estar habitual, promovendo sofrimento psíquico e sensorial, que se aperfeiçoam através da dor, angústia e da aflição.
Em assim sendo, inegável o abalo suportado pela autora, tendo em vista a angústia e aflição a que foi submetida em decorrência da publicação indevida e desnecessária da autoria da denúncia na matéria jornalística.
Sobre o dano moral extrai-se da obra de Wilson Melo da Silva:
"Dano moral é a lesão sofrida pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico" (In Dano Moral e sua Reparação, ed. Forense, 3ª ed.,1983, pág. 01).
Diante disso, tem-se que a pretensão indenitária formulada em face da sociedade empresária requerida procede, sendo presumível o dano moral (in re ipsa) sofrido pela apelada ao passar por situação vexatória e constrangedora perante terceiros, ofendendo sua honra, imagem e bem estar psíquico, quando lhe foi atribuída indevidamente a autoria da denúncia na matéria jornalística publicada.
Nesse sentido, destaca-se do acervo jurisprudencial Catarinense:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - OFENSA À HONRA - PUBLICAÇÃO EM PERIÓDICO - ATO ILÍCITO CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO EM OBEDIÊNCIA AOS LIMITES DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE - MINORAÇÃO DA CONDENAÇÃO AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Tendo a matéria jornalística publicada ultrapassado os limites da narrativa dos fatos, passando a ofender a honra do autor e de sua família com expressões injuriosas, nítida a necessidade de compensação pecuniária em virtude do dano moral." (Apelação Cível n.2010.025932-9, Relator: Des. Edson Ubaldo, julgado em 12/07/2010)
E ainda:
"APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. INFORMAÇÃO INVERÍDICA PUBLICADA EM MATÉRIA JORNALÍSTICA. CULPA DEMONSTRADA. MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
'É evidente que qualquer indivíduo tem direito ao ressarcimento pelo dano moral sofrido por conseqüência de publicação de informe que sem base de informação robusta e segura, e alicerçado em meras suposições, lhe imputa ato que lhe atinja a honra. (ACv. n. 2002.023298-5, da Capital. Rel. Desª. Salete Silva Sommariva)"' (Apelação Cível n. 2004.015394-5, Rel Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, julgado em 04/04/2006)
Destarte, satisfatoriamente demonstrados os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil, resta incólume o dever da apelante/requerida de indenizar o dano moral causado à autora, devendo ser mantida a Sentença neste particular.
2.1 Do quantum indenizatório
Insurge-se a requerida/apelante contra o valor da indenização por danos morais fixada na Sentença (=R$ 10.000,00), postulando sua redução.
Inicialmente, cumpre salientar dever ser a indenização por danos sofridos em razão de atos ilícitos sempre proporcional ao dano sofrido, de modo a compensar a vítima pelo infortúnio ocorrido, sem, contudo, proporcionar-lhe enriquecimento sem causa, não sofrendo limitação legal de qualquer espécie.
Em relação aos danos morais decorrentes de veiculação em imprensa jornalística de notícia prejudicial à vítima, tem-se a impossibilidade de comprovação, por documentos ou por perícia, do abalo tal qual ocorre com o dano material. Os elementos nos quais se baseia o Magistrado são de ordem subjetiva, sendo o dano presumido ou in re ipsa, ou seja, independe da produção de outras provas, pois a lesão extrapatrimonial é decorrente do próprio ato ilícito.
Nesse sentido, vale trazer à colação lição do magistério de Sergio Cavalieri Filho:
"Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir, que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto a razão se coloca daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado" (Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p.100/101).
Destarte, observados os precedentes desta Corte, bem como as peculiaridades do caso concreto, em que houve a vinculação do nome da autora imputando-lhe a autoria da denúncia, além dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e também a capacidade econômica das partes, conclui-se razoável o valor arbitrado a título de indenização por danos morais.
Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo-se hígida a Sentença de Primeiro Grau.
DECISÃO
Ante o exposto, nos termos do voto da Relatora, a Câmara decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
O julgamento, realizado no dia 21 de junho de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Desembargador Carlos Prudêncio, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Desembargador Stanley da Silva Braga.
Florianópolis, 24 de junho de 2011.
Denise Volpato
RELATORA
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